O e-commerce e o novo marco civil da internet

AutorCildo Giolo Júnior - Juliano de Sousa
CargoPós-doutor em direito - Graduando em direito
Páginas88-104

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Esperava-se que a Lei 12.965/14 tratasse da relação de consumo no meio eletrônico. A generalidade, porém, se sobrepôs à caracterização da responsabilidade civil

A internet possibilitou que o comércio popular ultrapassasse as fronteiras dos países. Agora com um simples clique do mouse, consegue-se adquirir produtos de qualquer lugar do mundo. São inegáveis os benefícios advindos do comércio eletrônico, porém alguns cuidados devem ser tomados quando se realiza compra em sites (nacionais ou estrangeiros). Por vezes, os produtos não são recebidos ou, quando o são, podem apresentar algum tipo de defeito e não se consegue resolver o problema somente entrando em contato com a empresa fornecedora do produto.

O contrato que é realizado no meio eletrônico se torna um impasse entre as partes contratantes e geralmente se chega ao Judiciário para uma solução que nem sempre as satisfaz, pela demora no julgamento. O Conselho Nacional de Justiça (Cnj), em 2011, realizou pesquisa de clima organizacional e satisfação dos usuários em que constatou que 56,7% dos usuários da justiça consideram que os processos nunca são concluídos no prazo previsto na forma da lei (Cnj, 2011, p. 10).

O direito surge nesse impasse como forma de diminuir as diferenças entre as partes em busca da pacificação social e do restabelecimento da ordem maculada, ou seja, tenta proteger a parte hipossuficiente da relação contratual a fim de encontrar a isonomia na solução do conflito (Ferraz Júnior, 2003). Essas questões caminham por todos os ramos do direito, e o comércio eletrônico não fica fora dessa premissa quando se precisa identificar quem será responsabilizado em uma relação contratual que ocorreu no meio eletrônico.

A responsabilidade civil é um tema já recorrente e estudado por vários doutrinadores. No entanto, a responsabilidade relacionada a atos praticados no meio eletrônico (internet) ainda não foi suficientemente debatida, o que causa certa desarmonia no ordenamento jurídico brasileiro, tendo em vista as possíveis demandas judiciais decorrentes dessa relação. Com a promulgação do Marco Civil da Internet no Brasil (Lei 12.965, de 23 de abril de 2014), que estabeleceu os princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet, bem como criou as diretrizes para a atuação dos entes federativos, esperava-se mais estabilidade normativa quanto ao comércio eletrônico, o que não ocorreu, e assim não foram alcançadas as peculiaridades que as relações do meio eletrônico necessitavam. O tema continua em aberto, e o judiciário se utiliza de outras fontes do direito para solucionar essas lides, por exemplo, o Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, que será nosso segundo objeto de estudo.

O Marco Civil da Internet no Brasil criou grande expectativa para os atuantes no ramo do direito,

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contudo não abarcou especificidades do comércio eletrônico, mas alguns pontos com relação ao uso geral da internet, o que fez surgir a problemática para o presente estudo: quais fatores nele existentes complementam e fundamentam a aplicação do Código de Defesa do Consumidor na caracterização da responsabilização civil para a proteção dos e-consumidores?

PARA DIRIMIR IMPASSES QUE ENVOLVEM O MEIO ELETRÔNICO, O JUDICIÁRIO UTILIZA OUTRAS LEIS POR ANALOGIA, DE ACORDO COM CADA CASO. ESSA ‘CONVERSA’ É CONHECIDA COMO TEORIA DO DIÁLOGO DAS FONTES

Para dirimir os impasses que envolvem o meio eletrônico, o judiciário utiliza outras leis por analogia, como o Código de Defesa do Consumidor, o Código Civil e leis específicas, de acordo com cada caso. Essa conversa entre diversos ramos do direito é conhecida como teoria do diálogo das fontes. É interessante notar que o artigo 2º, § 2º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei 4.657, de 4 de setembro de 1942) diz que "a lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior" (BRasiL, LindB, 1942, s.p.). Nesse sentido se entende a utilização das diversas normas no ordenamento jurídico brasileiro para a solução dos conflitos. Na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro também se encontram os princípios que tratam de relações comer-ciais de direito internacional privado, que poderão ser aplicados às relações de consumo quando ultrapassarem as fronteiras físicas, ou seja, quando o usuário adquire algum produto de um site internacional (por exemplo, compras em sites da China).

1. Responsabilidade civil no direito brasileiro

Segundo Nogueira (1994), o problema da responsabilidade é o próprio problema do direito, visto que o direito está ligado à ideia de ação seguida de uma reação, que busca o restabelecimento do desequilíbrio causado.

Diniz (2012) inicia o volume "Responsabilidade Civil" de sua obra Curso de Direito Civil Brasileiro discorrendo sobre a problemática da responsabilidade civil no nosso ordenamento jurídico, indicando que são emergentes e atuais tais discussões, bem como que a responsabilidade civil tem reflexos nas atividades humanas, sejam estas contratuais ou extracontratuais, e que podem gerar perigos à integridade da vida humana.

Giolo Júnior (2012, p. 55) acrescenta que "qualquer expressão da ação, omissão humana traz em si o problema da responsabilidade. Este termo é de extraordinária latitude, ultrapassando o campo do direito". Na visão dos autores se percebe a importância que deve ser dada ao tema da responsabilidade civil, já que ela tem reflexos diretos em todas as atividades humanas, percorrendo outros campos além do direito.

Como lidar com a responsabilidade civil sabendo que é uma problemática contemporânea do direito brasileiro, e tendo em vista sua influência na vida das pessoas, sendo o caminho que se necessita percorrer para que exista a possibilidade de restabelecimento do estado de equidade? Tais questionamentos ocorrem, pois, a cada desequilíbrio da ordem moral ou patrimonial, surge a necessidade de criar remédios ou soluções que possam novamente trazer a ordem social, mas nem sempre essas soluções aparecem facilmente, e necessitarão de discussões mais aprofundadas, como a questão de quem deverá ressarcir o dano ou como se dará a recomposição ao estado de equidade e a indenização pelo dano sofrido (Diniz, 2012).

Estes questionamentos também existem quando se fala em responsabilidade digital, pois pode ser bem difícil identificar o causador de um dano no meio digital, considerando as tecnologias hodiernamente utilizadas, bem como os recursos que existem para tal.

A responsabilidade exprime a ideia de restauração de equilíbrio, de contraprestação, de reparação de dano. Devido à multiplicidade das atividades humanas, muitos são os tipos de responsabilidade que irão abranger todos os ramos do direito e que ultrapassaram os limites do direito para causar reflexos diretos na vida social. Dessa maneira, a responsabilidade impõe ao causador do dano o dever de reparar o direito alheio violado, e de restaurar o statu quo ante (GonçaLves, 2015).

No mesmo sentido, Diniz (2012) discorre que a responsabilidade civil está interessada no restabe-

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lecimento do equilíbrio violado pelo dano, sendo este interesse de sua fonte geradora, e acrescenta que a ideia de reparação é mais ampla por abranger situações em que não se cogitará a ocorrência de ilicitude por parte do agente, e mesmo assim existirá a possibilidade de indenização.

Nas hipóteses levantadas pelos doutrinadores se infere que a responsabilidade civil irá surgir após a ocorrência de um dano a uma pessoa, sendo que este dano deverá causar reflexos na vida real. A responsabilidade civil será o caminho que irá ligar o dano à possibilidade de reparação; indo além, em certas situações, mesmo sem ter havido um ato ilícito, poderá existir o dever de indenizar.

Como resultado pelo cometimento de um ato ilícito, que pode ser por infringência de normas jurídicas ou mesmo de normas morais, tem-se a responsabilidade. Contudo, a responsabilidade no âmbito jurídico somente acontece quando ocorre um prejuízo ao indivíduo ou à sociedade em geral. No caso da responsabilidade moral, isso não acontece por ser uma consciência moral do indivíduo (GonçaLves, 2015). Diniz complementa:

A responsabilidade civil constitui uma sanção civil, por decorrer de infração à norma de direito privado, cujo objetivo é o interesse particular, e, em sua natureza, é compensatória por abranger indenização ou reparação de danos causados por ato ilícito, contratual ou extracontratual e por ato lícito (2012, p. 24).

Com a Lex Aquiliana de Damno, viabilizou-se a imputação ao titular dos bens do direito de recebimento de prestação pecuniária como forma de penalidade a quem tivesse destruído ou deteriorado seus bens, fundamentando o conceito de indenizar o prejuízo em espécie, devendo os bens do causador do dano sustentar o ônus do ressarcimento do lesionado, o que consolidou a ideia de culpa como um dos fundamentos para a responsabilidade (GioLo JúnioR, 2012).

A responsabilidade se divide em dois ramos: a responsabilidade advinda da relação contratual e da extracontratual. Esta última, também nomeada de aquiliana, surge quando o causador do dano e o prejudicado estão fora de uma relação contratual. A diferença entre estas duas modalidades de...

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