Bancos de Dados Negativos de Consumidores: Abusos Cometidos por seus Gestores e Fornecedores

AutorJosé Geraldo Brito Filomeno
CargoAdvogado
Páginas15-44

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Ver Nota12

1. Tentativas para coibir os abusos praticados por fornecedores e bancos de dados de devedores

1.1. Ação civil pública paradigmática. Em sede de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal perante o Juízo da 20ª Vara Cível Federal em S. Paulo em face da Serasa – Centralização de Serviços dos Bancos S.A., que mantém o mais organizado e temido banco de dados do país e do Banco Central do Brasil (Processo 2001.61.00.032263-0), foi proferida decisão, em 23 de abril de 2002, à guisa de tutela antecipada, nos seguintes termos:
a) “a Ré SERASA seja obrigada a exigir dos seus clientes, antes de qualquer ação, documento formal que ateste a existência aparente da dívida ou informação positiva a ser divulgada através do CRÉDIT BUREAU SERASA, ou banco cadastral de mesma natureza, ainda que com outro nome;
b) os consumidores passem a ser informados pela SERASA, através de carta registrada de mão própria com aviso de recebimento, aguardando-se o prazo mínimo de 15 (quinze) dias, após a notificação, para que o eventual lançamento naquele cadastro seja realizado
3;

  1. seja inserido, no conteúdo da carta registrada, esclarecimento sobre a possibilidade de o consumidor entrar em contato diretamente com a SERASA de modo a comprovar a existência de erro ou inexatidão na informação;
    d) a Ré SERASA seja compelida a remeter carta registrada de mão própria com aviso de recebimento a todos os consumidores cujos nomes encontram-se de modo ilegal no banco de dados CREDIT BUREAU SERASA e CREDIT BUREAU SCORING, ou outro banco de dados da mesma natureza, dando ciência sobre a forma e o conteúdo das anotações ali existentes, bem como quanto à possibilidade de suspensão do lançamento mediante comunicação, à SERASA, da existência de erro ou inexatidão na informação;
    e) em havendo comprovação do consumidor, diretamente à SERASA, da existência de erro ou inexatidão sobre o fato informado, seja a Ré obrigada a retirar, independentemente de manifestação dos credores ou informantes, os dados cadastrais indevidos. Considerando que a SERASA tem sede em São Paulo – Capital, mas oferece os seus serviços em todo o País, impõe-se a aplicação da presente decisão em todo território nacional, não obstante a regra contida no artigo 16 da Lei 7.347/85, com as alterações ocorridas posteriormente.”

Em sua decisão, a juíza de direito federal Giselle de Amaro e França assevera que, embora caiba às chamadas instituições participantes do sistema

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de informações cadastrais responsabilidade pela veracidade das mesmas acerca dos consumidores, bem como a obrigação de obter autorização destes para que se proceda a tal envio, e, destarte, a Serasa procure eximir-se de qualquer responsabilidade, não seria crível que, como órgão responsável, em sua essência, pelo cadastro das informações financeiras dos consumidores, não tenha conhecimento sobre a veracidade das informações que abriga.

E acentua:
“Como cumprir a regra inscrita no § 1º do artigo 434 do Código de Defesa do Consumidor, que exige que os cadastros e dados devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, se as informações ali inscritas não são previamente checadas? Sim, é certo que existem regras na legislação que permitem a punição das instituições participantes que enviarem dados incorretos ao cadastro. Inclusive, o próprio contrato firmado entre as partes exime a SERASA de qualquer responsabilidade. Mas não se pode concluir, daí, que a SERASA não tem qualquer responsabilidade. A uma porque, nos termos do § 4º do artigo 43 da Lei 8.078/90, é considerada entidade de caráter público, sujeita, pois, à regra inscrita no artigo 37, § 6º da Constituição Federal5, sendo responsável, assim, pelo serviço prestado, vale dizer, se permitir a veiculação de informação falsa, pode ser acionada. A duas porque, não obstante o contrato firmado entre as partes estipule, expressamente, que compete à instituição participante obter autorização expressa, por escrito, do consumidor, para o repasse de dados à SERASA, quando as informações são enviadas, não é exigida, ao que consta, qualquer comprovação de que dita autorização foi efetivamente dada. E não basta, para tanto, que as instituições participantes forneçam à SERASA a autorização. É que, na maior parte das vezes, senão em sua totalidade, as autorizações são assinadas pelos consumidores sem que eles tenham conhecimento do seu significado6. Elas são incluídas entre as inúmeras demais cláusulas e acompanham o ´pacote´ oferecido. Vislumbro, neste ponto, violação a direito básico do consumidor, que é o direito à informação clara sobre o serviço prestado e à proibição de cláusulas abusivas impostas no fornecimento de produtos e serviços (Lei 8.078/90, artigo 6º, III e IV). Poder-se-ia alegar que algumas empresas esclarecem os consumidores do seu conteúdo, mas deve imperar, aqui, a regra inscrita no inciso VIII do artigo da Lei 8.078, sendo facilitada a defesa dos seus direitos, face à hipossuficiência. Entendo ainda que o fato de a SERASA possibilitar, gratuitamente, que as pessoas compareçam aos seus postos e solicitem baixa ou retificação de informação, não afasta as ilegalidades verificadas. É que o que se pretende, aqui, é que o consumidor tenha conhecimento prévio e claro acerca das informações positivas que serão

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enviadas à SERASA e que tenha possibilidade, por qualquer que seja o motivo, de manifestar a sua discordância, em momento diverso ao da compra. Ora. Se o consumidor, ao adquirir um produto ou serviço, insurgir-se contra o envio de dados, acerca daquela operação, à SERASA, possivelmente será visto de forma ´suspeita´, sendo até impossibilitado de efetivar a compra, pois pode haver a presunção de que há alguma coisa a temer. Importante, então, que a autorização seja confirmada pela SERASA.”

E destacamos da referida decisão, ainda, o seguinte: “Por fim, em que pese a Lei 8.078/90 não exigir, de forma expressa, a forma a ser utilizada para a comunicação, ao consumidor, da abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo, tenho que a forma sugerida pelo MPF – envio de carta registrada de mão própria com aviso de recebimento – atende aos reclamos do legislador e merece acolhida”.

1.2. Ação coletiva. Referida demanda, todavia, não encerra novidade. Com efeito, a Promotoria de Justiça do Consumidor de São Paulo, Capital, nos idos de 1996, já intentara feito semelhante ao ora noticiado (Processo 2.472/96 – 2ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Capital), cujo desfecho, em primeira instância, foi o seguinte (fls. 436/456 dos respectivos autos):

“Em harmonia com o exposto, e considerando o mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE EM PARTE a ação, para condenar a ré ao cumprimento de obrigação de fazer consistente em comunicar, por escrito, aos consumidores a abertura de cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo em nome deles, inclusive aos que já constam de seus bancos de dados, como exige o artigo 43, § 2º, da Lei 8078/90, bem ainda que se abstenha de divulgar a quaisquer interessados os registros desses consumidores até a concretização da pré-citada comunicação, por carta, fax telegrama, ou edital, ou pessoalmente, sob pena do pagamento de multa de R$ 5.000,00, para cada comunicação escrita que não for realizada ou para cada divulgação efetuada sem comunicação escrita ao consumidor, sendo ainda cumulativamente condenada ao cumprimento de obrigação de fazer consistente em excluir dos seus bancos de dados ou cadastros de quaisquer espécies os nomes de consumidores cujos endereços sejam desconhecidos, e a obrigação de não fazer consistente em se abster de inserir desses mesmos cadastros e registros os nomes de consumidores cujos endereços ela não retém, também sob pena de pagamento de multa de R$
5.000,00, para cada nome que deixar de ser excluído ou for incluído nos arquivos de consumo da ré em descumprimento às obrigações a que se refere o presente

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pedido, tudo no prazo de 30 dias, que reputo adequado para a implementação de técnicas administrativas que possibilitem o cumprimento desse comando. As eventuais multas a serem arrecadadas em caso de descumprimento dessa ordem reverterão para fundo de reparação de interesses difusos lesados, abrindose conta bancária para tanto, oportunamente. A ré arcará ainda com as custas e despesas pelo processo. O cumprimento desta decisão será fiscalizada por Oficiais de Justiça e auxiliares técnicos a serem indicados e nomeados por este Juízo, na fase de execução de sentença. P.R.I., São Paulo, 3 de março de 1997 – Ass. FERNANDO SEBASTIÃO GOMES – Juiz de Direito” (Doc. nº 4).

1.3. Termo de compromisso de ajustamento de conduta. Ainda no âmbito do Ministério Público do Estado de São Paulo, em 10 de abril de 1997, a Promotoria de Justiça do Consumidor da Capital firmou termo de compromisso de ajustamento com a Associação Comercial de São Paulo, mediante o qual essa entidade, em última análise, obrigou-se a comunicar a existência de apontamentos de inadimplência aos interessados, apenas não se tendo exigido que referida comunicação se faça mediante carta com aviso de recebimento, mas simplesmente mediante carta, a saber:

(Ficha R nº 147/97 – CENACON) 7 Procedimento nº 148/96 – PJC da Capital

TERMO DE COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO Nº 009/97

Aos 10 de abril de 1997, às 15:00 horas, na sede da Promotoria de Justiça do Consumidor, onde se achava a representante do Ministério Público Drª. Parisina Lopes Zeigler, compareceu ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DE SÃO PAULO, sociedade civil com sede nesta Capital, na...

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