A aplicação do código de defesa do consumidor nos contratos eletrônicos

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Relações Contratuais na Internet e Proteção Jurídica do Consumidor
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A APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR NOS CONTRATOS ELETRÔNICOS
Ao tratar da questão da relação de consumo, é inevitável a preocupação do
consumidor se existe uma norma apta para a proteção de seus direitos.
Quando se trata de relações de consumo realizadas na Internet, esta
preocupação se torna ainda mais evidente, eis que no âmbito nacional ainda não há
legislação específica para regulamentar esta matéria.
, XXXII, que o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor. Com
esta finalidade foi criado o Código de Defesa do Consumidor, Lei n. 8.078/90, que
regula as relações de consumo, protegendo e defendendo o consumidor, parte
vulnerável ou hipossuficiente desta relação, de eventuais abusos do fornecedor.
Destaca-se que o art. 5° da Constituição Federal constitui-se em cláusula pétrea e se
insere dentro dos direitos e garantias fundamentais.
É de bom alvitre destacar que o Código de Defesa do Consumidor é lei
complexa e interdisciplinar, que se constitui num micro-sistema jurídico por abranger
normas de diversos ramos do direito, seja material ou processual, civil ou penal. É
importante dizer que a incidência das normas protecionistas do CDC não abrange
somente os agentes da relação de consumo, ou seja, os contratantes, mas alcança
também todas as pessoas que estiverem ligadas a esta relação.
De acordo com os ensinamentos de Nelson Nery Junior226, o Código de
Defesa do Consumidor veio para regulamentar as relações de consumo (que são as
relações jurídicas entre fornecedor e consumidor, tendo como objeto o produto ou
serviço) que estavam desequilibradas no mercado, estando o consumidor sem
recursos legais hábeis a torná-lo tão forte quanto o fornecedor. Resumindo, o CDC
não veio para punir o empresário, mas para dotar o consumidor de maior poder de
negociação quando participar de uma relação de consumo.
226 NERY JUNI OR, Nelson. Princípios Gerais do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. Revista
de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 3, 1992, p. 44 e ss.
Rogério Montai de Lima
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A defesa do consumidor é mecanismo de livre iniciativa, existindo tão
somente em localidades de economia de mercado. Nos países mais capitalistas,
conseqüentemente nos mais industrializados é que se desenvolveu com maior força a
defesa do consumidor: este tema não possui, portanto, conteúdo político-ideológico,
socialista ou comunista.
Este Código pretendeu que houvesse mudança de mentalidade de todos os
envolvidos nas relações de consumo, desestimulando o fornecedor a praticar
condutas desleais ou abusivas, e o consumidor a aproveitar-se do Código para
reclamar de modo infundado pretensos direitos a ele conferidos.
O CDC, além de assegurar direitos individuais e subjetivos, tem por objetivo
precípuo buscar soluções para as lides coletivas (o que foi uma inovação legislativa à
época de sua formulação). Convém frisar-se que este Código foi elaborado por uma
comissão de profissionais do direito, e discutido com a comunidade jurídica nacional
e internacional, além de organizações, como a FIESP (Federação das Indústrias do
Estado de São Paulo), CNI (Confederação Nacional da Indústria), ANFAVEA
(Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), ABINEE
(Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica), ABRAS (Associação
Brasileira de Supermercados), CONAR (Conselho Nacional de Auto-
Regulamentação Publicitária), OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e outras,
tornando esta lei uma das mais democráticas editadas no Brasil nos últimos tempos.
Quanto a sua principiologia, alguns doutrinadores conseguem abstrair oito
princípios, que estariam inclusos no artigo 4º do CDC, como Sérgio Pinheiro
Marçal
227, que menciona oito princípios elementares: o da hipossuficiência do
consumidor; ação governamental; harmonização das relações de consumo; controle
interno dos fornecedores e meios alternativos de solução de conflitos; coibição e
repressão de abusos praticados no mercado; racionalização e melhoria dos serviços
públicos; e estudo das modificações do mercado de consumo.
A hipossuficiência do consumidor ocorre diante da falta da sua participação
no controle de produção, bem como na sua deficiência ou ausência de conhecimentos
técnicos e dificuldades para exercício de seu direito de defesa. O fornecedor é um
especialista no seu ofício e, assim, está preparado para agir dentro de suas
atribuições, possuindo conhecimentos técnicos e, como regra geral, está em nível
superior técnico e economicamente.
No que concerne a ações governamentais, em regra, tem-se que a ingerência
do Estado deve ser evitada dentro das relações econômicas nos moldes constitucionais,
mas, diante do princípio fundamental do sistema de proteção e defesa do consumidor,
a interferência do Estado torna-se justificável sob certo prisma, devendo restringir-se
à atividade fiscalizadora e à aplicação das sanções previstas no ordenamento jurídico.
227 MARÇAL, Sérgio Pinheiro. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 6, abr./jun. 1993, p.
102-103.
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A harmonização das relações de consumo, educação e informação são,
também, princípios de grande importância dentro do sistema de proteção e defesa do
consumidor, pois educação e informação são as únicas formas de se criar um sistema
de grande longevidade, onde o consumidor somente estará protegido quando a
sociedade tiver ciência e consciência, souber respeitar e reivindicar seus direitos
básicos, protegidos, inclusive, pela Constituição Federal.
No que se refere ao controle interno dos fornecedores e meios alternativos de
solução de conflitos, como parte equilíbrio e harmonia entre fornecedores e
consumidores, é inequívoco que os empresários devem procurar fazer o controle
interno de seus serviços e produtos, estimulando o contato com os fornecedores e
evitando a ingerência do Estado como ente fiscalizador e repressor.
A coibição e repressão de abusos praticados no mercado englobam quaisquer
abusos, inclusive concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações
industriais, marcas, nomes e signos que possam causar prejuízo aos consumidores.
A racionalização e a melhoria dos serviços públicos estabelecem o dever do
Estado, fornecedor de serviços, de atender a regra geral do sistema de proteção do
consumidor.
E o estudo das modificações do mercado de consumo, para uma efetiva
proteção ao consumidor, é essencial o exame das modificações do mercado e
adequação dos sistemas de proteção a essas evoluções.
Entretanto, a enunciação da quantidade e conceitos dos princípios aplicáveis
ao CDC não é pacífica na doutrina brasileira, destacando-se ainda João Batista de
Almeida
228 que assinala os princípios: a) da vulnerabilidade do consumidor; b) da
norma favorável (para o consumidor); c) das presunções favoráveis ao consumidor;
e, d) da irrenunciabilidade dos direitos pelo consumidor.
Frisa-se que, para que haja a incidência do sistema de responsabilização
impresso pelo CDC é necessário que exista uma relação de consumo, ou seja, uma
relação jurídica entre consumidor229 e fornecedor, seja de produtos ou serviços.
Consumidor é, antes de tudo, um dos pólos da relação jurídica de consumo,
que tem do outro lado um fornecedor de produtos ou serviços. O consumidor será,
sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor, geralmente um ser hipossuficiente e
vulnerável, que se apresenta manifestamente inferior (social, econômica ou
tecnicamente) perante o fornecedor. “É o estádio final do processo produtivo
(considerando-se aqui como processo produtivo: produção, circulação e consumo). É,
em suma, o destinatário da produção. É o consumidor o destinatário final do
228 ALMEIDA, João Batista. A proteção jurídica do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1993, p 34-35.
229 Art. 2º. Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como
destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que
indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

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