Biopolitics and Philosophy in Roberto Esposito: Introductory Considerations/Biopolitica e Filosofia em Roberto Esposito: Consideracoes Introdutorias.

AutorRodrigues, Rene Chiquetti
CargoReport

Introducao

A nocao de biopolitica se tornou muito difundida e aceita na filosofia politica contemporanea desde sua proposicao inicial por Michel Foucault, entendida como sendo a maneira pela qual se procurou racionalizar os problemas colocados para pratica governamental pelos fenomenos proprios de um conjunto de viventes enquanto populacao (saude, higiene, longevidade, raca, etc.) a partir do seculo XVIII. No primeiro volume de sua obra Historia da Sexualidade, Foucault indica um tema que, em razao de sua morte, permaneceu pouco explorado no ambiente de sua pesquisa.

Este tema e exatamente o da biopolitica, do ingresso da vida na trama das relacoes e calculos explicitos do saber-poder na sociedade ocidental:

O homem ocidental aprende pouco a pouco o que e ser uma especie viva num mundo vivo, ter um corpo, condicoes de existencia, probabilidade de vida, saude individual e coletiva, forcas que se podem modificar, e um espaco em que se pode reparti-las de modo otimo. Pela primeira vez na historia, sem duvida, o biologico reflete-se no politico; o fato de viver nao e mais esse sustentaculo inacessivel que so emerge de tempos em tempos, no acaso da morte e de sua fatalidade: cai, em parte, no campo de controle do saber e de intervencao do poder. Este nao estara mais somente a voltas com sujeitos de direito sobre os quais seu ultimo acesso e a morte, porem com seres vivos, e o imperio que podera exercer sobre eles devera situar-se no nivel da propria vida; e o fato de poder encarregar-se da vida, mais do que a ameaca da morte, que lhe da acesso ao corpo. Se pudessemos chamar "bio-historia" as pressoes por meio das quais os movimentos da vida e os processos da historica interferem entre si, deveriamos falar de "bio-politica" para designar o que faz com que a vida e seus mecanismos entrem em dominio dos calculos explicitos, e faz do poder-saber um agente de transformacao da vida humana; nao e que a vida tenha sido exaustivamente integrada em tecnicas que a dominem e gerem; ela lhes escapa continuamente. Fora do mundo ocidental, a fome existe numa escala maior do que nunca; e os riscos biologicos sofridos pela especie sao talvez maiores e, em todo caso, mais graves do que antes do nascimento da microbiologia. Mas, o que se poderia chamar de "limiar de modernidade biologica" de uma sociedade se situa no momento em que a especie entra como algo em jogo em suas proprias estrategias politicas. O homem, durante milenios, permaneceu o que era para Aristoteles: um animal vivo e, alem disso, capaz de existencia politica; o homem moderno e um animal, em cuja politica, sua vida de ser vivo esta em questao (FOUCAULT, 1999, p. 134).

Num movimento que se desdobra do seculo XVII e atravessa o seculo XVIII, acaba por se consolidar na sociedade ocidental um tipo de poder que caracteriza a sociedade disciplinar. A passagem para o seculo XIX marca o aparecimento dessa nova grande tecnologia do poder que Foucault denomina como biopoder. Uma figura nao abole a outra, o que se da e uma modificacao e um novo ajustamento nas engrenagens do poder-saber (GIACOIA JUNIOR, 2010, p. 10).

A originalidade desta discussao proposta por Foucault revela que multiplas relacoes de poder constituem o corpo social, formado a partir de sua indissociabilidade com o funcionamento de um discurso de verdade. Por mais que isto seja real em qualquer sociedade, o autor aposta que a nossa relacao entre poder, direito e verdade se organiza de uma maneira muito particular na sociedade moderna. Em 1974, ao proferir uma palestra no Rio de Janeiro intitulada O nascimento da medicina social, (1) Foucault lancou mao pela primeira vez do termo bio-politica (desenvolvido em seu primeiro volume da Historia da sexualidade, publicado originalmente em 1976). Seu intuito, no momento, nao era discutir o que de fato veio a ser a "bio-politica", mas discutir como o capitalismo teria acarretado uma socializacao do corpo e nao, como poderia se pensar, uma privatizacao da medicina. Ao se ampliar o contexto da palavra bio-politica para bio-poder, surge uma interessante diferenciacao entre o bio-poder e o poder de soberania ao qual ele sucede historicamente, insistindo-se, sobretudo, na relacao distinta que e mantida entre este com a vida e a morte, pois enquanto o ultimo faz morrer e deixa viver, o bio-poder faz viver e deixa morrer.

Dai que nos parece interessante indagar acerca da atualmente da referida expressao: seria a nocao de biopolitica ainda um conceito apropriado para se interpretar a realidade politica vigente? Um dos filosofos contemporaneos que se apropriaram de modo original de tal nocao foucaultiana, ressignificando-a, e o pensador italiano Roberto Esposito. Nesse sentido, a presente investigacao almeja compreender como Esposito defende a atualidade da nocao de biopolitica para se interpretar a realidade politica vigente (em especial apos o atentado terrorista de 11 de setembro de 2001) bem como compreender sua proposta de biopolitica afirmativa.

O problema em questao pode ser apresentado por meio das seguintes questoes propostas pelo proprio filosofo italiano como sendo sua linha de investigacao: Por que uma politica da vida (biopolitica) ameaca continuamente traduzir-se em uma pratica de morte (tanatopolitica)? Este seria o unico resultado possivel para o problema ou haveria outro modo de praticar (ou ao menos de se pensar) a biopolitica? Seria possivel uma biopolitica finalmente afirmativa, produtiva, que se subtraia o retorno irreparavel da morte? Em outras palavras, seria imaginavel uma politica nao ja sobre a vida, mas sim da vida? Em caso positivo, como ela deveria ou poderia se configurar? Para alcancar o objetivo proposto por este programa investigativo, sera feita uma reconstrucao pormenorizada dos argumentos desenvolvidos por Roberto Esposito em um opusculo intitulado Biopolitica y Filosofia [2006].

O presente estudo se encontra dividido em sete topicos distintos. Primeiramente, nos dedicaremos a expor sinteticamente algumas informacoes biograficas e bibliograficas sobre Roberto Esposito, tendo em vista que o filosofo italiano ainda e pouco conhecido em territorio nacional, em especial na area do direito. Nos proximos seis topicos procuramos reconstruir de modo pormenorizado a argumentacao de Roberto Esposito no opusculo Biopolitica y Filosofia (2006a), desde o reconhecimento da insuficiencia do lexico da teoria politica moderna para se compreender adequadamente os problemas politicos contemporaneos ate sua proposta de uma biopolitica afirmativa.

  1. O pensamento vivo de Roberto Esposito

    Desde sua proposicao na decada de 70 do seculo passado por Michel Foucault (1926-1984), o tema da biopolitica tornou-se muito conhecido, ganhando varios desdobramentos desde sua formulacao inicial dada pelo pensador frances--sobretudo pelo pos-estruturalismo italiano, com nomes como Antonio Negri (1933-) e Giorgio Agamben (1942-). Como exposto em sua aula de 17 de marco de 1976, reunida no livro "Em defesa da Sociedade", por biopolitica Foucault entende "uma tomada de poder sobre o homem enquanto ser vivo, uma especie de estatizacao do biologico ou, pelo menos, uma certa inclinacao que conduz ao que se poderia chamar estatizacao do biologico". (2)

    A importancia que a nocao de biopolitca assume no desenvolvimento da filosofia politica contemporanea e destacada por Timothy Campbell, quando afirma que:

    Nenhum conceito capturou o interesse da filosofia politica no ultimo decenio como aquele da biopolitica. Filosofos provenientes de tradicoes diversas como o marxismo, o pos-estruturalismo e a psicanalise o tem utilizado para descrever o que tem surgido como radicais mutacoes na semantica da vida. Esta renovada atencao a biopolitica ocorrida desde quando parece que tal conceito pudesse colher, na fusao entre biologia e politica, uma transformacao do modo em que a propria politica e compreendida e teorizada. (CAMPBELL, 2008, p.9). (3)

    Um dos filosofos que recentemente se apropriaram de tal conceito e tem lhe dado importantes e originais contribuicoes e o italiano Roberto Esposito (1950-). De fato, como salienta Marcos Nalli, depois da publicacao de Homo Sacer: Il potere sovrano e la nuda vida [1995] de Giorgio Agamben, "Roberto Esposito tem se destacado por fornecer uma das leituras mais instigantes da biopolitica a partir da senda aberta por Michel Foucault, seja com La volonte du savoir [1976], seja com Il faut defendre la societe, curso proferido no College de France em 1976 e publicado em 1997". (NALLI, 2013, p. 80) (4)

    Ainda pouco divulgado nacionalmente e praticamente desconhecido no Brasil, sobretudo no ambito juridico, Roberto Esposito e professor de Historia da Filosofia Moral e Politica no Istituto Italiano di Scienze Umane de Florenca e Napoles e na Facolta di Scienze Politiche do Istituto Universitario Orientale de Napoles, onde tambem e diretor do departamento de filosofia e politica. E co-editor da revista Filosofia Politica (il Mulino) (5) desde sua fundacao em 1987 e um dos membros fundadores do Centro Interuniversitario di Ricerca sul Lessico Politico e Giuridico Europeo, com sede em Bolonha. (6)

    Nascido em 1950 na comuna Piano di Sorrento, laureou-se em Filosofia pela Facolta di Lettere e Filosofia dellUniversita "Federico II" de Napoles. Apos uma serie de ensaios da juventude, a primeira fase de sua producao teorica foi dedicada a literatura italiana entre os anos trinta e sessenta do seculo XX, compreendendo tres obras: Vico e Rousseau e il moderno Stato borghese, [1976]; La politica e la storia. Machiavelli e Vico [1980]; Ordine e conflitto. Machiavelli e la letteratura politica del Rinascimento [1984]. Uma segunda fase de seu pensamento, voltada para a compreensao das categorias fundamentais da filosofia politica moderna e os problemas que as envolvem, abrange as obras: Categorie dell'Impolitico [1988]; Nove pensieri sulla politica, [1993] e L'origine della politica. Hannah Arendt o Simone Weil? [1996]. Se com tais obras Esposito ja havia logrado...

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