Comentários ao Tratamento Jurídico Conferido aos Investidores no Mercado Financeiro e de Capitais Enquanto Consumidores de Produtos e Serviços - Aspectos do Regime do Direito do Consumidor Aplicáveis aos Mercados Financeiro e de Capitais no Direito Brasileiro

AutorIlene Patrícia de Noronha Najjarian
CargoDoutora em Direito Comercial pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo ? USP
Páginas231-255

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Ver Nota1

I Considerações introdutórias

A 3ª turma do STJ entendeu que as regras do Código de Defesado Consumidor no Brasil se aplicam em consórcios somente àsrelações jurídicas entre o consorciado e a administradora, pois o CDC serve para proteger o consumidor e não pode ser usado para restringir o seu direito.

Irresignado com a decisão do STJ no REsp 1.185.109, o consórcio recorreu, explicando que a modifiação das condições do contrato foi necessária para equiparar todos os consumidores que a ele aderiram, sem privilegiar os que quitaram as parcelas antes (de acordo com o artigo 6º, parágrafo V, do CDC).

Quanto à aplicação dos princípios da boa-fé objetiva e da função social dos contratos, a ministra Nancy Andrighi concordou com o posicionamento do ministro Sidnei Beneti, no sentido de que tais princípios não podem ser observados pois não houve impugnação da matéria quanto a esse assunto. Com a retifiação de votos dos ministros Massami Uyeda e Sidnei Beneti, a decisão da 3ª turma foi unânime.

As terminologias anglo-saxônicas “venture capital”, “private equity”, “project fiance” e outras similares fazem parte indissociável do mundo empresarial atual, que busca incessantemente proteção para a sua atividade, não somente por meio dos “velhos consórcios”, mas importando institutos de direito alienígena, tal como aconteceu ao introduzir-se no direito comercial societário brasileiro verdadeiras coligações de contratos transformando consuetudinariamente regras mercantilistas.

Lembre-se que a “nova” Instrução da Comissão de Valores Mobiliários, de n. 480, trouxe para o direito comercial brasileiro várias novidades, abandonando-se o conceito de companhia aberta, fiando-se no conceito de “emissor” de valores mobiliários independentemente de seu tipo societário e da sua situação jurídica econômica, e estabelecendo as categorias distintas de emissores ao criar a dicotomia entre os emissores, ora divididos em categorias “A” e “B” de emissores de valores mobiliários.

Este singelo artigo tem a pretensão de demonstrar que o início da captação de poupança popular em mercado de capitais foi marcado pela presença de sociedades anônimas abertas, e, hoje, por força de outras estruturas de captação, até por força da Instrução CVM 480, adveio maior facilidade na captação de poupança. De outra banda, a nosso ver a proteção ao investidor não qualifiado ainda não é sufiiente.

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II Dos diferentes tipos de investidores - consumidor

Lembre-se ab initio um caso da jurisprudência brasileira envolvendo dano moral caracterizado e que teve de ser indenizado pela instituição financeira. Sentença mantida. Recurso de banco não provido (TJSP – 13ª Câm. de Direito Privado; Ap 0142660-96.2009.8.26.0100-São Paulo-SP; Rel. Des. Heraldo de Oliveira; j. 16/3/2011; m.v.).

Nesse caso verificou-se ser de responsabilidade do banco o talonário de cheques – o cheque é ainda um título de crédito muito utilizado no direito comercial brasileiro. Hoje, com o advento da Lei 10.303/01, os valores mobiliários não mais se limitam àqueles específicos designados na lei e emitidos por sociedades anônimas, não sendo mais fixados em numerus clausus, e alguns deles nascem, ou seja, são emitidos como verdadeiros títulos de crédito. Podem, na prática ? considerado o amplo espectro dado pelo referido texto legal ao conceito de valores mobiliários, conforme tivemos a oportunidade de assinalar em nossa tese de doutoramento apresentada à USP2, consistir em qualquer título ou contrato de investimento coletivo que gere direito de participação, de parceria ou de remuneração, cujos rendimentos não advenham dos esforços do investidor, mas, sim, do empreendedor ou de terceiros.

Nesse passo, os títulos de dívida – valores mobiliários arrolados no bojo de uma outra instrução da CVM, a de número 476 – encontrariam, e disto não se pode olvidar, subsunção em um dos incisos do artigo 2º da Lei
6.385/76, que fornece o elenco dos valores mobiliários do direito brasileiro, sob a jurisdição3 da CVM, que poderiam ser emitidos por companhias falidas ou em recuperação judicial.

Seguindo as tendências mundiais, o colegiado da CVM ? a nosso ver, com inteiro acerto ?, devidamente fundamentado nas disposições constantes dos arts. 4º, incisos II e VI, 8º, inciso I, 19, § 5º, e 21, § 6º, da Lei 6.385, de 7 de dezembro de 1976, aprovou a Instrução 480, que cuida, entre outros assuntos, do regime da informação a ser prestada no mercado de capitais, objeto de comentários que, a voo de pássaro, iremos fazer logo mais adiante para entender os diversos tipos de investidores (pois consoante as regras de suitability descobre-se o perfil do investidor conforme seus investimentos e capacidade para entendê-los e suportá-los).

Assinale-se, desde logo, que as companhias abertas – sejam elas instituições financeiras ou não ?, mesmo quando estejam sob o regime de recuperação judicial, intervenção ou liquidação extrajudicial, ou até mesmo

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no da falência, não deixam de permanecer inseridas no mercado de capitais (até porque a sentença que decreta a falência ou concede a recuperação judicial não tem aptidão para gerar tal efeito), não as eximindo de cumprir seus deveres informacionais. Muito ao contrário, existe há tempos um regime próprio para tais companhias disciplinado pela CVM (vide, com efeito, a Instrução CVM 202/93 revogada pela atual Instrução CVM 480).

Vejamos, pois, trechos da redação da Instrução 480/2010, a qual dispõe sobre as informações a serem prestadas por meio das companhias abertas em recuperação judicial ou falidas, que poderão, eventualmente, realizar ofertas públicas de valores mobiliários, distribuídas com esforços restritos ou não, e a negociação desses valores mobiliários nos mercados regulamentados até mesmo para eventual cumprimento de plano de recuperação judicial. Cumpre, ab initio, nesse sentido, lembrar o rol de valores mobiliários, conhecidos como “títulos de dívida”, os quais são passíveis de emissões em planos de recuperação judicial, conforme disposto na Instrução CVM 476, que disciplina as ofertas públicas de valores mobiliários com “esforços restritos”, a saber:

“Art. 1º Serão regidas pela presente Instrução, as ofertas públicas de valores mobiliários distribuídas com esforços restritos.

§ 1º Esta Instrução se aplica exclusivamente às ofertas públicas de:
I – notas comerciais;

II – cédulas de crédito bancário que não sejam de responsabilidade de instituição financeira;

III – debêntures não-conversíveis ou não-permutáveis por ações;

IV – cotas de fundos de investimento fechados; e
V – certificados de recebíveis imobiliários ou do agronegócio.
§ 2º Esta Instrução não se aplica às ofertas privadas de valores mobiliários.” Com efeito, a distribuição pública com esforços restritos de colocação encontra-se delimitada pelas regras contidas no próprio âmbito da Instrução 476, além de estar também adstrita à lista de títulos de dívida – valores mobiliários ?, a qual está formulada em numerus clausus, isto é, de caráter taxativo, conforme já anteriormente frisado.

Para toda e qualquer investigação sobre o tema, há que se partir do parâmetro estabelecido pelo rol dos valores mobiliários, este sim exemplificativo, isto é, em numerus apertus, consoante se depreende da simples leitura do artigo 2º da Lei 6.385/76. Vejamos, pois, um a um, ainda que em voo meramente panorâmico, os possíveis valores mobiliários que poderiam ser emitidos durante a implementação de um plano de recuperação judicial, ou até mesmo para agilizar a retirada de uma empresa de seu estado falimentar.

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II 1. Investidores com qualificação especial (inciso IV do art. 109 da Instrução CVM 409, de 2004)

Pelo artigo 109 da Instrução CVM 409 (que cuida dos fundos de investimento) é um investidor qualificado qualquer pessoa física ou jurídica que possui investimento financeiro em valor superior a R$300.000,00 (trezentos mil reais) e que ateste sua condição de qualificado mediante termo próprio, de acordo com o anexo 1 da instrução em tela.

Diante do exposto, para lograr identificar o perfil do investidor (suitability) necessário se faz analisar rapidamente algumas das espécies de valores mobiliários mais comuns e que a nosso sentir deveriam ser passíveis de devolução à instituição emissora na hipótese de vício oculto no valor mobiliário (como por exemplo: emissões de valores mobiliários realizadas com balanços incorretos, dados fraudulentos ou manipulados etc.).

Veja-se um pequeno elenco dos valores mobiliários mais comuns no direito brasileiro.

As notas comerciais (“commercial papers”). Tais títulos seguem a regra estabelecida pela Instrução CVM 134, que determina, entre outros requisitos, que o seu valor unitário será de, no mínimo, R$500.000,00 por título. Referida instrução estabelece, ainda, outros requisitos relativos à emissão das notas comerciais.

Assim, as companhias poderão emitir, para colocação pública, notas promissórias que conferirão a seus titulares direito de crédito contra elas.

As notas promissórias circularão por endosso em preto, de mera transferência de titularidade, conforme previsto no artigo 15 do anexo I da Convenção para Adoção de uma Lei Uniforme sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias, promulgada pelo Decreto 57.663, de 24 de janeiro de...

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