Capítulo I

AutorPaulo Rubens Salomão Caputo
Ocupação do AutorBacharel em Direito - UFMG. Especialista em Direito Processual - PUC Minas
Páginas17-44

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1. Por uma teoria do processo de bases constitucionais

Após as sucessivas reformas do CPC/1973, iniciadas em 1991 e na sua essencialidade findadas em 2008, boa parte da doutrina já se referia ao Código de Processo Civil Brasileiro como sendo o CPC Reformado.

Diante do curso do Projeto de Lei nº 5.139/2009, que instituiria no País outro Código de Processo, qual seja, o Código de Processo Civil Coletivo Brasileiro, também chamado de Código das Ações Civis Públicas para Tutela dos Interesses Difusos, Coletivos ou Individuais Homogêneos ou Nova Lei de Ação Civil Pública, entendeu-se por bem, no plano legislativo, constituir o Senado a Comissão de Juristas encarregados da elaboração de um novo Código de Processo Civil, que contemplasse a procedimentalidade voltada à resolução dos conflitos individuais, como melhor o compatibilizasse com os chamados conflitos coletivos, além do tratamento das demandas repetitivas.

Não obstante este impulso inicial, dados os acidentes próprios da conturbada vida política brasileira, o Anteprojeto elaborado pela Comissão de Juristas nomeada pela Presidência do Senado Federal, quando aportou na Câmara dos Deputados, depois de um ensaio de saudáveis discussões democráticas, foi alvo do aguilhoamento de blocos de interesses, situação esta agravada pela guerra de vaidades que se instaurou pela disputa da maternidade e paternidade do Código, ao que se soube.

Realmente o Novo Código de Processo Civil nasce bem brasileiro!

Tudo isso conduziu a que, entre marchas e contramarchas, o Novo Código de Processo Civil, em muitos pontos sensíveis, ou não avançasse, ou perdesse um pouco do seu amálgama ideológico linear, tendo um perfil mestiço em muitas passagens, ora mantendo ou se aproximando às ideias inaugurais do Anteprojeto, ora prevalecendo (com méritos, deméritos e imperfeiçoes teóricas e legislativas variadas) o Substitutivo da Câmara dos Deputados (que deu a feição prevalente naquilo que promulgado), ora reavivando-se, em partes técnicas relevantes e em temas importantes, com ajustes, o PLS.

Não há como não dizer novamente: o Novo Código de Processo Civil é bem brasileiro!

Enfim, agora e de qualquer modo, com a promulgação do novo Código de Processo Civil Brasileiro, tudo conduz a que se abandone de vez a tradicional visão de uma teoria geral do processo, mais assentada na mera estrutura e técnica legislativa do movimento de codificação de 1973 (na mesma esteira do que se dera com a unificação dos códigos estaduais de processo sob o manto do CPC/1939), alcançando-se o que se poderia denominar de teoria do processo de bases constitucionais.

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Inescondivelmente, o NCPC, já no seu pórtico, faz menção a uma série de princípios constitucionais, os quais devem mesmo marcar o campo de possibilidade de atuação do Poder Judiciário como legislador negativo, de um lado, e de outro, vetorizar a interpretação de toda a disciplina infraconstitucional sobre o direito processual.

De se verem aí os dois núcleos de sustentação do caráter normativo dos princípios, a se irradiarem para a ordem infraconstitucional.

Nesse norte, de se registrar que o modelo constitucional do processo é delineado na CF/88 não só no seu art. 5º, mas também em outros princípios que, não obstante não estarem elencados sob a rubrica dos direitos e garantias fundamentais, acabam por ter, ainda mais se vistos no contexto unitário da Carta Política, a mesma envergadura e, não menos importante, a mesma densidade constitucional daqueles. Diferentemente não poderia mesmo ser, ante a expressa indicação nesse sentido do art. 5º, § 2º, da CF/88.

Assim é que se vão encontrar, na unidade contextual da Carta Política, os princípios constitucionais que modelam, moldam, condicionam o processo na perspectiva de detalhamento no plano da legislação ordinária, notadamente nos seus aspectos estruturais e procedimentais refinados no plano infraconstitucional.

São eles: a) art. 5º, caput e I - princípio do tratamento isonômico; b) art. 5º, XXXV e LXXVII - princípio do acesso ao Estado-jurisdição; c) art. 5º, LXXIV - princípio da assistência jurídica estatal integral e gratuita; d) art. 5º, XXXVII e LIII - princípio do Juiz Natural; e) art. 5º, LIV - princípio do processo devido ou justo; f) art. 5º, LV - princípios do contraditório e defesa ampla; g) art. 5º, LVI - princípio da inadmissibilidade do uso de provas obtidas de meio ilícito; h) art. 5º, LX, e 93, IX, 2ª parte - princípio da publicidade preponderante dos atos do processo; i) art. 93, IX - princípio da motivação; j) art. 5º, LXXVIII - princípio da tempestiva, adequada e efetiva tutela jurisdicional; k) art. 5º, XXXVI - princípio da intangibilidade da coisa julgada.

2. Aspecto sincategoremático da teoria do processo de bases constitucionais (ou simplesmente teoria processual)

Se no moderno constitucionalismo a Carta Política, enquanto emanação da sociedade civil1, é que põe o Estado, limitando seu poder, separando os Poderes, organizando suas funções, distribuindo competências e garantindo

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direitos, não parece adequada a manutenção – não ao menos sem uma profunda revisão – da tradicional teoria geral do processo calcada numa trilogia, ou trinômio jurisdição–ação–processo de assento puramente legislativodogmático, como mera defluência da técnica de codificação empregada pelo legislador ordinário de 1973.

A lei infraconstitucional, quando trata da reservada2matéria processual, não pode ser em si mesma, não se basta em si. Deve, incontornavelmente, refletir, antes e acima de tudo, aquilo que está posto a respeito na Constituição.

Decorre desta concepção, da teoria do processo de bases constitucionais (teoria processual), que seus quatro elementares (e não apenas três), quais sejam, jurisdição – ação – processo – caso julgado, formam um todo sincategoremático3 (assim melhor representado: jurisdiçãoóaçãoóprocessoócaso julgado).

Isto quer dizer que tais categorias, aplicadas na edificação de uma teoria, não bastam em si mesmas, nem quando estão previstas em lei infraconstitucional, devendo ter seus significantes buscados de acordo com a orientação Constitucional.

Também isto significa que, isoladamente, embora tenham significado vocabular (geral, ou mesmo voltado ao campo do direito, historicamente) próprio, para os propósitos de uma teoria processual, cada uma destas categorias deve ser tomada referentemente e em sinergia com as outras, mantendo-se aquela inspiração e unificação radical-constitucional.

A teoria processual deve manter permanente ligação com o modelo constitucional do processo4.

Theodoro Júnior salienta que:

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De outro ângulo, o modelo constitucional do processo contemporâneo, para ANDOLINA e VIGNERA, vincula-se a algumas características gerais que se manifestam: “a) na expansividade [do modelo], consistente na sua idoneidade (derivada da posição primária das normas constitucionais na hierarquia das fontes) para condicionar a fisionomia dos procedimentos jurisdicionais comuns concebidos pelo legislador ordinário, fisionomia essa que deverá ser compatível com aquele modelo (o constitucional); b) na variabilidade, consistente na possibilidade de assumir [o procedimento] formas diversas, de modo que a adequação ao modelo constitucional (por obra do legislador ordinário) das figuras processuais concretamente funcionais possa ocorrer segundo várias modalidades, de acordo com os escopos particularmente perseguidos; c) na perfectibilidade, consistente na idoneidade [do modelo constitucional] de ser aperfeiçoado pela legislação infraconstitucional, a qual (no próprio respeito daquele modelo e em função de alcançar objetivos particulares) pode mesmo construir procedimentos jurisdicionais caracterizados por (novas) garantias e institutos desconhecidos pelo modelo constitucional”.5Com apoio em outro autor italiano, prossegue Theodoro Júnior:

Esse quadro delineia-se constitucionalmente de maneira dura ou rígida, segundo TROCKER, entre os direitos fundamentais, pois confere-lhes “estabilidade e oponibilidade em face de todo e qualquer poder ordinário do Estado; torna estas normas dotadas de concreta força preceptiva, cuja observância, mesmo da parte do legislador, é judicialmente verificável graças à introdução dos mecanismos de controle de constitucionalidade das leis”.6Arremata assim sua precisa lição:

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Em suma: o justo processo não pode ser formalizado pelo legislador...

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