Coisa Julgada. Aportes Gerais

AutorMarcelo Freire Sampaio Costa
Ocupação do AutorDoutor em Direito pela PUC-SP. Mestre em Direito pela UFPA
Páginas219-235
Capítulo 11
Coisa Julgada. Aportes Gerais
11.1. Noções sobre o regime geral da coisa julgada
C lassicamente a coisa julgada é assim denida pela doutrina:
A expressão coisa julgada, da qual pela força do costume não cabe prescindir, tem mais um signicado.
Res iudicata é, na realidade, o litígio julgado, ou seja, o litígio depois da decisão, ou mais precisamente,
levando-se em conta a estrutura diversa entre o latim e o italiano, o juízo dado sobre o litígio, ou seja, sua
decisão. Em outras palavras, o ato e, por sua vez, o efeito de decidir, que realiza o juízo em torno do litígio.
Se se descompusesse esse conceito (ato e efeito), o segundo dos lados que dele resultam, ou seja, o efeito de
decidir recebe também e especialmente o nome da coisa julgada que, por conseguinte, serve para designar,
tanto a decisão em conjunto, quanto em particular sua ecácia(556).
Outra doutrina clássica, tanto quanto a anteriormente transcrita, de maneira mais sintética e didática, prelecionou
com grande propriedade que:
A autoridade da coisa julgada não é efeito da sentença, como postula a doutrina unânime, mas sim, modo de
manifestar-se e produzir-se os efeitos da própria sentença, algo que a esses efeitos se ajunta para qualicá-los
e reforçá-los em sentido determinado(557).
Após alguma vacilação, cou bastante óbvio posteriormente para a doutrina e jurisprudência que a coisa julgada
não era mero efeito extraído da sentença, mas algo que se adiciona, ou se “ajunta, como diz o trecho citado, para
qualicar e reforçar o efeito da decisão, tornando-a indiscutível.
Trata-se, também, de uma verdadeira necessidade do sistema jurídico de conferir estabilidade às relações sociais,
conferindo certa segurança aos vencedores e até aos perdedores, das ações judiciais, pois todos acabam ao nal sabendo
bem o que pode e o que não pode ser mais ser objeto de irresignação e continuidade da demanda, pois signica tornar
indiscutível o conteúdo de certas decisões judiciais, daí ser considerada por alguns como uma das facetas extraídas do
princípio da segurança jurídica(558).
A coisa julgada é considerada pelo CPC como preliminar de mérito (art. 337, VII), a ser conhecida de ofício, sendo
vericada quando se “reproduz ação anteriormente ajuizada” (art. 337, § 1o), o que signica dizer repetir ação anterior
com mesmas partes, pedidos e causa de pedir (art. 337, § 2o).
O CPC delimitou bem o instituto ao conceituar acertadamente a coisa julgada como:
Art. 502. Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais
sujeita a recurso.
Mais à frente o CPC deniu bem um ponto que afasta bastante o regime geral do CPC da coisa julgada da sistemática
especíca das ações coletivas, senão vejamos:
Art. 506. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros.
(556) CARNELUTTI, Francesco. Sistema de direito processual civil. V. 1. São Paulo: Classic Book, 2000. p. 51.
(557) LIEBMAN, Enrico Túlio. Ecácia e autoridade da sentença e outros escritos sobre a coisa julgada. 3. ed. São Paulo: Forense, 1984. p. 39.
(558) Nesse sentido, dentre tantos, DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Op. cit., p. 441.
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Aliás, a doutrina do processo coletivo é praticamente unânime ao armar a coisa julgada como um dos aspectos
da disciplina do processo coletivo que mais consolida e destaca a diferença entre a tutela individual e a coletiva(559),
pois as citadas regras tradicionais do CPC, como a coisa julgada pro et contra e a da restrição à ecácia entre as partes
do citado art. 506 do CPC cam bem distantes das peculiaridades da tutela coletiva.
Ao contrário do regime tradicional das lides individuais, a coisa julgada do processo coletivo mira sempre aquele
“terceiro” citado no art. 506, do CPC.
11.2. O tripé no qual se assenta a coisa julgada
Como destacado, a sistemática da coisa julgada do processo coletivo se distancia bem do regime dos processos
coletivos, contudo, compreender bem os elementos que participam da construção do instituto, ainda que voltado à
explicação das lides individuais, ajudará demais na compreensão das características especícas do processo coletivo,
daí a opção por desenvolver inicialmente tal item.
Com efeito, como destaca bem a doutrina autorizada, o regime jurídico da coisa julgada está assentado em
verdadeiro tripé, qual seja: i) limites subjetivos; ii) limites objetivos; iii) modo de produção dessa coisa julgada.
Limites subjetivos signica quem são os alcançados pela força dessa coisa julgada. Nesse caso a coisa julgada
poderá ser inter partes, ultra partes e erga omnes.
A coisa julgada inter partes, ou apenas entre as partes litigantes, é aquela disposta na regra geral do art. 506 já
transcrito anteriormente.
A coisa julgada ultra partes, ao contrário da anterior, não vincula somente as partes, mas também “determinados
terceiros”(560). Portanto, atinge não apenas os atores envolvidos diretamente no processo, mas também terceiros com
alguma vinculação ao direito veiculado na demanda. É exatamente a situação da substituição processual. Nesta, o
substituído, malgrado não ter participado como autor ou réu do processo, poderá ter sua esfera de direito atingida por
aquela demanda.
Na última hipótese, coisa julgada erga omnes, há uma potencialização da modalidade citada anteriormente, pois,
os efeitos dessa coisa julgada não atingirão somente determinados terceiros, mas a todos, “tenham ou não participado
do processo”(561). É exatamente o que ocorre com a coisa julgada produzida nas ações de controle concentrado de cons-
tuticionalidade, pois a inconstitucionalidade ali declarada de um dispositivo legal, não atingirá somente “determinados
terceiros”, mas todos os que vivem na comunidade alcançada por aquela lei declarada inconstitucional.
Após a apresentação dessas distinções, cará bem fácil a compreensão do regime da coisa julgada do processo
coletivo, conforme o disposto no art. 103, I e II, do CDC (a ser transcrito posteriormente).
Quanto aos limites objetivos da coisa julgada, a regra geral é submeter à coisa julgada os pedidos apreciados pelo
dispositivo da decisão, tal como dispõe o art. 503, do CPC. Além disso, tem-se a possibilidade de a questão incidental,
conforme regramento construído pelo CPC, também alcançar força de lei, desde que observados os pressupostos
cumulativos dispostos nos incs. I, II e III, do § 1o, do art. 503, do CPC.
Por m, quanto ao modo de produção, há três tipos distintos de coisa julgada.
No primeiro deles, tem-se a hipótese clássica da coisa julgada pro et contra, formada independentemente do
resultado de procedência ou improcedência da lide. É a plena e clássica hipótese da preclusão máxima decorrente da
coisa julgada, não importando quem foi atingido.
O terceiro tipo, chamado coisa julgada secundum eventum litis (segundo o resultado da lide), ao contrário da anterior,
alcança a imutabilidade apenas e tão somente quantos aos pedidos julgados procedentes na demanda. Portanto, se os
(559) Na mesma linha, dentre tantos, NEVES, Daniel Amorim Assunção. Op. cit., p. 355.
(560) DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Op. cit., p. 442.
(561) Idem.
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