Classificação dos atos administrativos inválidos no direito administrativo brasileiro

AutorProf. Vladimir da Rocha França
CargoMestre em Direito Público pela Faculdade de Direito do Recife (UFPE)
Páginas1-20

Mestre em Direito Público pela Faculdade de Direito do Recife (UFPE) Doutorando em Direito do Estado pela PUC/SP Professor de Direito Administrativo da Universidade Potiguar e da Faculdade Natalense para o Desenvolvimento do Rio Grande do Norte Advogado em Natal/RN.

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I Introdução

Um capítulo crucial para a dogmática jurídica do Direito Administrativo reside no fenômeno das invalidades dos atos administrativos. Relevância que se assenta no próprio arcabouço normativo do controle dos atos da administração pública e, naturalmente, na própria garantia da cidadania no exercício da função administrativa.

Função administrativa é aqui entendida como a atividade do Estado que tem por escopo a satisfação do interesse público constitucional ou legalmente fixado, mediante a expedição de normas jurídicas complementares às normas legais e sujeitas a controle jurisdicional, numa posição privilegiada e superior diante dos particulares.

Não há posição pacífica quanto à classificação dos atos administrativos fulminados por ilegalidade. Ávidos, procuram os administrativistas, dentre os dispersos enunciados do regime jurídico-administrativo, critérios para agrupálos e rotulá-los.

O trabalho que lhe apresentamos tem por fim oferecer uma classificação desses atos administrativos. Também é um modo de fazer um reajuste e uma revisão das idéias que andamos compartilhando com a comunidade jurídica. Trata-se de uma reflexão que gostaríamos de compartilhar com o leitor.

II Requisitos dos atos administrativos
II I. Pertinência, validade e eficácia dos atos administrativos

Postos no sistema do Direito Positivo mediante declarações unilaterais imputadas ao Estado, os atos administrativos são normas concretas que têm por escopo a realização do interesse público no caso específico. Encontram-se subordinados às leis - por força do princípio da legalidade - e sujeitos ao controle do Poder Judiciário - injunção do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional.

Como todas as normas jurídicas (numa acepção estrita), possuem uma estrutura hipotético-condicional. No antecedente do ato administrativo, há um enunciado, mesmo que elíptico, que declara a ocorrência de um evento previamente tipificado pela lei ou demarcado pela autoridade administrativa (nos casos de discricionariedade); e, em seu conseqüente, a prescrição de uma relação jurídico-administrativa, na qual há a qualificação de uma conduta (prestação) como obrigatória, proibida ou permitida em relação ao Estado no exercício da função administrativa. Os atos administrativos podem ser individuais ou gerais, consoante a identificação ou não dos destinatários da prescrição, em termos numéricos.

Num sentido estrito, somente os comandos administrativos que possuem a estrutura hipotético-condicional acima descrita podem ser denominados atos administrativos.

O evento jurídico é a ocorrência da realidade social ou natural que foi previamente tipificado por uma norma jurídica ou qualificado como relevante pela autoridade estatal (no exercício de competência discricionária) ou pelo particular (na atuação da potestade da autonomia da vontade); já o fato jurídico, em se tratando do antecedente normativo do ato, o enunciado produzido pelo agente que torna esse acontecimento conhecido pelo Direito Positivo. Aderimos recentemente a essa distinção.

A relação jurídica administrativa constitui um fato jurídico relacional ou fato-conduta. É um efeito imputado ao fato jurídico predicativo ou fato-evento. O fato-evento administrativo (fato jurídico administrativo) e o fato-conduta administrativo (relação jurídica administrativa) põem-se no sistema do Direito Positivo no fluxo de causalidade jurídica constituído pela autoridade administrativa, em vista da norma abstrata e geral que aplicou no caso específico com a expedição do ato. A lei não incide sozinha no evento jurídico administrativo: é a autoridade administrativa que a faz incidir no evento, declarando-o no fato jurídico, e acarretando a inevitável imputação de uma relação jurídica administrativa..

Isso constitui o conteúdo do ato administrativo, que por força do princípio da legalidade administrativa, não deve ter apenas uma relação de não-contradição (como nos negócios jurídicos), mas também um vínculo de subsunção em relação à lei.

Também integra o ato administrativo o instrumento que o introduziu no sistema do Direito Positivo. Cuida o veículo introdutor do ato administrativo de Page 3 registrar os elementos pessoal, espacial e temporal da declaração jurídica que lhe deu origem material, bem como, indícios do procedimento empregado pelo emissor para a expedição do comando. É o instrumento introdutor que posiciona a norma jurídica dentro da hierarquia do ordenamento jurídico.

Representa o instrumento introdutor a forma do ato administrativo, o seu revestimento exterior, que junto ao conteúdo, pertence ao conjunto dos elementos dos atos administrativos. Empregamos "elementos" para designálos porque a norma jurídica e o seu veículo introdutor, constituem uma unidade que somente pode ser separada para a sua análise teórica. Não há norma sem instrumento introdutor e, este careceria de qualquer utilidade se comando algum veiculasse.

Recorde-se que "forma" é, não raras vezes, também empregada para designar o procedimento que deve ser empregado (ou que foi empregado) para a expedição do ato.

Outra observação necessária: é possível que dois ou mais atos administrativos compartilhem o mesmo instrumento introdutor. O ato administrativo, como norma jurídica em sentido estrito, é encontrado pela conjugação dos enunciados veiculados pelo seu instrumento introdutor. Temos como exemplo, o auto de infração em matéria tributária, que constitui o veículo introdutor dos seguintes atos administrativos: i) o ato administrativo de lançamento tributário, que constitui a obrigação tributária pela declaração do evento imponível em fato jurídico tributário; ii) o ato administrativo de imposição da multa pelo fato jurídico do inadimplemento do tributo; iii) o ato administrativo de imposição da multa pelo fato jurídico da mora; iv) e do ato administrativo de imposição de multa pelo descumprimento de dever instrumental tributário ("obrigação acessória").

O ato administrativo tem a característica da pertinência (ou existência), em relação ao Direito Positivo, quando a declaração unilateral é reconhecida como fonte material pelo ordenamento jurídico, mediante o instrumento introdutor que a formaliza. Aqui, não há qualquer consideração se o ingresso do comando jurídico no ordenamento jurídico ocorreu de modo conciliado ou não com os demais comandos jurídicos. É preciso o esgotamento do processo de formação do ato; que o mesmo tenha sido emitido por um agente que detinha poder genérico de introduzir um comando de tal natureza; e, assim como, que haja uma norma jurídica de estrutura que confira ao veículo introdutor a condição de fonte formal do Direito Positivo.

Como bem leciona Paulo de Barros Carvalho:

"(...) o estudo das chamadas fontes materiais do direito circunscreve-se ao exame do processo de enunciação dos fatos jurídicos, de tal modo que neste sentido, a teoria dos fatos jurídicos e a teoria das fontes dogmáticas do direito. Paralelamente, as indagações relativas ao tema das fontes formais correspondem à teoria das normas jurídicas, mais precisamente daquelas que existem no ordenamento para o fim primordial de servir de veículo introdutório de outras regras jurídicas" (grifo no original).

Outro aspecto fundamental: a recognoscibilidade social do ato administrativo. O comando pode até ter o seu conteúdo negado pelo administrado, mas jamais, sob a ótica da pertinência, admite-se que este Page 4 ignore aquele como norma jurídica. Colocamos no lastro dessa assertiva, esse ensinamento de Tércio Sampaio Ferraz Júnior:

"(...) a relação de autoridade admite uma rejeição, mas não suporta uma desconfirmação. A autoridade rejeitada ainda é autoridade, sente-se como autoridade, pois a reação de rejeição para negar, antes reconhece (só se nega o que antes se reconheceu). Mas a desconfirmação elimina a autoridade: uma autoridade ignorada não é mais autoridade).

A enunciação consiste na fonte material do direito, quando o seu produto, o enunciado, institucionaliza-a perante o Direito Positivo; faz isso através do instrumento introdutor, a fonte formal do Direito Positivo, que registra os aspectos pessoal, espacial, temporal daquela declaração. É interessante anotar ainda, que não raras vezes se utiliza a expressão "ato administrativo" - tal como "ato jurídico" - para designar justamente a enunciação jurídica, dada a ambigüidade do termo. Vê-se claramente que optamos por reservar "ato administrativo", bem como "ato jurídico", para designar o enunciado, a norma jurídica, observando os passos de boa doutrina.

Como já tivemos oportunidade para dizer, essa estrutura do Direito Positivo afasta do conceito de ato administrativo as ordens orais ou emitidas por meio de gestos, assim como aquelas estritamente oriundas de máquinas programáveis. São, na verdade, eventos jurídicos que demandam o seu registro formal para que possam ser referidos em fatos jurídicos. Sem a memória formalizada, inexiste o evento para o Direito Positivo.

Os atos administrativos delimitam o campo de atuação...

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