Segurança alimentar: abrangência do Programa Bolsa Família no município de Vila Velha - ES

AutorJéferson Gomes Nogueira
CargoUniversidade Federal do Espírito Santo-(UFES)
Páginas83-92

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1 Introdução

O Brasil apresenta uma das piores concentrações de renda do mundo, só superando poucos países, como Serra Leoa, República Centro-Africana e Suazilândia. Segundo o Mapa da Fome elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), existiam no Brasil, em 1993, 32 milhões de indigentes. Atualmente, segundo o Projeto Fome Zero: Uma Proposta de Segurança Alimentar para o Brasil, tendo por base o critério de avaliação do Banco Mundial (US$ 1,08 por dia), a população abaixo da linha de pobreza seria de 44,043 milhões de pessoas, o que corresponderia a 9,32 milhões de famílias. Dentro deste contexto, a fome aflige, de forma avassaladora, um enorme contingente de nossa população, o que requer dos governos dos diferentes níveis – federal estadual e municipal – o comprometimento com medidas emergenciais que venham atender de imediato às necessidades nutricionais dos grupos de maior risco de insegurança alimentar.

Atualmente, visando combater a pobreza e, conseqüentemente, a fome, o governo federalconta com uma política de transferência de renda e, entre outros, com o Programa Bolsa Família que, sob a égide do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), objetiva complementar a renda familiar e estimular a manutenção da criança e do adolescente na escola.

Entendendo que a avaliação, em qualquer projeto ou programa, é fundamental, pois nos permite saber se e como os objetivos e metas foram ou estão sendo de fato alcançados, optamos por fazer uma breve retomada histórica da problemática da fome no Brasil, bem como das principais políticas públicas implementadas, nas últimas décadas, destinadas a combatê-la. Tomamos como objeto de pesquisa a implementação do Programa Bolsa Família, no município de Vila Velha – ES. Procuramos verificar como se deu essa implementação, analisando o funcionamento da estrutura operacional e os resultados obtidos naquele município.

2 O que é fome – definindo o conceito

A fome é um fenômeno tão antigo quanto a própria raça humana. Caracteriza-se por ser geograficamente universal e atingir todos os continentes, em maior ou menor escala.

Segundo Soares (1999), fome resume-se na “urgência de alimentação” e Monteiro (1995, p.195) afirma que “[...] têm fome aqueles cuja alimentação diária não aporta a energia requerida para a manutenção do organismo e para o exercício das atividades ordinárias do ser humano [...]”. Nesse sentido, a fome é, em primeiro lugar, um fenômeno quantitativo que agrupaindivíduosimpossibilitados de ter acesso a uma alimentação diária balanceada, capaz de fornecer um totalde calorias correspondente aos gastos energéticos indispensáveis ao trabalho realizado pelo organismo. A falta de alimentação é grave, porque mata, ao enfraquecer o indivíduo, tornando-o vulnerávela doenças que, num organismo sadio, seriam banais, mas para o faminto costumam ser fatais.

Um dos grandes dilemas do nosso século é justamente a coexistência de milhões de pessoas sofrendo de fome no mundo, em meio a uma superprodução de alimentos. A partir do momento em que há escassez e necessidades, de um lado e abundância, do outro, os alimentos podem ser tornar instrumentos de dominação e poder econômico.

No capitalismo, a fome é, paradoxalmente, um empecilho (e não um incentivo) ao desenvolvimento da produção alimentar. As safras agrícolas, no capitalismo, vão-se destinar, prioritariamente, não a quem delas necessita do ponto de vista fisiológico, mas a quem tem condições de pagar (ABRAMOVAY, 1983, p.75).

Dentro deste contexto, levando-se em conta que a fome é caráter biológico e que suas conseqüências trazem terríveis resultados sobre o organismo humano, podemos considerar a fome como uma “doença social”, haja vista que ela atinge um grande contingente de pessoas no mundo todo.

Segundo Abramovay (1983, p.26), “Ao atingir grandes massas humanas, a fome não apenas prejudica apenas o indivíduo, mas torna doente a própria sociedade por onde se propaga”.

2. 1 A fome no Brasil

A questão da fome no Brasil é estrutural e tem suas raízesjá na ocupação colonial, em 1500, com a morte de escravos devido à falta de uma alimentação suficiente. Esta situação, segundo Valente (2002)1, “prosseguiu por todo o período da Velha República e Estado Novo”.

O Brasilé um país extremamente desigualno que tange a distribuição de renda e da terra. Segundo Mercadante (2003, p.37), “somos um dos países mais desiguais do planeta e esta desigualdade tem sido uma característica permanente da nossa estrutura econômica e social”. Ele destaca, ainda, que “não é só a dimensão do problema distributivo que chama a atenção no caso brasileiro. O que é surpreendente é a permanência deste padrão de desigualdade aolongo do tempo”.

No Brasil, o combate às causas da fome nunca foi tratado como estratégico e sim “de forma pontual, emergenciale assistencial”. A fome está diretamente relacionada à desigualdade e à má distribuição de renda. Mercadante (2003, p. 39) destaca que “[...] as grandes desigualdades estão associadas a três vetores principais”, a saber:

1) À matriz social originária, fundada na concentração da terra e do poder político e na dependência externa, que impõe sua marca aPage 85 todo processo de constituição histórica e evolução da nação brasileira;

2) ao caráter patrimonialista do Estado e à forma como são obtidos e utilizados seus recursos (o caráter regressivo do sistema tributário e a apropriação “privada” dos recursos públicos pelos grupos que controlam ou se beneficiam do poder político, por exemplo);

3) ao caráter concentrador e excludente dos modelos econômicos historicamente adotados no país, voltados para a acumulação do capital e preservação e reprodução dosinteresses dos grupos econômicos internos e externos que ocupam uma posição hegemônica de poder político.

O Estudo Nacionalda Despesa Familiar (ENDEF), no Brasil foi realizado entre os anos de 1974 e 1975, no qualse procurou medir o consumo de alimentos e a renda das famílias, por meio de um levantamento, nacionalmente representativo, das condições alimentares da população.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com a assessoria da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), visitaram 56 mil domicílios (áreas rurais, urbanas e metropolitanas), em todas as faixas de renda, desde os mais pobres até os mais ricos, em 1974/1975. Segundo aquele estudo, em 1974, o Brasil era o sexto país do mundo em população gravemente desnutrida (pessoas consumiam menos de 1.600 calorias diárias), cerca de 13% da população brasileira (num total de 13,5 milhões de pessoas). Na frente do Brasil, vinham apenas a Índia, a Indonésia, o Bangladesh, o Paquistão e as Filipinas. O caso do Brasil era tão grave que a subnutrição não se reduzia apenas a esses drásticos casos de inanição absoluta, mas na existência de uma “imensa massa de subnutridos discretos que não estavam à beira da morte por fome, mas cujo organismo deixava-se correr por uma alimentação insuficiente” (ABRAMOVAY, 1983).

Segundo Abramovay (1983, p. 30-31), “Somandose os casos graves e discretos, o ENDEF chegou aos 67% da população brasileira de subnutridos”, ou seja, dois terços da população brasileira ingeriam, naquela época, um total calórico abaixo das suas necessidades diárias mínimas. Como conclusão daquele estudo, constatou-se que um fator determinante no padrão alimentar do brasileiro é a renda: quanto mais baixa esta for, mais sérios serão os problemas alimentares. Do ponto de vista agrícola, nosso maior problema não é a incapacidade de produzir uma quantidade de alimentos suficiente à boa alimentação de todos, mas de torná-los acessíveis a quem deles mais necessita.

Podemos notar que, nas sociedades modernas, há um interposto entre o alimento e a satisfação da fome, que impede os mais necessitados de ter acesso aos alimentos, qualseja: o dinheiro. No Brasil, a fome e a subnutrição não decorrem da superpopulação, mas, sim, da concentração da renda e de terras. Embora existindo o alimento e terras altamente produtivas, tudoisso é distribuído de forma tal que só uma parcela reduzida da população pode ter acesso ao que necessita.

3 A segurança alimentar no Brasil

O termo “segurança alimentar” começou a ser utilizado na Europa,logo depois da Segunda Guerra Mundial. Após o término da Guerra, alguns países perceberam que, se conseguissem controlar seus fornecimentos e estoques de alimentos, poderiam dominar os outros.

[...] os Estados Nacionais davam-se conta de estar frente a uma poderosíssima arma, uma vez que populações inteiras não poderiam sobreviver sem alimentação e, diante desta situação, um país poderia ser submetido a outro país, por motivos políticos ou econômicos, a uma grave forma de dominação (PROJETO FOME ZERO, 2001, p.11)

Dessa forma, desenvolveu-se a percepção de que a autonomia de um país estava diretamente relacionada à sua capacidade de auto-suprimento, armazenagem e controle dos estoques de seus alimentos. Partiu-se, então, para a elaboração de políticas específicas de conservação e estocagem de alimentos.

No Brasil, a noção de segurança alimentar data de 1985, com a Política Nacional de Segurança Alimentar e proposta de criação do Conselho Nacional de...

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