Capítulo VI

AutorPaulo Rubens Salomão Caputo
Ocupação do AutorBacharel em Direito - UFMG. Especialista em Direito Processual - PUC Minas
Páginas243-260

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98. Dos poderes do juiz

Poder é, sim, a capacidade de fazer e impor, de exercer atividade de comando (auctoritas).

Mas num Estado Democrático de Direito, ele não se põe ab extra, é dado, e é dado para determinado fim.

O poder-dever jurisdicional, pois, em suas variadas manifestações, encerra esta tripla faceta: é, sim, poder, mas não por si mesmo, sendo dado para que se cumpram determinados fins maiores. Enfim, é expressão de autoridade, mas não de arbitrariedade.

A jurisdição, como já visto, especialmente nos itens 1 a 3 e 19 a 25, é poder-dever-função do Estado e, enquanto tal, exercida por quem regularmente nele investido, quem seja, o juiz.

A própria jurisdição inspira, assim, poderes-deveres que lhe são inatos, como já o reconheceu o STF.271

Entre eles também está o poder de direção processual tratado no art. 139. São manifestações mais diretas e evidentes dele as de prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça e indeferir postulações meramente protelatórias; determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária; exercer o poder de polícia, requisitando, quando necessário, força policial, além da segurança interna dos fóruns e tribunais; determinar, a qualquer tempo, o comparecimento pessoal das partes, para inquiri-las sobre os fatos da causa (hipótese em que não incidirá a pena de confesso, reservada apenas para o depoimento pessoal propriamente dito).

Também, convencendo-se, pelas circunstâncias da causa, de que autor e réu se serviram do processo para praticar ato simulado ou conseguir fim vedado por lei, o juiz proferirá decisão que impeça os objetivos das partes, aplicando, de ofício, as penalidades da litigância de má-fé (art. 142).

Mas não só tais atividades repressivas e ostensivas presidem, obviamente, o poder do juiz, a quem incumbe assegurar às partes igualdade de tratamento; velar pela duração razoável do processo; promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores

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judiciais; dilatar os prazos processuais (o que somente pode ser determinado antes de encerrado o prazo regular) e alterar a ordem de produção dos meios de prova, adequando-os às necessidades do conflito de modo a conferir maior efetividade à tutela do direito; determinar o suprimento de pressupostos processuais e o saneamento de outros vícios processuais.

Fica evidente, nestes casos, o reforço de que os poderes jurisdicionais são moderados, voltados ao fim maior do Estado-jurisdição: produção da norma concreta, implementação do justo concreto, mediante um processo amparado pela autoridade do Estado nas quais investido o juiz, mas somente mediante um processo devido, marcado pela isonomia de oportunidades e pela dialogicidade cooperativa entre todos os sujeitos nele envolvidos.

A par das novidades consistentes em dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção dos meios de prova, adequando-os às necessidades do conflito de modo a conferir maior efetividade à tutela do direito, está, inegavelmente, a de, quando se deparar com diversas demandas individuais repetitivas, oficiar o Ministério Público, a Defensoria Pública e, na medida do possível, outros legitimados a que se referem os arts. 5º da LACP, e 82 do CDC, para, se for o caso, promover-se a propositura da ação coletiva respectiva.

99. Dos deveres e da responsabilidade do juiz

Os juízes estão sujeitos ao dever de respeito às vedações impostas pelo art. 95, parágrafo único, da CF/88. Proibidos estão de: exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério; receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo; dedicar-se à atividade político-partidária; receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas (ressalvadas as exceções previstas em lei); exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração.

Além disso, sujeitam-se os juízes às disposições da LOMAN e das respectivas Leis de Organização e Divisão Judiciárias - LODJs, bem como ao Código de Ética da Magistratura Nacional (Aprovado na 68ª Sessão Ordinária do Conselho Nacional de Justiça, do dia 06 de agosto de 2008, nos autos do Processo nº 200820000007337, e publicado no DJ de 18/09/2008, p. 1-2), o qual complementa os deveres funcionais dos juízes que emanam da Constituição Federal, do Estatuto da Magistratura e das demais disposições legais, sendo certo que cada juiz, por ocasião da posse e para fiel observância durante todo o tempo de exercício da judicatura, recebe um exemplar dele (como estão nos seus arts. 40 e 41).

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Muitas das disposições do Código de Ética da Magistratura Nacional repercutem na atividade jurisdicional, como o desenvolvimento da atividade judicial de modo a garantir e fomentar a dignidade da pessoa humana, objetivando assegurar e promover a solidariedade e a justiça na relação entre as pessoas (o que coincide com o art. 8º do NCPC); a imposição de pautar-se por desempenhar suas atividades sem receber indevidas influências externas e estranhas à justa convicção que deve formar para a solução dos casos que lhe sejam submetidos; a busca da verdade dos fatos somente nas provas, mantendo ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes, e evitar todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito; dispensar às partes igualdade de tratamento, vedada qualquer espécie de injustificada discriminação, não se o considerando a audiência concedida a apenas uma das partes ou seu advogado, contanto que se assegure igual direito à parte contrária, caso seja solicitado, bem como o tratamento diferenciado resultante de lei; velar para que os atos processuais se celebrem com a máxima pontualidade e para que os processos a seu cargo sejam solucionados em um prazo razoável, reprimindo toda e qualquer iniciativa dilatória ou atentatória à boa-fé processual; utilizar de linguagem escorreita, polida, respeitosa e compreensível; buscar adotar comportamentos e decisões que sejam o resultado de juízo justificado racionalmente, após haver meditado e valorado os argumentos e contra-argumentos disponíveis, à luz do direito aplicável; atuar de forma cautelosa, atento às consequências que pode provocar ao proferir decisões.

Em complemento às regras dos arts. 3º a 10, o art. 140 veda ao juiz o non liquet, conquanto nunca pode se eximir de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico, podendo se valer do critério da equidade nos casos previstos em lei.

Ao alocar neste Capítulo o art. 141, parece que o legislador impôs ao juiz um dever de vinculação: decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões não suscitadas a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte.

Também dá o tom de dever (“observarão”) o disposto no art. 927: os juízes e os tribunais observarão as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; os enunciados de súmula vinculante; os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

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Igualmente assumiram o matiz de dever a ordem cronológica de conclusão para os julgamentos (embora relativizado na redação da Lei n° 13.256/16 ao art. 12: Os juízes e os tribunais “atenderão” ...) e a prioridade de tramitação dos feitos de interesse de pessoa idosa ou portadora de doença grave (art. 1.048 e § 4º -“terão” prioridade de tramitação em qualquer juízo ou tribunal ...; a tramitação prioritária independe de deferimento pelo órgão jurisdicional e “deverá” ser imediatamente concedida diante da prova da condição de beneficiário).

Por fim, o art. 143 impõe a responsabilidade civil apenas regressiva por perdas e danos, quando: no exercício de suas funções, o juiz recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício ou a requerimento da parte (embora somente depois que a parte requerer ao juiz que determine a providência e o requerimento não for apreciado no prazo de 10 (dez) dias); ou proceder com dolo ou fraude.

O STF já “... assentou que, salvo os casos expressamente previstos em lei, a responsabilidade objetiva do Estado não se aplica aos atos de juízes272. Isso porque:

A autoridade judiciária não tem responsabilidade civil pelos atos jurisdicionais praticados. Os magistrados enquadram-se na espécie agente político, investidos para o exercício de atribuições constitucionais, sendo dotados de plena liberdade funcional no desempenho de suas funções, com prerrogativas próprias e legislação específica. Ação que deveria ter sido ajuizada contra a Fazenda Estadual – responsável eventual pelos alegados danos causados pela autoridade judicial, ao exercer suas atribuições –, a qual, posteriormente, terá assegurado o direito de regresso contra o magistrado responsável, nas hipóteses de dolo [ou culpa]. Legitimidade passiva reservada ao Estado.273

100. Investidura e recusatio...

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