Conceito e Espécies de Lei

AutorJosé Antonio Tobias
Páginas161-175

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a. Requisitos de qualquer definição

Pela Lógica, qualquer definição deve abranger, sem exceção, todos os indivíduos nela contidos. Caso contrário não é definição, ou, na melhor das hipóteses, uma definição deficiente. É como a pessoa que pretendesse definir o que é homem e, em vez de o definir, como é certo, dizendo: “Homem é o animal racional”, dissesse: “Homem é o animal racional de cor branca”. Definição esta deficiente, porque não inclui os homens negros, amarelos, mulatos, vermelhos e outros.

A definição de lei, em sentido estrito, por exemplo “o preceito comum e obrigatório, emanado do Poder Legislativo, no âmbito de sua competência”36, de Paulo Nader, ou a definição de lei, em sentido estrito, como “a norma jurídica elaborada pelo Poder Legislativo, por meio de processo adequado”37, de Maria Helena Diniz, em seu Dicionário Filosófico, são dois exemplos de definição de lei que excluem, como se não fossem lei, em sentido estrito, tanto a lei natural e a lei eterna quanto a lei divina e a lei não escrita, encontrada esta no Direito Consuetudinário.

Conclusão: é necessário que se procure uma definição de lei mais abrangente e mais condizente com os requisitos de uma definição universal, derivada da Lógica.

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b. Conceito de lei, ninho de dúvidas

Pululam conceitos de lei, tanto entre autores quanto entre leitores e professores. Apesar disso, a maioria, como nos dois exemplos acima, entende por lei “a norma emanada do Poder Legislativo”.

Ora, qualquer autor e qualquer livro, se pretender escrever sobre lei, tem o dever de precisar, entre os numerosos e diversos sentidos de lei, o significado em que está tomando e usando o termo lei. Ao iniciar a leitura de um escrito ou a audiência de uma aula sobre lei, o leitor ou o acadêmico pode perguntar:

  1. - o que este autor ou professor entende por lei?

  2. - será que é o que eu entendo?

  3. - lei, para ele, é só a lei escrita?

  4. - ou então, lei, para ele, abrange também a lei não escrita, como o fez a Humanidade durante séculos?

  5. - lei pode ser sinônimo de costume transmitido pela sociedade de geração em geração?

  6. - está certa a definição de Paulo Nader quando define a lei como “o preceito comum e obrigatório, emanado do Poder Legislativo, no âmbito de sua competência”, ou então, está certa a definição de lei do Dicionário Jurídico que reza: lei é “a norma jurídica elaborada pelo Poder Legislativo, por meio de processo adequado”?

  7. - a lei natural é lei ou não é, e, portanto, deve ou não ser abrangida pelo conceito e pela definição de lei?

  8. - a lei divina, isto é, as leis próprias de cada religião, como os Dez Mandamentos para o Cristianismo, são lei ou não, e, portanto, também devem ou não serem abrangidas pelo conceito e pela definição de lei, inclusive pelas duas definições, logo acima apresentadas?

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  9. - a lei eterna, encontrada em todo o universo e que, desde toda a eternidade, rege tanto o macrocosmo quanto o microcosmo, é lei ou não é, e, por consequência, também ela deve ou não estar incluída no conceito e na definição de lei?

    Como se pode notar, não é fácil definir o que é lei. E quem lida com leis há anos, quando não a vida inteira, sabe como poucos da dificuldade de se encontrar uma definição de lei, abrangente de todos os significados acima e de acordo com as exigências de definição da Lógica.

    c. Lei não escrita

    c.1. Introdução

    Existem, por conseguinte, vários sentidos de lei. Contudo, se for encontrada uma definição correta de lei, isto é, de acordo com as exigências da Lógica, ela deverá abranger todos os sentidos de lei. Do mesmo modo que a definição correta de homem como “animal racional” inclui todos os homens, os brancos, os negros, os vermelhos, os amarelos, os mulatos e os outros; assim também a correta definição de lei (se houver) deverá abranger a lei escrita, a lei não escrita, a lei natural, a lei positiva, a lei eterna e qualquer outra.

    c.2. Lei não escrita existe?

    Adão e Eva tiveram seus filhos, que, por sua vez, geraram os netos de Adão e de Eva; depois vieram os bisnetos, os tataranetos de Adão e Eva, e assim por diante, surgindo dessa maneira a sociedade e as sociedades. Ora, para existirem, e sobretudo para coexistirem, essas sociedades e outras que foram aparecendo necessitavam de ordem entre seus membros; do contrário se matariam, confirmando o “homo homini lupus est” (“o homem é lobo para o homem”) de Hobbes. E, assim, em ordem (relativa) foram os homens convivendo, de geração em geração, de século em século, através do tempo. Ora, dessa ordem

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    nasceram e multiplicaram-se diversos tecidos de regras sociais, de normas sociais, de preceitos que a necessidade, a natureza e o bem-estar social foram, devagarinho mas de modo profundo, exigindo, estabelecendo e cristalizando entre as gerações e os séculos dos homens. Por sua vez, essas regras ou preceitos, nesses séculos e séculos sem nada escrito, constituíram os costumes, isto é, as leis não escritas.

    Nesses séculos incontáveis, por conseguinte, a lei era o costume e o costume era a lei. Não existia lei no sentido moderno de lei, que é de norma escrita. Nesses tempos e séculos sem conta se aplicava, e muito bem, a sábia estrofe atribuída a Jacques Cujas (1520-1590), em português apelidado de Cujácio, jurista francês cultivador do Direito Romano, e que pitoresca mais profundamente dizia:

    “Quid consuetudo?... “O que é o costume? Lex non scripta... É a lei não escrita.

    Quid lex?... O que é a lei?

    Consuetudo scripta”... É o costume escrito”.38

    Por isso são lindas, e ao mesmo tempo solenemente trágicas, tanto a história de Antígona quanto a frase dos 300 espartanos, mortos, um por um, nas Termópilas, defendendo Esparta da invasão dos milhares de soldados dos exércitos de Xerxes: “Viajante, vá dizer aos habitantes de Esparta que morremos aqui para defender suas leis”.

    Antígona foi o nome de uma famosa tragédia de Sófocles (494–406 a.C.). Numa guerra, segundo essa tragédia, Antígona perdeu seu irmão Polinice. E o Rei Creonte, de Tebas, onde residiam, proibiu, sob pena de morte, que Polinice fosse enterrado. Mas quem morria, se ficasse sem ser enterrado, ia – na expressão cristã – para o inferno, ou, segundo os gregos, condenado a vagar cem anos nas margens do rio que levava ao mundo dos mortos, sem poder ir para o outro lado. Antígona, então, enfrenta a proibição do rei, enterra o irmão com as próprias mãos e é

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    presa enquanto o fazia. Condenada à morte, morre presa numa tumba. Todavia, ao enfrentar o Rei Creonte, antes de morrer, Antígona diz a célebre frase que a imortalizou ao interpretar e personalizar a lei natural, o direito natural e a lei não escrita: “As leis e ordens do Rei Creonte eram inferiores e submetidas às leis não escritas e imutáveis dos deuses, existentes desde todo o sempre”.

    A nosso ver, na Literatura Internacional, poucos livros narram tão profunda e documentadamente a existência, a sacralidade e a pujança do costume e da lei não escrita como A Cidade Antiga, de...

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