A audiência pública como instrumento de legitimação da jusrisdição constitucional: uma análise a partir da teoria do discurso de Jürgen Habermas

AutorDaiane Nogueira de Lira
CargoAdvogada da União e assessora de Ministro do STF. Mestranda em Direito e Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília ? UniCEUB (DF)
Páginas37-53
A AUDIÊNCIA PÚBLICA COMO INSTRUMENTO DE LEGITIMAÇÃO DA JUSRISDIÇÃO
CONSTITUCIONAL: UMA ANÁLISE A PARTIR DA TEORIA DO DISCURSO DE JÜRGEN
HABERMAS
A PUBLIC HEARING AS A TOOL FOR THE LEGITIMATION JUSRISDIÇÃO CONSTITUTIONAL: AN
ANALYSIS FROM THE THEORY OF SPEECH BY JÜRGEN HABERMAS
Daiane Nogueira de Lira1
Sumário: Introdução; 1 O caráter procedimental do direito no paradigma do estado
democrático de direito: a teoria do discurso de Jürgen Habermas; 2 A teoria do discurso no processo de
aplicação do direito: necessidade de racionalidade das decisões jurisdicionais; 3 A legitimidade da
jurisdição constitucional segundo Habermas; 4 A audiência pública como instrumento de legitimação
democrática da jurisdição constitucional brasileira; Conclusão; Referências.
Resumo: O presente artigo tem por objetivo analisar a realização de audiência pública pelo
Supremo Tribunal Federal, como instrumento de legitimação das decisões da Corte em sede de controle
de constitucionalidade, a partir a teoria do discurso de Jürgen Habermas. Nesse sentido, procura-se num
primeiro momento expor a teoria proposta por Habermas, em relação ao processo de elaboração e de
aplicação do direito e como esse autor enfrenta os desafios atinentes à legitimação da jurisdição
constitucional, para então passar -se à análise da realização d e audiências públicas como um instrumento
de democratização da jurisdição constitucional no direito brasileiro, compatível com a noção
procedimentalista habermasiana.
Palavras-chave: jürgen habermas; jurisdição c onstitucional; legitimidade; audiência pública;
supremo tribunal federal.
Abstract: This article aims to analyze the public hearing by the Supreme Court as an
instrument of legitimizing the decisions of the Court in place of judicial review, from the discourse theory
of Jürgen Habermas. Thus, it seeks to initially expose the theory proposed by Habermas, in relation to the
drafting and implementation of the right and as the author faces the challenges relating to the legitimacy
of constitutional jurisdiction, and then pass to the analysis of success public hearings as an instrument of
democratization of constitutional jurisdiction in Brazilian law, consistent with the notion proceduralist
Habermas.
Keywords: jürgen habermas; constitutional jurisdiction; legitimacy; public hearing; supreme
court.
Introdução
Ao declarar que a República Federativa do Brasil se constitui num Estado De mocrático de
Direito, a Carta Magna de 1988 instituiu uma sociedade estatal democrática, que e xige a presença de
mecanismos de participação na tomada de decisões e no seu controle. Sendo assim, não é possível
conceber o fenômeno democrático e a importância do papel da jurisdição constitucional sem reconhecer a
necessidade de criação e de estruturação de instrumentos que, efetivamente, ofereçam à sociedade esses
meios para participar dos processos de interpretação e aplicação da Constituição.
Numa sociedade pluralista e complexa como a brasileira, que adota o siste ma misto de controle
de constitucionalidade, faz-se necessário que a atuação da Suprema Corte seja racionalmente
fundamentada e pautada pela ampla participação social.
É exatamente nessa perspectiva que se enquadra a rea lização de audiência pública pelo Supre mo
Tribunal Federal, enquanto mecanismo processual apto a viabilizar, institucionalmente, o diálogo com os
diversos setores da sociedade, conferindo racionalidade e legitimidade às decisões tomadas no âmbito da
jurisdição constitucional.
Em sendo assim, o presente artigo tem por objetivo analisar a realização de a udiência pública
pelo Supremo Tribunal Federal no direito brasileiro, como instrumento de legitimação das decisões da
Corte em sede de controle de constitucionalidade, a partir a teoria do discurso de Jürgen Habermas.
Assim, num primeiro momento, discute -se a teoria proposta por Habermas, em relação ao
processo de elaboração e de aplicaç ão do direito e como esse autor enfrenta os desafios atinentes acerca
1Advogada da União e assessora de Ministro do STF. M estranda em Direito e Políticas Públicas pelo Centro Universitário de
Brasília UniCEUB (DF). E-mail: daiane.lira@ig.com.br.
da legitimação da jurisdição constitucional, para então passar-se à análise da realização de audiências
públicas pelo Supremo Tribunal Federal como um instrumento d e democratização da j urisdição
constitucional no direito brasileiro, compatível com a noção procedimentalista habermasiana.
1 O caráter procedimental do direito no paradigma do estado democrático de direito: a teoria do
discurso de Jürgen Habermas
A questão central de Jürge n Habermas, em sua obra “Direito e Democracia: entre facticidade e
validade”, é a necessidade de rec onstrução das bases legitimadoras do Direito moderno, em razão da
superação da justificação metafísica do Estado que deve ser substituída por critérios de vali dade racionais.
Para tanto, introduz um paradig ma procedimentalista do direito a partir de uma teoria apoiada no
princípio do d iscurso. Na visão habermasiana, o E stado Democrático de Direito possui uma justificação
procedimental que torna compreensível a legitimidade do direito a partir de processos e pressupostos
comunicativos que devem ser institucionalizados juridicamente , permitindo que os processos de
criação e de aplicação do direito levem a resultados racionais2.
O direito moderno deve tirar sua legitimação da ideia de autodeterminação democrática, sendo
necessário que os indivíduos possam conceber-se como coautores do direito ao qual estão submetidos
enquanto destinatários. Isso será possível por meio de pr ocessos co municativos que permitem que cada
indivíduo seja responsável pelas leis, a partir de um processo de convencimento baseado em discursos
que buscam o consenso e que toda argumentação reivindica validade.
Para tanto, Habermas lança mão da teoria do agir co municativo que atrib ui, à linguagem
orientada ao entendimento, a importante função de coordenação da ação3, por meio da influenciação
recíproca dos atores que agem uns sobre os outros de modo funcional. Nesse passo, resume o agir
comunicativo da seguinte forma:
Tão logo, porém, as forças ilocucionárias das ações de fala assumem um papel coordenador na
ação, a própria linguagem passa a ser explorada como fonte primária da integração social. É nisso que
consiste o “agir comunicativo”. Neste caso os atores, na qualidade de falantes e ouvintes, tentam negociar
interpretações comuns da situação e harmonizar entre si os seus respectivos planos através de processos
de entendimento, portanto pelo caminho de uma busca incondicionada de fins ilocucionários.4
Habermas elabora, então , o princípio do discurso a partir da seguinte afirmação: “São válidas as
normas de ação às quais todos os p ossíveis atingido s po deriam dar o seu assentimento, na qualidade de
participantes de discursos ra cionais5. Ademais, quando institucio nalizado sob a forma jurídica, o
princípio do discurso assume as feições de princípio da democracia. Habermas explica que o princípio do
discurso
deve assumir pela via da institucionalização jurídica a figura de um princípio da
democracia, o qual passa a c onferir força legitimadora ao processo de normatização. A ideia básica é a
seguinte: o princípio da democracia resulta da interligação que existe entre o p rincípio do discurso e a
forma jurídica. Eu vejo esse entrelaçamento como uma gênese lógica de direitos, a qual pode ser
reconstruída passo a passo. Ela começa com a aplicação do princípio do discurso ao direito a liberdades
subjetivas de ação em geral constitutivo para a forma jurídica enquanto tal e termina quando acontece
a institucionalização jurídica de condições para um exercício discursivo da autonomia política, a qual
pode equipar retroativamente a autonomia privada, inicialmente abstrata, com a forma jurídica. Por isso, o
princípio da democracia só pode aparecer como núcleo de um sistema de direitos. A g ênese lógica desses
direitos forma um processo circular, no qual o código do direito e o mecanismo para a produção de direito
legítimo, portanto o princípio da democracia, se constituem de modo co-originár io.6
2 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. 2.ed. Trad. por Flávio Beno Siebeneichler. Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. v.2, p. 153.
3 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. 2.ed. Trad. por Flávio Beno Siebeneichler. Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. v.1, p. 25.
4 HABERMAS, op. cit., v. I, p. 36.
5 Ibidem, p. 142, grifos originais.
6 Idem, p. 158.

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