A Ultra-Atividade das Normas Coletivas. Atualização de uma Nova Velha Questão

AutorRoberto Pessoa
Ocupação do AutorDesembargador aposentado. Advogado
Páginas91-99

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Com muita honra aceitei o gentil convite que me formulou a direção do Instituto de Educação Superior de Brasília-Curso de Direito, IESB, na pessoa do ilustre Ministro Luciano Castilho, para participar da obra coletiva Relações de trabalho no brasil-aspectos materiais e processuais, em justa homenagem ao Professor e Ministro Arnaldo Lopes Süssekind, a ser editada sob os auspícios dessa conceituada instituição de ensino.

Louvável a iniciativa de perenizar essa home-nagem a quem tanto contribuiu para o Direito do Trabalho e a Justiça Trabalhista do nosso país, e perenizar uma homenagem ao Ministro e Professor Arnaldo Lopes Süssekind é o objetivo desta obra e dela participar, com a minha diminuta colaboração, traz-me o privilégio de me associar a ela.

O tema

Assisti em 2005, uma palestra proferida pelo professor Manoel Antonio Teixeira Filho em um Encontro de Magistrados realizado na cidade de

Angra dos Reis, sobre um tema, à época, bastante controvertido a respeito da competência da Justiça do Trabalho, após o advento da Emenda Constitucional n. 45/2004, para julgar as ações de "interdito possessório" decorrente da greve, e anotei o depoimento do palestrante sobre a inquietude que determinados temas da ciência jurídica tomam de assalto o intérprete da norma, a justificar a alteração do seu posicionamento, como na situação dele , em que , na ocasião, comentava sobre a competência da Justiça do Trabalho, naquelas ações. Observou, no particular, o professor paranaense:

"Às vezes escrevemos o nosso pensamento e entendimento na rocha, (ou) na pedra; outras vezes escrevemos na areia. Quando disse que a competência para julgar as ações de interdito, após a Emenda n. 45/04, era da justiça comum, esqueçam. Escrevi na areia."

Em junho de 2010 escrevi, na honrosa companhia de Rodolfo Pamplona sobre a "Razoabilidade

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da necessidade da revisão da Súmula n. 277 do TST", em artigo editado na Revista do Tribunal Superior do Trabalho, com o título A nova velha questão da ultra--atividade das normas coletivas e a Súmula n. 277 do tribunal superior do trabalho e escrevemos na "PEDRA, NA ROCHA".

Defendemos e registramos no sobredito artigo a necessidade da revisão do sobredito verbete sob a seguinte motivação:

Para que o tema aqui defendido não soe simplesmente como um discurso de um voto vencido, mas sim como uma ponderada sugestão de revisão do entendimento até aqui consolidado - realizado em premissas constitucionais anteriores, parace-nos razoável demonstrar que o próprio Tribunal Superior do Trabalho tem flexibilizado esse entendimento, admitindo a ultra-atividade em casos em que a vantagem foi mantida após a extinção do convênio.

E a título exemplificativo, citamos alguns arestos oriundos daquela Corte, inclusive da SDBI.

Nas considerações finais do suprarreferido artigo, ousamos propor a Revisão do Enunciado em comento de n. 277, como um imperativo constitucional em face da exegese que extraímos da nova redação do § 2º, do art. 114 da Constituição Federal após o advento da Emenda Constitucional n. 45/2004, ao dispor sobre a obrigatoriedade do Judiciário Trabalhista, ao dirimir o conflito coletivo, observar o que já foi objeto de estipulação anterior pelas partes nos convênios coletivos (acordos e convenções).

O Colendo TST, ao final do ano de 2012, promoveu a atualização da sua jurisprudência e nesse ato revisional inseriu, também, o Enunciado da Súmula n. 277 e fê-lo sob a criteriosa motivação adotada pelos seus Ministros, como registram os eminentes Ministros Augusto Cesar Leite de Carvalho, Kátia Magalhães Arruda e Mauricio Godinho Delgado, em artigo escrito em conjunto, sob o título A Súmula n. 277 e a defesa da constituição, divulgado no site da Corte, em dezembro de 2012, e do qual destacamos o seguinte.

Introdução

No período de 10 a 14 de setembro de 2012, os ministros do tribunal superior do trabalho partici- param da semana jurídica, com o fim de analisar e atualizar a sua jurisprudência, em particular as súmulas, orientações jurisprudências e precedentes normativos.

Tais modificações não ocorreram de forma aleatória. São frutos de inúmeros debates, que envolvem análises de precedentes dos vários verbetes, bem como possíveis alterações nas normas constitucionais e legais.

É tal o papel de uma corte uniformizadora de jurisprudência ao tempo em que padroniza as suas decisões, propõe-se a revisitá-las periodicamente para verificar se subsistem os seus fundamentos.

A maioria dos ministros, por ocasião da mencionada semana jurídica, ajustou a Súmula n. 277 para que ela expresse a seguinte orientação:

As cláusulas normativas dos acordos cole-tivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho.

Como se vê, a atualização do verbete foi precedida de um amplo debate na Corte Superior Trabalhista. Foi objeto, também, de respeitáveis e sérias divergências, mas prevaleceu a tese defendida pela corrente majoritária em favor da ultra-atividade. Poder-se-ia então, concluir pela consolidação e pacificação do controvertido tema, este marco regulatório jurisprudencial? Creio que não, mesmo em sede jurisprudencial de onde se espera uma natural disciplina judiciária.

Recordo a experiência vivenciada no TRT da 5ª Região (BA), quando a Corte Regional editou, em junho de 2002, a Súmula n. 2, em que fui designado Redator e está lavrada nos seguintes termos:

"ultra-atividade de normas coletivas.

As cláusulas normativas, ou seja, aquelas relativas às condições de trabalho, constantes dos instrumentos decorrentes da autocomposição (acordo coletivo de trabalho e convenção coletiva de trabalho) gozam do efeito ultra-ativo, em face do quanto dispõe o art. 114.

§ 2º da Constituição Federal de 1988, incorporando-se aos contratos individuais de trabalho, até que venham a ser modificadas ou excluídas por outro instrumento da mesma natureza."

Pensei e cheguei mesmo a acreditar, que ao menos em sede de instância recursal o conflito

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pretoriano fosse pacificado em nome da disciplina judiciária. Ledo engano. Algumas Turmas julgadoras, sob a motivação de falta de vinculação à súmula entenderam e decidiram não aplicar o verbete da Corte Regional.

O debate prosseguiu, inclusive, no campo doutrinário, onde respeitáveis opiniões se postaram em posição diametralmente oposta ao entendimento sumulado, como ocorria em seminários onde o tema era pautado e provocava acirradas discussões, mas sob a observância da "dialética concreta" a que se refere o filósofo brasileiro Mário Ferreira, citada por Olavo de Carvalho, a demonstrar a busca incessante dos seus interlocutores na concretude de uma definição jurídica da aplicação ou não em sede de direito coletivo do trabalho, do princípio ultra-ativo das cláusulas normativas constantes dos respectivos instrumentos, nos dissídios individuais.

Em obediência a essa continuidade dialética voltei ao estudo do tema, provocado pelo honroso convite que me formulou o Ministro Luciano Castilho Pereira, árduo e convicto defensor da tese da ultra--atividade, desde quando integrou a Corte Superior Trabalhista, como registram os Ministros Augusto Cesar Leite, Kátia Arruda Magalhães e Mauricio Godinho Delgado no artigo já mencionado, e encontrei na "rocha" do tempo o que escrevi alhures, mas com a atualidade revigorada por força da revisão promovida pelo TST do Enunciado da Súmula n. 277, a fundamentação que adotava para aplicar o princípio ultra-ativo nos julgamentos que participei, tanto no TRT da 5ª Região como quando convocado no TST, acerca de três anos atrás.

Sustentei o entendimento, também, em artigos anteriores, em painéis de seminários que participei, sobre essa matéria, de que as cláusulas normativas gozam do efeito ultra-ativo, seguindo corrente majoritária da doutrina e jurisprudência que, como destaca o mestre Pinho Pedreira, a primeira "maciçamente sufraga a tese do Direito contratual adquirido, como denomina Süssekind, a da incorporação"1.

Conhecia igualmente, como conheço hoje, os entendimentos em contrário, geradores da polêmica sobre o palpitante tema que tem espaço em ambas as fontes do direito material e, até onde pude alcançar o campo maior da discussão gravita em torno de três pontos básicos, a saber:

1. Sobre a duração - prazo de validade dos instrumentos normativos

Os opositores à corrente doutrinária que proclama o efeito "ultratemporal" das cláusulas estatuídas em instrumentos normativos provocam o debate acenando para a disposição contida no § 3º do art. 614 da CLT, pois, para eles, o legislador fixou, por esse dispositivo, o limite de duração das normas coletivas, vedando uma transposição para os contratos de trabalho pactuados individualmente durante a sua vigência por tempo indeterminado.

A tudo acrescentam em síntese que, se assim não fosse, inconsistente seria a obrigação de se estipular no instrumento normativo a validade de, no máximo, dois anos, pois é vedado se fixar prazo superior.

Quanto à colocação sobredita, impõe-se o estudo inicial sobre a natureza jurídica das cláusulas inseridas nos instrumentos normativos, a fim de se verificar a sua identidade com o tempo de duração. A fonte doutrinária resolve a questão apontando as diferenças existentes entre as cláusulas instituídas nos respectivos instrumentos mediante a...

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