Caio Prado Junior. “Formação do Brasil contemporâneo: Colônia”

AutorValéria Ferreira Santos de Almada Lima
CargoUniversidade Federal do Maranhão (UFMA)
Páginas117-124

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Dados biográficos, fontes de inspiração e contexto intelectual

Caio da Silva Prado Junior nasceu em São Paulo, em 11 de fevereiro de 1907. Filho de família aristocrática, graduou-se em Direito pela Universidade de São Paulo em 1928, já despontando como intelectual em 1933, com a publicação de “Evolução Política do Brasil”, o seu primeiro livro.

Militante do Partido Comunista Brasileiro, Caio Prado Junior exerceu mandato eletivo e alguns cargos de direção partidária, tendo se caracterizado, nesse campo, assim como em todas as demais frentes em que atuou, pela coerência e independência de suas posições. Foram exatamente esses atributos que possibilitaram ao autor desenvolver uma penetrante e devastadora crítica às concepções teóricas dominante,s no âmbito de seu próprio partido e da esquerda brasileira em geral, bem como à prática política delas decorrentes. Talcrítica, embora perpasse toda a sua trajetória política e intelectual, culmina com a publicação de “A Revolução Brasileira”,em 1966, considerado seu livro o mais controvertido e de maior repercussão.

Quanto às fontes teórico-metodológicas nas quais Caio Prado buscou inspiração, destaca-se Karl Marx, fundador do materialismo histórico, de quem incorporou, muito mais do que conceitos e esquemas interpretativos abstratos, o método de investigação, sendo a sua obra, por isso mesmo, considerada “um caso bem sucedido de nacionalização do marxismo”. (RICUPERO, 2000)

A postura não-dogmática que caracteriza o autor, distinguindo-o de seus contemporâneos marxistas do Brasil e da América Latina, lhe valeu o mérito de ser considerado o pioneiro na utilização do marxismo como ferramenta para a apreensão das especificidades da formação econômico-social brasileira. (COUTINHO, 2000, p. 223).

Tal mérito é tanto maior, quando se observa o meiointelectualem que vivia Caio Prado Junior, nas décadas de 30 e 40: marcado pela ausência de um ambiente universitário consolidado e pelo relativo isolamento em que produziu as suas principais obras. Tratava-se, com efeito, de um ambiente inteiramente diverso daquele em que atuaram, no final dos anos 50 e início dos 60, os chamados marxistas uspianos e teóricos da dependência, os quais, nutrindo-se de uma rica vida acadêmica, contaram com as condições mínimas necessárias para fundar, em torno de si, uma tradição marxista genuinamente brasileira.

Além do referencial teórico marxista, o autor em análise utilizou fortemente os conhecimentos adquiridos no curso de Geografia e História da Faculdade de Filosofia da USP. Embora não concluído, esse curso lhe forneceu valiosos subsídios para o conhecimento mais profundo da realidade brasileira, enriquecendo-o ainda com o recurso da observação direta, do qual lançou mão, nas freqüentes viagens realizadas pelo país. (LAPA, 2001, p. 260)

O objeto central de preocupação de Caio Prado Junior era a formação da sociedade brasileira e, particularmente, os condicionantes do processo de transição entre a Colônia e a Nação. Instigava-o a percepção da necessidade de empreender uma nova forma de interpretação do Brasil que refletisse a sua real identidade, em contraposição à perspectiva até então dominante, de cunhoidealista, obcecada com a dicotomia entre o país ideal e o país real.

Nesse sentido, nosso autor se aproxima de outros doisintelectuais não-marxistas que,juntamente com ele, formam o trio conhecido, no campo da teoria literária e das ciências sociais, como “a geração de 30”, cujas obras clássicas quelhe valeram esse título foram “Casa Grande e Senzala”, de Gilberto Freire, publicado em 1933, e “Raízes do Brasil”, de Sérgio Buarque de Holanda, publicado em 1936. “Formação do Brasil Contemporâneo”, de Caio Prado Junior, publicado em 1942, completa esteimportante elenco de “livros queinventaram o Brasil”, na concepção de Fernando Henrique Cardoso e que conferiram aos seus autores a láurea de “demiurgos do Brasil”, atribuída por Antônio Cândido.

Segundo Francisco de Oliveira, o que há de novo na maneira de compreender a formação da sociedade brasileira, moldada pela geração de 30 (e posteriormente compartilhada por outros pensadores da década de 50, também relevantes para a sedimentação da intelligentzia nacional),

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[...] é a construção de uma complexa relação entre teoria e história. Assim, não há uma teoria que se aplique à história, nem o contrário, uma história que seja explicada pela teoria [...]. Distanciam-se assim, [os referidos autores] da tradição que ficou conhecida no Brasil como bacharelesca, que buscava enquadrar a realidade, a história, em préconceitos, em modelos abstratos, para fazer a crítica da história real. (OLIVEIRA, 2001, p. 318).

O contexto sócio-histórico em que seinspiravam os nossosintérpretes da geração de 30 era marcado pela crise da economia cafeeira e da República Velha, cujos desdobramentos foram o avanço da industrialização e a Revolução de 30. Em estreita consonância com esses processos de transformação pelos quais passava o país, ganhava corpo, no plano cultural, o movimento modernista brasileiro, demarcando uma mudança de postura dos intelectuais, expressa no maior compromisso com a tarefa de compreender a realidade sóciopolítica brasileira em que viviam, com vistas a transformá-la.

Assim sendo, Gilberto Freire, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Junior, como frutos de tal tendência, desenvolveram, embora sob perspectivas metodológicas distintas,interpretações globais do Brasil. Ao captarem os traços essenciais de nossa formação, contribuíram, no plano do pensamento, para a reconstrução da sociabilidade e daidentidade nacionais, fornecendo, dessa forma, os fundamentos teóricos indispensáveis à orientação da ação política.

As vantagens de Caio Prado Junior, em relação aos seus contemporâneos da geração de 30, decorrem de sua extraordinária acumulação historiográfica e da tomada da totalidade como pressuposto, o que se explica pelo próprio método marxista de análise no qual se fundamenta.

Estrutura e conteúdo do livro

Três grandes partes compõem a estrutura da obra aquiem estudo: “Povoamento”,“Vida Material” e “Vida Social”, as quais se subdividem, respectivamente, em quatro, nove e três capítulos. Estas são antecedidas por uma Introdução e por um capítulo inicial intitulado “Sentido da Colonização” que contém a síntese e ao mesmo tempo o pressuposto de toda a argumentação desenvolvida pelo autor, ao longo dos demais capítulos.

Merece ainda destaque especial a “Bibliografia e Referências” em que se baseou o autor, cuja particularidade é conter um grande volume de fontes primárias, expressas em documentos oficiais, correspondências de autoridades e de viajantes, memórias, etc., as quais se sobressaem em relação às obras daliteratura historiográfica, demonstrando ser a “Formação do Brasil Contemporâneo” o resultado de ampla e profunda pesquisa acerca do período colonial.

O conteúdo da exposição contempla, na Introdução, a indicação do tema, a formulação dos problemas e a delimitação do objeto de estudo. É aquitambém que o autorjustifica,logo nas primeiras linhas, o corte cronológico que decide privilegiar: o início do século XIX.

Não se trata de uma escolha aleatória. Tendo como tema central a transição entre a Colônia e a Nação, bem como a imbricada relação existente entre esses dois momentos da evolução histórica brasileira, Caio Prado identifica o período em foco como “um ponto morto”, “uma etapa decisiva”, por se constituir, ao mesmo tempo, “uma síntese” dos três séculos de colonização e a “chave preciosa e insubstituível para se acompanhar e interpretar o processo histórico posterior e a resultante dele que é o Brasil de hoje”. (PRADO JÚNIOR, 1972, p.9)

Na ótica do autor, portanto, nesse período, havia se completado a obra de colonização portuguesa, no Brasil, cujos elementos constitutivos se esgotavam, sinalizando para o “início de um longo processo histórico que se prolonga até os nossos dias e que ainda não está terminado”. (PRADO JÚNIOR, 1972, p. 10).

Eis aí a grande questão com que se preocupa Caio Prado Junior, a partir da qual ele delimita seu objeto de estudo: a presença marcante do passado colonial em todas as dimensões (geográfica, econômica, social e política) do Brasil-nação de 1942, visto como “um organismo em franca e ativa transformação e que não se sedimentou ainda em linhas definidas, que não tomou forma” (PRADO JÚNIOR, 1972, p. 11). Daí a necessidade identificada pelo autor de mergulhar nos três séculos de colonização em que se constituíram os fundamentos de nossa nacionalidade, para colher dados indispensáveis à compreensão do Brasil contemporâneo.

Uma vez delimitado o objeto de estudo, qual seja, uma síntese do Brasil após três séculos de evolução colonial, Caio explicita, no Capítulo I, o que denominou de “sentido da colonização”: “um episódio, um pequeno detalhe daquele q u a d ro im e n s o ” q u e...

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