Cargos em comissão e funções de confiança nas empresas públicas e sociedades de economia mista

AutorJanine Milbratz Fiorot
CargoProcuradora do Trabalho ? PRT 5ª Região. Pós-graduada em Direito Constitucional do Trabalho pela Universidade Federal da Bahia
Páginas83-134

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1. Introdução

Conforme preceitua o art. 37, II, da Constituição Federal, o ingresso de funcionários no quadro de pessoal da Administração Pública, seja Direta ou Indireta, está condicionado à aprovação em concurso público de provas ou provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei.

Por outro lado, como indica o mesmo dispositivo, a Constituição estabeleceu formas excepcionais de investidura, que prescindem do concurso público, sendo, portanto, de livre nomeação e exoneração. Tais modalidades são os cargos em comissão e funções de confiança, os quais se encontram especificados no art. 37, V da Carta Magna.

Esse dispositivo dispõe que as funções de confiança serão exercidas, exclusivamente, por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão serão preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei. Diz, ainda, que se destinam apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento.

Assim, as únicas exceções ao princípio da obrigatoriedade do concurso público estão expressas na própria Constituição da República, que estabelece

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a possibilidade de nomeação para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração (art. 37, inciso II, in fine), e prevê que a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 37, inciso IX).

É da primeira exceção que tratará este artigo. O interesse na matéria surgiu no decorrer das atividades como membro do Ministério Público do Trabalho, quando a autora integrava o Núcleo de Combate às Irregularidades Trabalhistas na Administração Pública da Procuradoria Regional do Trabalho da 5ª Região. Como o combate aos “falsos” cargos comissionados, ou melhor dizendo, aos cargos comissionados que não observam os requisitos constitucionais, eram um dos motes da atuação ministerial, surgiu o questio-namento acerca da incidência desse instituto jurídico nas chamadas empresas estatais (empresas públicas e sociedades de economia mista).

Isso porque, nas estatais, como o regime jurídico é de direito privado e não há lei criando os respectivos “cargos”, emergiu a dúvida acerca da aplicabilidade do instituto do cargo em comissão nas estatais, da maneira como ocorre nos entes de direito público integrantes da Administração Pública.

Ademais, verificou-se que a ausência de lei para a criação dos empregos em comissão nas estatais gera, salvo raras exceções, um inchaço na máquina pública no tocante a esse tipo de provimento. E isso é agravado pelo fato de que, na maioria das vezes, não se verifica as atribuições de direção, chefia e assessoramento que o Texto Constitucional exige para que seja possível a criação dos cargos em comissão.

Aliado ao fato de existir muito pouco na doutrina acerca de tal assunto instigou-se a ponto de investigar-se, principalmente na jurisprudência, em busca de um posicionamento que permitisse uma interpretação sistemática do instituto jurídico cargo em comissão nas estatais. Qual foi a surpresa, muito pouco se encontrou a esse respeito. Assim, após breve pesquisa, foram ajuizadas ações civis públicas na Justiça do Trabalho questionando a constitucionalidade dos cargos em comissão nas empresas públicas e sociedades de economia mista do Estado da Bahia.

2. Cargos e funções comissionados na administração pública
2.1. Conceito

A Administração Pública, no dizer de José Afonso da Silva1, “é o conjunto de meios institucionais, materiais, financeiros e humanos preordenados à

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execução das decisões políticas”. A Constituição Federal de 1988 (CF) utiliza a expressão “Administração Pública” em dois sentidos: um objetivo e outro subjetivo. No primeiro caso — sentido objetivo — a expressão é empregada como a própria atividade administrativa, como gestão de interesse público (função administrativa) executada pelo Estado, predominantemente, pelo Poder Executivo. Já no sentido subjetivo, a expressão é utilizada como o conjunto de agentes, órgãos e pessoas jurídicas que tenham a incumbência de executar as atividades administrativas. Neste caso, tem-se como referência o sujeito da função administrativa.2Segundo definição do Decreto-lei n. 200/67, a Administração Pública é dividida em Administração Direta e Indireta. Enquanto a primeira é composta por órgãos internos do Estado, a exemplo de Ministérios do Governo Federal e Secretarias das esferas Estadual e Municipal, a segunda compõe-se de pessoas jurídicas, também denominadas entidades. De acordo com o art. 4º, II, do Decreto-lei referido, a Administração Indireta compreende: autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações.

Ressalte-se que não é o fim a que se destina a entidade que a qualifica como integrante da Administração Indireta, mas, sim, a natureza de que se reveste.

Por sua vez, a Administração Pública, para se desincumbir de suas finalidades constitucionais e legais, necessita de servidores, que podem ocupar cargos, empregos ou exercer funções públicas.

Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello3:

Cargos são as mais simples e indivisíveis unidades de competência a serem expressadas por um agente, previstas em número certo, com denominação própria, retribuídas por pessoas jurídicas de Direito Público e criadas por lei, salvo quando concernentes aos serviços auxiliares do Legislativo, caso em que se criam por resolução, da Câmara ou do Senado, conforme se trate de serviços de uma ou outra destas Casas.

Funções públicas são plexos unitários de atribuições, criados por lei, correspondentes a encargos de direção, chefia ou assessoramento, a serem exercidas por titular de cargo efetivo, da confiança da autoridade que as preenche (art. 37, V, da Constituição).

Empregos públicos são núcleos de encargos de trabalho permanentes a serem preenchidos por agentes contratados para desempenhá-los, sob relação trabalhista.

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Os cargos públicos, por sua vez, podem ser efetivos ou em comissão.

Os cargos efetivos são aqueles definidos em lei como cargos permanentes da Administração Pública, de provimento através de nomeação decorrente de aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos.

Já os cargos em comissão podem ser definidos como aqueles de provimento temporário, de livre nomeação e exoneração, destinados a certos tipos de atividades eleitas pelo legislador como passíveis de especial fidúcia. Ou, ainda, como cargos criados no quadro da Administração Pública por lei, com estipêndio correspondente e com atribuições certas e específicas, a serem exercidas por pessoas da confiança da autoridade nomeante, as quais podem ser estranhas aos quadros do Poder Público.

Por sua vez, as funções podem, de acordo com a Constituição Federal, envolver dois tipos de situações:

  1. a função exercida por servidores contratados temporariamente, com base no art. 37, IX, da CF;

  2. as funções de natureza permanente, correspondentes a chefia, direção, assessoramento ou outro tipo de atividade para o qual o legislador não crie o cargo respectivo; em geral são funções de confiança, de livre provimento e exoneração; a elas se refere o art. 37, V, da CF.4A função de confiança, de livre nomeação e exoneração pela autoridade competente, implica um acréscimo salarial — geralmente na forma de gratificação — pago ao servidor efetivo que exerce atribuição de chefia, direção ou assessoramento. Ela também é chamada de “função gratificada” e deve ser instituída quando não se justificar a criação do cargo comissionado.

2.2. A disciplina da Constituição Federal de 1988

Desde a promulgação da Constituição da República do Brasil de 1988, a necessidade de aprovação em concurso público apresenta-se como requisito indispensável para a investidura em cargo público, sendo permitido o seu afastamento somente nos casos estabelecidos na própria Carta Magna — cargos em comissão e contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público.

Com efeito, o art. 37, inciso II, da CF, estabelece a exigência de prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos para a investidura em cargo de provimento efetivo.

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Por outro lado, paralelamente ao cargo de provimento efetivo, este artigo da Constituição Federal preceitua a possibilidade de “nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração”. Conjugando esta previsão com o art. 37, inciso V, pode-se concluir que, de acordo com o regramento constitucional atual, o cargo em comissão é aquele cujo provimento independe de aprovação em concurso público, por, justamente, ser destinado somente às atribuições de direção, chefia e assessoramento, caracterizando-se pela transitoriedade da investidura. Desse modo, pode ser preenchido por pessoa que não seja servidor de carreira, observado, evidentemente, o percentual mínimo reservado pela lei ao servidor efetivo. Esse, aliás, também é o entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello5:

Os cargos de provimento em comissão (cujo provimento...

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