Castração química: resposta penal para crimes sexuais?

AutorBianca Amaral Mitchell
Páginas73-129
Resumo
O presente trabalho busca analisar a castração química como resposta penal.
Procurou-se, em primeiro lugar, analisar os crimes de estupro e estupro de
vulneráveis e suas principais características a partir da literatura penal exis-
tente e de um ponto de vista multidisciplinar, incluindo os mitos sobre agres-
sões sexuais. Realizar uma exposição conceitual da castração química e seus
efeitos, para posteriormente analisar as legislações de outros países e descre-
ver as propostas legislativas brasileiras sobre o tema. Considerar as violações
constitucionais da castração química nos Estados Unidos, as questões médicas
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a constitucionalidade da castração química como resposta aos crimes sexuais
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tos e princípios fundamentais, em especial ao princípio da proporcionalidade.
Palavras-Chave:
Castração química. Legislações internacionais. Propostas legislativas. Direitos e
princípios fundamentais. Princípio da proporcionalidade. Inconstitucionalidade.
Introdução
No Brasil, a cada 11 minutos uma pessoa é estuprada.
De acordo com uma pesquisa realizada pelo Ipea (Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada) em 2013, apenas 10% dos casos de estupros que ocorrem
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sumação destes.1 Relativamente a 2014, o 9º Anuário Brasileiro de Segurança
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rendo 47.646 crimes neste ano.2
Embora tenha havido um decréscimo de 6,7% em relação a 2013, a cifra
oculta da criminalidade mascara os números uma vez que diminui ainda mais a
CASTRAÇÃO QUÍMICA: RESPOSTA PENAL PARA CRIMES
SEXUAIS?
BIANCA AMARAL MITCHELL
74 COLEÇÃO JOVEM JURISTA 2017
quantidade de crimes que são denunciados,3 considerando o medo, vergonha
e receio característicos nas vítimas desses crimes. Ainda, assim, tal número é
expressivo e merece uma análise maior sobre o assunto.
Combinada com a alta taxa de estupros, a impunidade em termos de quan-
tidade de denúncias que originam ações penais aumenta a relevância do tema.
Uma pesquisa foi realizada nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo analisan-
do denúncias oferecidas até dezembro de 2015 e novembro de 2015, e apontou
que a porcentagem de ações penais em proporção ao total de ocorrências foi
de 6% no primeiro estado e de 10,9%, no segundo.4 Embora a porcentagem seja
pequena, das sentenças de pessoas presas no Brasil 4% são por crimes contra
a dignidade sexual.5
Por esses e outros motivos que emerge como pretensa solução a castra-

o estupro e estupro de vulneráveis.
Esse debate começou a aparecer na mídia, principalmente em 2016, em-
bora desde 1997 haja um projeto de lei. O motivo da potencialização foi a ocor-
rência de quatro casos de estupro coletivo de grande repercussão na mídia e
na população. Um envolveu uma jovem de 16 anos no Rio de Janeiro, que foi
estuprada por pelo menos 10 homens;6 uma menina de 17 anos, em Teresina;7
e uma menina de 14 anos, no Piauí.8 Recentemente, no dia 12 de setembro, o
mesmo caso ocorreu com duas jovens em São Paulo,9 que, após 15 dias, foram
sequestradas e estupradas novamente, apenas demonstrando a atualidade e
seriedade do tema que será discutido.

endurecimento da pena do crime de estupro, porém, neste trabalho, nos limita-
remos a analisar aqueles projetos que propõem a inclusão da castração quími-
ca como pena alternativa à perda de liberdade, condição para progressão ante-
cipada de regime, remição do tempo de cumprimento da pena ou tratamento.
Assim, há uma tendência ao endurecimento da lei penal quando se trata
de crimes sexuais, como se observa nos Estados Unidos com a Lei de Megan,10
que cria um cadastro de pessoas que tenham sido condenadas por cometer
certos crimes sexuais, os agressores sexuais, e há a disponibilização de tais
informações à população. Existem variações nas leis dependendo de qual es-
tado a tiver promulgado. A título de exemplo, é possível citar a exigência do
agressor de informar às autoridades sobre troca de endereços tanto de modo
temporário, por 10 anos, quanto permanente.
De modo a concluir pela inadequação da castração química como res-
posta penal, propõe-se, então, no Capítulo 1, uma análise da dogmática, da
literatura penal sobre os crimes de estupro e estupro de vulneráveis e suas
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multidisciplinar desses crimes a partir do livro Sexual Crime de Caryn Neumann,
quando será dado foco aos mitos sobre agressões sexuais.
No Capítulo 2, será feita uma exposição conceitual da castração química e seus
efeitos, para posterior análise das legislações sobre o tema existente no plano in-
ternacional. Para encerrar esse capítulo, faremos uma exposição descritiva das pro-
postas legislativas no Brasil de modo a encontrar similitudes no plano internacional.
No Capítulo 3, será enfrentada a pergunta de pesquisa, qual seja, a análi-
se da constitucionalidade da castração química como resposta aos crimes se-
xuais em relação ao ordenamento jurídico pátrio atual. Para isso, analisaremos
eventuais violações constitucionais da medida nos Estados Unidos, as questões
médicas relevantes e questões de gênero. O aferimento da constitucionalidade
no Brasil será dividido em duas partes: violações a direitos e princípios funda-
mentais e violação ao princípio da proporcionalidade, nas quais iremos realizar
o teste de proporcionalidade.
Assim, o trabalho aqui proposto pretende justamente realizar essa análise,
de forma a compreender se a utilização dessa pena protege os bens jurídicos
a que se propõe e reduz a reincidência, caso se perceba constitucional, e, caso
negativo, entender as razões da inconstitucionalidade.
1. CRIMES SEXUAIS
1.1. Dogmática Penal dos crimes sexuais
Considerando as legislações de outros países e os projetos de lei brasileiros so-
bre o tema, conclui-se que os principais crimes que pretendem ser combatidos
pela castração química são o estupro e o estupro de vulneráveis. Para se anali-
sar a pertinência dessa medida no contexto desses crimes sexuais, é necessário
saber o que foi produzido pela literatura penal.
1.1.1. Crimes de estupro e estupro de vulnerável
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nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (CP), no artigo 213. Sua redação atual é
decorrente da Lei n° 12.105, de 2009, que uniu os crimes de estupro e atentado
violento ao pudor em apenas um tipo.
Até 2009, o crime de estupro consistia em “Constranger mulher à conjun-
ção carnal, mediante violência ou grave ameaça” e o de atentado violento ao
pudor, era “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a pra-
ticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção
carnal”. A partir desse ano, estupro passou a ser “Constranger alguém, median-
te violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir
que com ele se pratique outro ato libidinoso”.

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