Atuação do ministério público do trabalho em face de sindicatos sem representatividade

AutorBruna Bonfante
CargoProcuradora do Trabalho. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho e em Administração Global de Empresas
Páginas300-324

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Introdução

É de todos conhecida a importância da adequada representatividade sindical dos trabalhadores. A História demonstra que, não organizados em um sujeito coletivo que lhes empreste poder de barganha equivalente ao das empresas, os trabalhadores, individualmente, dificilmente obtêm condições contratuais de trabalho igualitárias e justas, já que não conseguem fazer frente ao poder econômico das empresas.

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A larga oferta de mão de obra induz à cultura de tratar o trabalho como mercadoria — sujeitando-o às condições de oferta e demanda do mercado e reforçando a sua precarização —, e torna ainda mais evidente a necessidade de que haja um sujeito coletivo de direitos capaz de refrear esta cultura, conferindo ao trabalho a dignidade e valor devidos, juntamente com o Estado legislador.

Nesse contexto, objetiva-se demonstrar a forma como pode atuar o Ministério Público do Trabalho em face dos chamados sindicatos "de gaveta" ou sem representatividade adequada, a fim de tornar efetiva a representação de categorias trabalhadoras que ficam com seus direitos a descoberto quando não são devidamente abrangidas por sindicato forte.

Para tanto, utilizou-se de método dedutivo e de pesquisa primordialmente bibliográfica, separando-se o trabalho em três partes: em um primeiro momento, discorre-se sobre o "dever-ser" de um sindicato, isto é, a forma como ele idealmente deve representar uma categoria profissional, de acordo com a lei, com as normas internacionais e com dados sociológicos colhidos ao longo da evolução sindical, a fim de que este ideal sirva de norte à atuação ministerial indicada na sequência, como aquilo que se almeja atingir.

Em seguida, aborda-se a realidade dos chamados sindicatos "de gaveta" ou sem representatividade, com a exposição de fatores que os caracterizam como tais, bem como dos malefícios que daí decorrem.

Em um terceiro momento, enfim, trata-se da atuação do Ministério Público do Trabalho em face de referidos sindicatos, indicando-se as possibilidades e fundamentos para ação, bem assim os limites da intervenção estatal.

O tema reveste-se de grande atualidade, na medida em que a cultura flexibilizante dos direitos trabalhistas, cada vez mais incisiva, perpassa, primordialmente, por negociações coletivas que, se forem apenas de fachada, invariavelmente redundarão em inconstitucional redução de direitos e em retrocesso civilizatório inoportuno. No mais, a expressiva multiplicação de novos sindicatos, sem a correspondente elevação do nível de vida e trabalho das categorias respectivamente representadas, alerta para fator preocupante merecedor da devida atenção estatal.

É, portanto, curial que se dotem os sindicatos de representatividade e força suficientes para que possam, autonomamente, fazer frente à referida cultura de flexibilização e proporcionar a efetiva tutela e elevação dos direitos declarados por um Estado que se pretende social, combatendo aqueloutros que visam tão somente a oportunista fruição de recursos oriundos da contribuição sindical.

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Esta monografia pretende, ao derradeiro, de forma sucinta e não exaustiva, aclarar, o modo como o Ministério Público do Trabalho pode atuar para colaborar de modo otimizado com a obtenção desses objetivos.

1. O sindicalismo contemporâneo e suas raízes históricas

Inicialmente, importa esclarecer que o presente trabalho irá tratar somente de sindicatos profissionais, não sendo seu objeto a análise de sindicatos das categorias econômicas. Além disso, importa esclarecer que, no curso do presente estudo, adota-se a terminologia "sindicato" em seu sentido lato, isto é, abrangendo entidades sindicais de toda ordem, inclusive superiores, como as federações e confederações.

Por fim, alerta-se para o fato de que o chamado sindicalismo revolucionário — assim entendido aquele que tem por característica a crítica do regime econômico vigente, incorporando no seu ideário político teorias marxistas — não será objeto do trabalho. Tratar-se-á somente do sindicalismo reformista, que preconiza a discussão e negociação coletivas como meios de reivindicação social, de instrumento de luta (GOMES, 1994, p. 549), pois, sem descurar dos inevitáveis influxos políticos que se afirmam no associativismo, considera-se que esta vertente possui objetivo e mote mais adequados à atualidade, servindo aquele como referencial histórico.

Feitos estes esclarecimentos iniciais, cabe situar historicamente o sindicalismo e o Direito Coletivo do Trabalho e percorrer, muito brevemente, a sua evolução, para então expor o que se espera de um sistema sindical eficiente.

Como é sabido, o Direito Coletivo do Trabalho surge a partir de reivindicações coletivas das massas trabalhadoras — como reação ao desgaste que a ordem jurídica liberal, inaugurada com a Revolução Francesa e com ápice na Revolução Industrial, apresentava ao fim do século XIX e início do século XX.

Referida ordem liberal, sabe-se ainda, surgiu no século XVIII com as revoluções burguesas, em oposição ao Estado Absolutista que então vigia. Ela visava primordialmente à garantia da liberdade individual, a qual deveria ser assegurada pelo Estado (mínimo), e pressupunha que todos são livres e iguais em direitos, sendo a vontade elemento essencial da política e da economia.

No âmbito jurídico, estes valores foram traduzidos pelo princípio da autonomia da vontade, máxima expressão do individualismo e do

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voluntarismo clássicos, o qual significa que os indivíduos são livres para, conforme lhes determine suas vontades, contratar, deixar de contratar e, ainda, e principalmente, definir o conteúdo do contrato e os limites das obrigações que querem assumir.

Nesse contexto, a liberdade trabalhista era assegurada apenas individualmente, como corolário dos valores liberais, sendo proibidas as associações de classe desde a extinção das corporações de ofício pela Revolução Francesa (Lei Le Chapellier e Código Napoleônico).

O ideal liberal levado às suas últimas consequências, associado a fenômenos como a urbanização e a massificação social, redundou na exploração de milhares de pessoas, que ficaram — em razão da "liberdade" que possuíam de trabalhar ou não para obterem o seu sustento — expostas a condições subumanas de trabalho.

A constatação dessas circunstâncias resultou na reação massiva da sociedade à ordem jurídica estabelecida, que já não se amoldava mais à realidade existente. As massas trabalhadoras sem as quais o progresso não era possível, começaram a perceber ao longo do tempo, que não lhes fora reservado um lugar humano na estrutura social individualista. O sofrimento, amplificado pelas crises econômicas, levou-as a se unirem, a se organizarem. Assim, a vida comum das oficinas, o trabalho em manufaturas, depois em maquinofaturas, despertaram entre os operários a consciência de sua comunidade de interesses (GOMES, 1994, p. 523).

De fato, "a união dos trabalhadores se situa no início do fenômeno trabalhista e constitui a resposta natural à injustiça e à exploração dos empresários" (PLÁ RODRIGUEZ, 1993, p. 25). É que a defesa dos interesses trabalhistas somente foi levada a efeito em virtude da atuação massiva dos trabalhadores que, individualmente, de pouco seriam capazes. Unidos sob a forma de associações de trabalhadores, ou sindicatos, conduziram a sociedade a uma mudança de paradigma que redundou na superação do Estado Liberal e na ascensão do chamado Estado Social, com a consequente decadência do voluntarismo clássico no Direito Privado e relativização dos seus conceitos.

No nascente Estado Social, reconhece-se a desigualdade material existente entre os indivíduos e estrutura-se um direito das desigualdades, que procede a discriminações (positivas ou negativas) de certos grupos a fim de atingir um equilíbrio concreto (CÂMARA, 2004, p. 114). É dizer, adota-se a ideia de igualdade substancial como o eixo central do Estado, no lugar antes reservado à liberdade.

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O Estado, como reflexo dessa transformação, passou a adotar uma postura crescentemente legislativa e interventora (MARQUES, 1999, p. 88) e, não por acaso, em razão da pioneira mobilização da classe trabalhadora, foram os direitos trabalhistas os primeiros a serem reconhecidos pela nova ordem jurídica social: o Direito Individual do Trabalho, assegurando direitos de proteção ao trabalhador; o Direito Coletivo do Trabalho, prevendo regras para a atuação sindical, tendente a obter melhores condições de trabalho à categoria trabalhadora (GOMES, 1994, p. 519).

O professor Fernando Noronha, ao dissertar sobre a transição de valores liberais para sociais, aduz que:

O Direito do Trabalho firmou-se contra estes princípios (do liberalismo), respondendo à necessidade de dar tutela à classe social dos trabalhadores assalariados que, se não era nova, estava em expansão, multiplicada sobretudo com o processo de industrialização, desde o início da fase histórico-econômica dita do capitalismo industrial. Tanto lá fora como entre nós, este ramo jurídico autonomizou-se quando as massas trabalhadoras se organizaram, para tentarem libertarem-se, se não totalmente pelo menos em parte, das chamadas "leis econômicas do mercado" — e também das leis jurídicas que assimilavam o contrato de trabalho a uma locação e a disciplinavam a par da locação de coisas. (NORONHA, p. 43.)

E Américo Plá Rodriguez, ainda sobre essa transição, sobre o Direito Individual do Trabalho, afirma que:

Enquanto no direito comum uma constante preocupação parece assegurar a igualdade jurídica entre os contratantes, no Direito do Trabalho a preocupação central parece ser a de proteger uma das partes com o objetivo de, mediante essa proteção, alcançar-se uma igualdade substancial e verdadeira entre as partes...

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