Os caminhos da ética no 'franchising'. A importância de um Código de Ética

AutorLuiz Felizardo Barroso
Páginas118-128

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Prefácio

Os recentes acontecimentos envolvendo a CPI dos Bancos trazem à tona uma reflexão muito importante, qual seja, a natureza e a eficácia dos mecanismos de regulação e controle no âmbito das atividades negociais, com reflexos inclusive no universo das franquias empresariais.

Ao contrário do que muitos possam imaginar, o panorama jurídico vigente em franchising é rico em diplomas legais a regulá-lo, direta e indiretamente.

Temos, hoje, no Brasil, a reger o franchising, uma legislação específica, a Lei n. 8.955/94, que trata mais do oferecimento da franquia aos possíveis candidatos do franqueador, do que do relacionamento franqueador/franqueado.

Seja como for, a regular legalmente a convivência entre os parceiros de qualquer relação, inclusive os de franquia, temos o Código Civil, no Capítulo Das Obrigações (arts. 863/1.078); Dos Contratos (arts. 1.079/1.093); A Reparação do Dano por Atos Ilícitos (art. 159) e a caracterização da Responsabilidade Civil (arts. 1.518 a 1.532 e 1.537 a 1.553). E, é obvio, como a franquia de que estamos falando é a mercantil, ou, melhor dizendo, a empresarial, temos o Código Comercial, sobretudo no que tange aos contratos e obrigações mercantis (arts. 121/286).

Outros diplomas legais também são aplicáveis ao franchising, ainda que indiretamente, como:

- Lei n. 6.729, de 28.11.1979 (Lei da concessão comercial de veículos automotores);

- Lei (antitruste) n. 8.158/91, contra a formação de cartéis; dispondo, no que mais nos interessa de perto, acerca do cerceamento à entrada no mercado de concorrentes; o controle regionalizado do mercado etc;

- Lei n. 8.131, de 27.12.1990, versando sobre os crimes contra a ordem tributária, económica e as relações de consumo, no que tange ao abuso do poder económico para dominar o mercado, eliminando total ou parcialmente a concorrência; e, em detrimento desta, formar acordo, convénio, ajuste ou aliança, entre ofertantes, visando

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ao controle de rede de distribuição ou de fornecedores;

- Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078, de 11.9.1990, dispondo, entre outros, sobre os contratos de adesão, divulgação adequada de produtos ou serviços, publicidade enganosa; revisão de cláusulas contratuais etc;

- Código de Propriedade Industrial (Lei n. 9.279, de 14.5.1996) que, em seu art. 211, determina ao INPI o registro dos contratos que impliquem transferência de tecnologia, contratos de franquia e similares, para produzirem efeitos em relação a terceiros.

Como, entretanto, nenhum destes diplomas legais regula especificamente a convivência e, portanto, o relacionamento diuturno franqueador/franqueado,1 cresceu em importância a necessidade de se aparelhar melhor o mercado, em uma instância que precede à das autoridades fiscalizadoras, vindo mesmo antes e estando, portanto, acima dos diplomas legais citados.

É a instância da ética, no dia-a-dia de um mercado cada vez mais concorrido, cujas dificuldades, não resolvidas a tempo e satisfatoriamente, potencializam crises e prejuízos, às vezes irreparáveis.

Não foi sem razão que a Associação Brasileira de Franchising criou o seu Código de Auto-regulamentação em Franchising ou Código de Ética da Franquia Empresarial, mas que só obrigaria os sócios da associação que o instituiu.

"Isto porque os códigos de deontologia só vinculam os membros do agrupamento profissional a que se dirigirem e não têm sequer o valor de regras costumeiras ou de usos transnacionais (iex mercatorid). O seu valor de uso só foi reconhecido pelos tribunais na medida em que os contratos se lhe referiam."23

A livre concorrência

O mercado é uma instituição fundamental para os regimes democráticos e as economias não centralizadas. Todavia, a capacidade de atender, satisfatoriamente, ao consumidor e elevar o nível da concorrência nem sempre partem das empresas, espontaneamente. Pelo contrário, as razões de conveniência, próprias da livre iniciativa, podem até ser predatórias, prejudicando sensivelmente o consumidor, destinatário final dos bens e serviços oferecidos no mercado.

É inconteste que, à medida que a concorrência aumenta, aumentam, também, as práticas não éticas. Por outro lado, não é menos verdade que a total ausência de competição é nociva à boa ética, pois, quando mais não fosse, não lhe proporcionaria a oportunidade de revelar-se.

Todavia, a mão invisível da concorrência não basta. Não pode, ela, por si só, obter resultados éticos desejáveis. Mas, nem por isso vamos abolir de vez a concorrência (como o fazem os países de regime político totalitário, onde predomina, pelo menos teoricamente, a ausência da concorrência), só para termos, como resultado, menos práticas antiéticas.

Pelo contrário, preservemos nosso regime democrático, pois algumas práticas não éticas, neste nosso regime, só provam a confiança que a democracia deposita em seus líderes empresariais.

Todavia, em um mercado cada vez mais globalizado no qual as estratégias

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estabelecidas nas transações comerciais - grandemente estimuladas pela formação de blocos de nações - ultrapassam fronteiras, a competição nem sempre é feita dentro das regras que preservem o crescimento da economia nacional de um confronto devastador, com importantes reflexos, inclusive, no mercado de franquias.

Nessa esfera, a experiência internacional demonstra que o controle mais eficaz tem sido mesmo aquele exarado pelas próprias entidades privadas do setor, sem quaisquer interferências governamentais.

A auto-regulamentação

No mercado de franquias - que nos interessa analisar de perto - a auto-regu-lamentação a nível internacional, tem sido capaz de garantir uma padronização, não apenas de conduta mas, também, de conceitos; cristalizados, todos, através de um código de ética, ou de auto-regulamenta-ção (em constante aperfeiçoamento), ao qual os associados da respectiva agremiação aderem automaticamente, e que se destina tanto a resolver conflitos quanto a punir desvios do que tiver ficado estabelecido como sendo um padrão ético de conduta para o setor; decisões aquelas que garantem até a existência de uma certa "jurisprudência", na interpretação do código.

É bem verdade que para se ser fran-queador ou franqueado não se precisa ser sócio de nenhuma associação. Nada impede, porém, que para integrar certa associação, em determinada categoria, a empresa tenha que preencher o pré-requisito de ser membro da associação inerente à classificação a que pertença.4

Todavia, como vimos acima, é um sonho pensar em querer-se obrigar a seguir seus preceitos éticos quem esteja fora de determinada atividade. Não é sem razão que surgem diplomas legais contemplando Códigos de Ética, cujo desconhecimento não se pode sequer alegar para justificar o seu não cumprimento, pois tratar-se-ia, agora, de infração a uma lei.

Esta circunstância vem em favor do argumento de se adotar um Código de Ética para cada comunidade em ação, como uma necessidade imperiosa, em não havendo uma legislação específica a respeito.

"Dentro desse enfoque, recomendável seria que cada categoria profissional pudesse instituir, como norma de procedimento salutar dos seus associados, o seu próprio Código de Ética, contendo um repositório de preceitos e regras de conduta dos seus membros, a fim de conscientizá-lo dos direitos e obrigações, visando ao engrandecimento da profissão e de sua missão social e humana."5

A importância da ética

Seja como for, a ética tem muita força, porque quando, em nossas ações, fugimos dela, passamos a sofrer a censura de nossos pares e o alijamento de sua convivência que, em última análise, pode ser até mais cruel do que a própria sanção legal, com o cumprimento de uma pena preestabelecida em norma jurídica.

"O ético não demanda a vigilância de qualquer instância de poder exterior ao agente. Mas, que máximas morais pode a consciência impor a si mesma por seu valor ético imanente? Alguns atos são certos ou errados em si mesmo. Quebrar uma promessa, por exemplo, seria errado independentemente das consequências."6

As normas deontológicas devem, pois, ser seguidas, não por serem úteis ou vanta-

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josas para quem age, ou até para a humanidade em geral, e sim porque todo o indivíduo se impõe soberanamente o dever de adotá-las, de modo absoluto e necessário, ao ter consciência de que é um ente moral.

"Todavia, quando submetidas à competição, nossas ações mostram não só o que o ser humano pode fazer de melhor, como, também, o que pode tentar fazer de ilícito para se impor aos seus concorrentes",7 sobrelevando-se a necessidade de um Código (ao qual aderimos espontânea e soberanamente) e que passará a batizar nossas ações quando nos faltem, até mesmo, condições e coragem para refletir sobre se seria ético, ou não, determinado modo de procedermos.

A ética

Mas, afinal, o que é Ética?

"Ética vem a ser um estudo dos juízos de apreciação que se referem à conduta humana suscetível de qualificação do ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente à determinada sociedade, seja de modo absoluto."8

"Mas, valerá a pena ser ético em um mundo infestado de leis e regulamentos, como se o desrespeito frequente às normas fundamentais e ao bom convívio pudesse ser compensado com a profusão de leis existente?"9

"Temos, hoje, uma corrida ética em sentido inverso"10 e só por ingenuidade se acreditará que à mão pesada do Estado deve caber a missão de pôr fim aos atos eticamente condenáveis.

"Como tão bem assinalou Kant, não é...

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