A atuação do ministério público do trabalho em matéria sindical e de relações coletivas de trabalho

AutorRicardo José Macedo de Britto Pereira
CargoProcurador Regional do Trabalho. Coordenador da Coordenadoria Nacional de Promoção da Liberdade Sindical. Doutor em Direito
Páginas466-480

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1. A criação da coordenadoria nacional

O Procurador Geral do Trabalho, mediante Portaria n. 211, de
28.5.2009, criou a Coordenadoria Nacional de Promoção da Liberdade Sindical (CONALIS).

A opção por uma coordenadoria nacional para tratar do assunto decorreu de consulta realizada junto ao Colégio de Procuradores do Trabalho, por ocasião do planejamento estratégico que se desenvolve no âmbito do Ministério Público do Trabalho. Uma das ações estratégicas é justamente garantir a liberdade sindical e buscar a pacificação dos conflitos coletivos de trabalho (item 6.8).

Com a criação da CONALIS, completa-se o ciclo institucional de atuação coordenada e articulada, por meio de ações planejadas, em todos os temas correspondentes aos direitos fundamentais dos trabalhadores. Abre-se um canal nacional de discussão e deliberação com o objetivo de uniformizar a atividade ministerial nas questões de Direito Coletivo do Trabalho, em prol da segurança jurídica, evidentemente respeitado o princípio da independência funcional. A ação coordenada e previsível interessa aos membros da instituição, aos

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trabalhadores e aos próprios sindicatos que, cientes da posição do MPT, buscarão regularizar diversas práticas.

A atuação do MPT em questões sindicais e de relações coletivas de trabalho provoca inúmeras dúvidas e acirrados debates. São diversos os desafios nessa complexa temática e a nova coordenadoria contribui para consolidar o perfil da instituição na promoção dos direitos fundamentais dos trabalhadores no cenário nacional e internacional.

Muitas das dificuldades para o estabelecimento de pontos comuns neste âmbito resultaram da fragmentação da competência pela qual controvérsias relevantes sobre Direito Coletivo do Trabalho eram julgadas pela Justiça Comum, antes da Emenda Constitucional n. 45, de 8 de dezembro de 2004. As manifestações por parte dos membros do Judiciário trabalhista e do MPT eram incidentais e, sobretudo, parciais. A resolução global e com caráter definitivo de conflitos envolvendo sindicatos escapava da competência especializada1.

A ampliação da competência da Justiça do Trabalho, após a EC
n. 45/04, provocou verdadeira enxurrada de casos sobre disputa sindical no âmbito trabalhista, com as mais variadas nuances, exigindo novas reflexões e discussões. Passou a ser necessário assumir posições e formar convicções num contexto de tensão entre liberdade e unicidade sindical, bem como entre continuidade e ruptura do esquema autoritário dentro do qual se desenvolveu o sindicalismo brasileiro em detrimento do modelo livre e democrático consagrado em instrumentos internacionais.

É de fundamental importância determinar os limites da atividade ministerial em face da autonomia sindical prevista no texto constitucional, que resguarda os sindicatos contra a intervenção indevida do Estado. Definir não só em que casos atuar, mas também quando e de que maneira.

A matéria é polêmica e seu enfrentamento envolve o risco da discórdia. Tal receio, contudo, não pode dar margem a situações de

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paralisia institucional ou de ações desconexas. As demandas por atuação em assunto que envolve interesse de segmento importante da sociedade começam a ser numerosas e a formulação das possíveis respostas deve resultar da ampla participação dos membros da instituição.

O presente texto aborda tópicos relacionados à atuação do MPT em relação a alguns aspectos da organização sindical, com o intuito de provocar reflexões que serão tratadas nas reuniões da CONALIS.

As ideias expostas refletem posição exclusivamente pessoal, uma vez que ainda não foram submetidas à deliberação dos integrantes da Coordenadoria.

2. A organização sindical na constituição de 1988 Contradições

A Constituição de 1988 deu início a um processo de reforma do sistema de organização sindical brasileiro, concebido na década de trinta do século passado e incorporado à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que é preservado, em alguns aspectos, até os dias de hoje. Esse processo de reforma não está inteiramente concluído e, por tal razão, acaba freando o rompimento definitivo com o modelo interventivo, ao conferir abertura para a incidência de disposições legais, várias das quais incompatíveis com os valores consagrados no texto constitucional.

A organização sindical brasileira, de acordo com os dispositivos constitucionais que a disciplinam, encontra suporte em dois pilares: autonomia e unicidade. Curiosamente, a autonomia só foi expressamente prevista no texto da Constituição de 1934 e a unicidade apenas no de 1937.

A parte da reforma concluída, pelo menos no aspecto textual, se refere à autonomia sindical. É inegável a produção de efeitos imediatos da norma constitucional (art. 8º, I) que assegura a autonomia sindical em relação aos atos do Poder Executivo, especialmente do Ministério do Trabalho e Emprego, revogando diversos dispositivos da CLT. Hoje, admite-se apenas o registro no órgão competente, como modalidade de ato administrativo vinculado, na linha de entendimento do Supremo

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Tribunal Federal (MI 144, DJ 28.5.1993), até que a lei venha dispor a respeito (Sumula n. 677). No entanto, há dúvidas em relação à intervenção do MPT e da Justiça do Trabalho, e até mesmo do legislador, ponto que será retomado adiante.

A parte inconclusa da reforma diz respeito à unicidade sindical e a contribuição prevista em lei (art. 8º, II e IV, CF). A unicidade e a contribuição obrigatória são incompatíveis com um modelo definitivo de organização sindical. São disposições de transição, que não deveriam figurar no corpo da Constituição. Mais apropriado se estivessem previstas em disposições constitucionais transitórias ou houvessem sido encomendadas ao legislador. Embora presentes no texto constitucional, cria-se uma expectativa no sentido de que se prossiga a reforma iniciada em 1988 em direção à consagração da liberdade plena.

O processo de reforma da estrutura sindical possui uma dimensão macro ou política, que consiste na alteração formal da Constituição e das leis, como eliminar a unicidade e ratificar a Convenção n. 87 da Organização Internacional do Trabalho, que pode ou não ocorrer em razão das divergências de caráter político-ideológico em torno do tema. E uma dimensão micro ou jurídica, que se realiza nos atos praticados pelos atores encarregados de aplicar e interpretar os dispositivos da ordem jurídico-trabalhista, em consonância com a máxima efetividade dos princípios constitucionais em seu conjunto.

3. Bases para a missão do MPT em questões sindicais e de relações coletivas

A Constituição de 1988 inegavelmente impõe uma ruptura com práticas autoritárias e totalitárias, cuja base é a proteção da dignidade da pessoa humana por meio de direitos fundamentais e da abertura de espaços para a pluralidade de valores. A relatividade desses direitos é exigência, e não sinal de fraqueza, pois devem compartilhar o mesmo ambiente com outros direitos, bens e valores também fundamentais. Seu conteúdo não é dado de uma vez por todas, como pauta definitiva. É uma referência inicial, ou possibilidade jurídica, cuja densidade é determinada com a participação de diversos atores2. Essa pluralidade

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de sentidos e de possibilidades determina um permanente processo de construção e reconstrução dos direitos fundamentais.

São modalidades de princípios que, na concepção mais atual, constituem categorias normativas, no sentido de que não apenas justificam comportamentos, mas também são dotados de obrigatoriedade no sentido forte. Os princípios são abertos e inclusivos, pois conciliam tendências variadas. Sua aplicação se verifica em concorrência com outros princípios que podem interferir na solução de casos concretos, operando uma transferência de conteúdo decisório ao intérprete.

Os princípios aproximam direito e realidade, na medida em que o conteúdo da norma depende das circunstâncias de cada caso. Não significa, porém, um necessário retorno à estaca zero do processo...

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