O censual no corpo da letra

AutorCarlos Eduardo Schmidt Capela
CargoUFSC/CNPq
Páginas15-36
http://dx.doi.org/10.5007/1984-784X.2014v14n21p15
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|boletim de pesquisa nelic, florianópolis, v. 14, n. 21, p. 15-36, 2014|
O CENSUAL NO CORPO DA LETRA
Carlos Eduardo Schmidt Capela
UFSC/CNPq
RESUMO: O ensaio contrapõe a peça Bent, de Martin Sherman, estreada em 1979, e o filme nela baseado
(1997) para, a partir daí, pensar as situações de opressão, tendo como ponto de fuga a novela de Samuel
Rawet, Viagens de Ahasverus à terra alheia em busca de um passado que não existe porque é futuro e de
um futuro que já passou porque sonhado.
PALAVRAS-CHAVE: Bent. Viagens de Ahasverus. Opressão.
THE CENSUAL IN THE BODY OF THE LETTER
ABSTRACT: The essay opposes the play Bent, by Martin Sherman, performed for the first time in 1979, and
the movie based on the play (1997), in order to think, thus, the situations of oppression, having as a van-
ishing point the novel written by Samuel Rawet, Viagens de Ahasverus à terra alheia em busca de um pas-
sado que não existe porque é futuro e de um futuro que já passou porque sonhado.
KEYWORDS: Bent. Viagem de Ahasverus. Oppression.
Carlos Eduardo Schmidt Capela |capela@cce.ufsc.br| é professor de Teoria Literária no Departa-
mento de Língua e Literatura Vernáculas e professor do Programa de Pós-Graduação em Literatura da
Universidade Federal de Santa Catarina. Pesquisador CNPq.
http://dx.doi.org/10.5007/1984-784X.2014v14n21p15
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|boletim de pesquisa nelic, florianópolis, v. 14, n. 21, p. 15-36, 2014|
O CENSUAL NO CORPO DA LETRA
Carlos Eduardo Schmidt Capela
Serei sempre estranho a mim mesmo.
Albert Camus. O mito de Sísifo
Estreada em Londres, no ano de 1979, a peça Bent, de Martin Sherman, foi
pela primeira vez encenada no Brasil em 1981, sob a direção de Roberto Vig-
nati. A montagem alcançou amplo sucesso, de público e de crítica, decorrente,
em boa medida, e isso para além dos seus méritos cenográficos, da matéria
efervescente por ela trazida à tona. Centrada na relação homossexual entre
dois prisioneiros de um campo de concentração um dos quais assume a
homossexualidade frente aos carrascos nazistas, sendo por isso identificado
pelo infame triângulo rosa costurado no peito de seu uniforme, enquanto o
outro, por sua vez, faz o possível para ocultá-la, dizendo-se “apenas” judeu, o
que o leva a portar em sua roupa a não menos infame estrela amarela —, a
peça, afinal, respondia com propriedade a um crescente sentimento de re-
pulsa ao regime militar que se seguiu ao golpe de 1964, naquele momento
ainda em vigência no país.
Vale lembrar, para caracterizar com breves traços o clima político então
dominante, que 1981 é o ano da tentativa de atentado ao show em comemo-
ração ao Dia do Trabalhopromovido pelo Centro Brasil Democrático, e
compartilhado por diversos artistas e por um enorme público —, ocorrida na
noite de 30 de abril, no Rio de Janeiro. Na ocasião dois militares não tiveram
êxito em sua missão de instalar, nas dependências do Riocentro, local da
comemoração, explosivos cuja detonação estava prevista para acontecer
durante o espetáculo, incidente esse que, se tivesse sido bem sucedido, pode-
ria fornecer motivos suficientes para o retorno da linha dura” (esse pelo me-
nos parece ter sido o cálculo de estrategistas dos serviços de inteligência do
exército), como era chamado o período mais radical da repressão aos que
combatiam a ditadura, ou simplesmente a ela se opunham.
O fracasso no atentado do Riocentro, cujo inquérito, inconclusivo, foi
arquivado ao final de meros quatro meses de grosseiras averiguações (para

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