Conclusão e propostas de articulação e integração entre as instituições do sistema de justiça para a melhoria da prestação jurisdicional

AutorThiago Bottino
Páginas100-110

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Conclusão e propostas de articulação e integração entre as instituições do sistema de justiça para a melhoria da prestação jurisdicional

O objetivo fundamental desta pesquisa é a apresentação de medidas concretas capazes de aperfeiçoar o sistema de prestação jurisdicional, sem que se inviabilize o acesso à jurisdição nem se limitem direitos e garantias fundamentais. Tais propostas são formuladas adiante com base nos dados coligidos pela equipe de pesquisa e derivam tanto da análise quantitativa como da análise qualitativa.

Antes de apresentar essas propostas, entretanto, é imperioso que se contextualize o problema. O habeas corpus é e sempre foi um mecanismo ágil para a proteção da liberdade fundamental. Sua utilização no sistema processual penal brasileiro está indissociavelmente ligada à evolução da cidadania no Brasil e à proteção das liberdades civis.

No início da República, quando as ameaças provinham, sobretudo, do Poder Executivo, os embates entre o STF e o Presidente Floriano Peixoto (geralmente julgando habeas corpus) constituíram uma defesa importantíssima para a afirmação das liberdades civis1. Igualmente, as ditaduras que assolaram o Brasil nas décadas de 1930-40 e 1960-70 do século passado sofreram importantes limitações pelo Poder Judiciário graças ao manejo dessa ação, chegando ao ponto da ditadura militar editar o famigerado Ato Institucional nº 5/1968, proibindo a utilização de habeas corpus para crimes políticos.

Nossa Constituição não autoriza a suspensão da garantia

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do habeas corpus nem mesmo durante a decretação de estado de sítio ou estado de defesa (art. 136 a 141, da CRFB)2.

Os dados da pesquisa indicam que, atualmente, as principais questões jurídicas discutidas em sede de habeas corpus - ou seja, os atos que representam os maiores riscos à liberdade individual - provêm do Poder Legislativo, mediante a edição de legislações que, posteriormente, são declaradas inconstitucionais (não sem antes gerar volumes enormes de impetrações apontando essa inconstitucionalidade), e também do próprio Poder Judiciário, na medida em que as decisões dos Tribunais Superiores demoram a ser incorporadas pelos magistrados de primeiro e segundo graus, gerando insegurança jurídica e alimentando a espiral de processos nos Tribunais Superiores.

Não se olvida que a liberdade de qualquer membro do Poder Judiciário de decidir a causa a partir de sua livre convicção motivada é fundamental para a saúde do sistema jurídico brasileiro. Trata-se, ademais, do mecanismo mais apropriado para que determinadas opções legislativas sejam amadurecidas a partir dos casos concretos que chegam diariamente às mãos de juízes e desembargadores.

No entanto, amadurecidas essas questões nos diferentes tribunais do país, o sistema depende da uniformização da jurisprudência pelos Tribunais Superiores. E, uma vez que esses tribunais se manifestam também de forma reiterada sobre determinada questão jurídica, a saúde do sistema passa a depender da replicação desse entendimento pelos órgãos de primeira e segunda instâncias. A pesquisa indica que parte do congestionamento dos Tribunais Superiores decorre de ações que pretendem somente a aplicação de entendimentos já pacificados.

Ademais, muitas impetrações decorrem da oscilação da jurisprudência e das divergências entre órgãos do mesmo tribunal superior. A falta de mecanismos que estimulem a uniformização de jurisprudência no âmbito dos próprios Tribunais Superiores também é um fator responsável pelas reiteradas impetrações de HC e RHC. Verificou-se uma pequena queda no número de impetrações tanto no STJ como no STF a partir de 2010, quando o STJ editou oito

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novas súmulas em matéria penal3, três das quais sobre temas que figuram entre as dez questões mais discutidas naquele Tribunal4.

Sabe-se também que o sistema processual penal brasileiro é lento e que essa lentidão se agrava no que diz respeito ao sistema de recursos, seja perante os tribunais de segunda instância, seja perante os próprios Tribunais Superiores. Um recurso pode demorar anos até ser apreciado, e essa questão não pode ser encarada de forma superficial. Especialmente quando trata da liberdade de locomoção do indivíduo. Portanto, não obstante os Tribunais Superiores tenham buscado impedir a utilização do HC como substituto de RHC (no caso do STF) ou de qualquer outro recurso cabível (no caso do STJ), a medida aparenta ser um "remédio" ainda mais perigoso do que a "doença".

Aliás, historicamente, a impetração do habeas corpus perante o STF foi assegurada mesmo em situações que fugiam à competência do mais alto Tribunal do país. O art. 101, inciso I, alínea "h", da Constituição de 1946 previa que a ordem poderia ser concedida pelo STF se houvesse risco de que a violência à liberdade de locomoção se consumasse antes que o juiz ou tribunal competente pudesse examinar o pedido5.

Sob o regime da atual Constituição, o STF possui precedentes inclusive no sentido de abrandar a vedação de habeas corpus prevista no próprio texto constitucional ("Art. 142 § 2º Não caberá "habeas-corpus" em relação a punições disciplinares militares")6.

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Por fim, é imperioso frisar que, historicamente, mas, sobretudo, após a redemocratização e a promulgação da Constituição de 1988, as mais importantes decisões em matéria de Direito Penal, Direito Processual Penal e Direito da Execução Penal foram travadas em sede de HCs ou RHCs.

Os leading cases (precedentes importantes) e as principais discussões constitucionais em matéria penal (gerando significativas mudanças legislativas a partir de declarações de inconstitucionalidade) foram proferidas pelos Tribunais Superiores graças ao fato de que HCs e RHCs chegavam livremente aos Tribunais Superiores. Nesse aspecto, pode-se dizer que, em matéria penal, o HC é mais salutar para o sistema penal do que as próprias ações de controle concentrado de constitucionalidade.

Assim, uma vez identificada a questão jurídica subjacente, o sistema já apresenta os mecanismos, ou "remédios". Se houver concentração de ações ligadas à...

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