Confusas supressões no Novo CPC

AutorFernando Rubin
Ocupação do AutorAdvogado sócio do Escritório de Direito Social, especializado em saúde do trabalhador. Bacharel em Direito pela UFRGS, com a distinção da Láurea Acadêmica
Páginas69-76

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Nos termos em que avançamos nos capítulos anteriores, chegamos ao estágio de estruturarmos como adequada - e até mesmo necessária - a formatação de um atualizado sistema processual, de acordo com as disposições constitucionais pátrias, fixadas a partir de um conjunto de disposições iniciais principiológicas, garantidoras - e balanceadoras - de efetividade e segurança jurídica para uma suficiente tutela jurisdicional.

Agora, não podemos nos olvidar de que foram encaminhadas supressões de determinados dispositivos contidos no Código Buzaid que não encontram razoável justificativa, podendo até mesmo vir a causar eventual prejuízo à obtenção da aludida suficiente tutela jurisdicional246.

Dentro desse rol de supressões, poderíamos apontar a do art. 132, caput do CPC/1973, a tratar o princípio da identidade física do juiz; a do art. 126, parágrafo único, a tratar da referência à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito, como recursos utilizáveis pelo magistrado à falta de normais legais; a dos arts. 181/182, a destacar as diferenças conceituais entre os prazos peremptórios e dilatórios; a do art. 516 do Código Buzaid, a reger os efeitos translativos do recurso de apelação; a do art. 188, a tratar da supressão do prazo em quádruplo para a contestação da Fazenda Pública e do Ministério Público; e a do art. 518 e parágrafo único, a reger a exigência de juízo de admissibilidade pelo órgão de primeiro grau.

Com relação às duas últimas novidades, pensamos que podem ser compreendidas sem maiores digressões: a primeira pelo fato de, em geral, os prazos para a Fazenda Pública e para o Ministério Público serem dobrados pelo Novo CPC, o que estabelece certo ajuste no sistema de supressão de prazo em quádruplo exclusivamente para contestar; e a segunda pelo fato de o juízo de admissibilidade ser matéria de ordem pública, inclusive pelo sistema do CPC/1973, o que já determinava a possibilidade de reexame oficioso do juízo de admissibilidade recursal pelo Tribunal ad quem, operando-se assim pelo novel diploma tão somente uma simplificação de formas, evitando-se retrabalho.

No entanto, nos demais pontos, acreditamos que as supressões entabuladas devam ser criticamente enfrentadas pelo operador do direito, quando da aplicação do novo sistema adjetivo.

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Passemos, pois, à análise de cada um dos pontos tormentosos, em pormenor247.

Do efeito translativo do recurso de apelação. O ato judicial, mesmo não podendo fazer coisa julgada material, não fica sujeito a ser, livremente, desfeito ou ignorado pelo seu prolator ou por outros juízes, não se podendo decidir novamente questões já decididas relativas à mesma lide, conforme comando contido no art. 471 do Código Buzaid (que encontra paralelo no art. 505 do Novo CPC).

Diversamente da preclusão temporal, dirigida unicamente às partes, a preclusão consumativa pode vincular o magistrado que, nos termos do dispositivo infraconstitucional supramencionado, está impedido, por regra, e fora das vias recursais, quando estritamente admitidas248, de voltar ao reexame e rejulgamento das mesmas questões já decididas, em novos pronunciamentos no processo.

No entanto, se a parte interpuser recurso, e a modalidade irresignatória não admitir a reconsideração do prolator, teríamos preclusão da questão para este, mas não para o Poder Judiciário, que reapreciará a discussão via juízo hierarquicamente superior. Há, de fato, situações que configuram a regra, nas quais o recurso à superior instância não permite que, concomitantemente, o juízo a quo se retrate; nesse caso, teríamos, na hipótese de manejo do recurso, uma preclusão de instância (do primeiro grau), mas não da matéria (para o segundo grau)249.

Se, por expressa disposição de lei, a oposição de recurso à superior instância normalmente veda a reconsideração pelo juízo a quo, também o resultado definitivo apontado pelo Tribunal ad quem imporá que o tema não volte a ser enfrentado no primeiro grau em ulteriores oportunidades do procedimento ainda sob seu comando, já que aqui estar-se-ia configurada, conforme o art. 512 do CPC/1973 (art. 1.008 do Novo CPC), uma preclusão em razão da hierarquia judiciária (preclusão hierárquica)250.

Por sua vez, situação que mais importa nessa passagem do trabalho, a instância superior está obviamente impedida de modificar a decisão a quo de que não cabe mais recursos, salvo se relacionado ao efeito translativo recursal. Caso típico de preclusão de questões atingindo o juízo superior, que pode conhecer, em apelação, da matéria de fato e de direito impugnada em face dos termos da sentença (efeito devolutivo, art. 515 do CPC/1973 - art. 1.013 do Novo CPC), mas não pode conhecer das questões decididas pelo juízo de primeiro grau, v. g., no despacho saneador, que acabaram restando inimpugnadas pela parte interessada/prejudicada251.

Moniz de Aragão252, interpretando mais especificamente o teor do art. 516 do CPC/1973, refere que, fora as imperfeições do dispositivo, ressai do texto a regra geral de ficarem subtraídas ao conhecimento do tribunal as questões preclusas em decorrência de a parte não lhes ter dado competente combate mediante recurso contra a decisão (interlocutória) que as solucionou: "nenhum juiz, pois, poderá revê-las, nem mesmo o tribunal". De fato, conforme comentam Amir José F. Sarti253 e Teresa Arruda Alvim Wambier254, o efeito

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translativo do recurso de apelação de que trata o aludido dispositivo processual não envolve toda e qualquer matéria desenvolvida antes da sentença, mas tão somente as (excepcionais) de ordem pública.

A ressalva quanto à possibilidade de reexame da decisão no que diz respeito às matérias de ordem pública (como a prescrição, as nulidades e a matéria probatória), seja pelo mesmo julgador (quando mantém jurisdição), seja pela instância superior (em caso de recurso, com efeito devolutivo), reside na impossibilidade de, nesses casos, se operar a preclusão, tendo-se em conta que as referidas matérias imperativas, por serem notadamente de interesse suprapartes (para usarmos a concepção consagrada por Galeno Lacerda255), podem ser reavaliadas ulteriormente. Mas, mesmo nessas situações excepcionais, a melhor doutrina, encabeçada por Vittorio Denti256 em seu ensaio específico a respeito das questioni rilevabili d’ufficio e contradittorio, indica a necessidade do estabelecimento de um contraditório prévio entre as partes, sob pena de nulidade da decisão (tomada de ofício) - tudo a resguardar o direito constitucional de defesa e a exigência, mais atual do processo, de colaboração257 (cuja orientação encontra-se expressa no Novo CPC, arts. e 10).

Enfim, o efeito translativo, regulado no art. 516 do Código Buzaid, garante, portanto, ao Tribunal ad quem examinar matérias de ordem pública, mesmo que não invocadas ao longo da tramitação da lide, desde que evidentemente venham a favorecer a parte recorrente258, sob pena de infringência ao princípio da reformatio in pejus.

Registra o comentado art. 516 que ficam também submetidas ao Tribunal as questões anteriores à sentença, ainda não decididas. Ocorre que, ao tratar da temática, o Novo CPC registra tão só no art. 1.013, § 1º, que serão objeto de apreciação e julgamento pelo Tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas, desde que relativas ao capítulo impugnado259.

O ponto polêmico circunscreve-se exatamente à parte final, já que, s.m.j., vincula o exame da matéria pelo Tribunal ad quem ao efeito devolutivo, relacionado ao ponto impugnado da sentença. Não entendemos como adequada essa restrição, o que pode criar no futuro certo embaraço à tradicional aplicação do efeito translativo do recurso de apelação.

Persistimos entendendo que diante da importância do reconhecimento de tais matérias, mesmo que não tenham sido objeto direto de recurso, cabe ao Tribunal enfrentá-las, em preliminar recursal, determinando, se for o caso, o retorno dos autos à origem para ajustes no procedimento - é o caso, por exemplo, de reconhecimento oficioso pela instância superior da necessidade de complementação de prova ou sanação de vício grave, a ser realizada na origem, com a desconstituição de plano da sentença já proferida.

Mesmo que não tenha sido reeditado o art. 516 do CPC/1973, cremos que há outros dispositivos na Lei n. 13.105/2015 que garantem serem, determinadas matérias, de ordem pública (com direito ao reconhecimento ex officio pelo julgador), o que deverá colmatar a imprecisão legislativa no ponto.

Há de se reconhecer, por fim, que já há na doutrina entendimento no sentido de que a redação do Novo CPC acaba, ao fim e ao cabo, por manter o efeito translativo da apelação260, o que nos conforta, mas sem que se torne inócua, ao menos por ora, a crítica à redação do novel dispositivo e a supressão do antigo.

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Da definição das diferenças entre prazo peremptório e prazo dilatório. A mais usual das modalidades, a preclusão temporal, consiste na perda do direito de praticar determinado ato processual pelo decurso do prazo fixado para o seu exercício. Esse aludido "direito de praticar um ato processual" representa uma faculdade conferida às partes de se manifestarem ao longo do processo, desde o ingresso com a petição inicial (com a sua causa petendi próxima e remota, e o pedido), passando pela contestação (com a apresentação necessária de toda possível matéria preliminar, prejudicial e de mérito), ingressando na ativa produção probatória, e inclusive chegando à previsão do manejo de recursos, sempre na busca da defesa dos seus interesses, sob pena dos ônus decorrentes da sua inércia, em todos esses casos261.

A regra, esculpida no art. 183 do CPC/1973, é de que, decorrido o prazo, extingue-se o direito de praticar o ato, independentemente de manifestação judicial; assim, a natureza da decisão judicial que declarar a perda de uma faculdade processual certamente não é constitutiva262 - daí reconhecer-se que a preclusão normalmente se opera ipso...

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