Assistência judicíaria: ausência de efetividade ao acesso à justiça

AutorDaniela Martins Madrid
CargoBacharel em Direito e Pós-graduanda em Direito Civil e Processo Civil pelas Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toledo (Presidente Prudente – SP)
Páginas45-61

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Introdução

Mencionado texto consubstancia-se em uma visão necessária dentro do Acesso à Justiça enfocando a assistência judiciária.

Verifica-se que com a implementação da assistência judiciária à nível constitucional (artigo 5º, inciso LXXIV, Constituição Federal de 1988) muitos dos problemas, relacionados à falta de acesso ao Judiciário pela camada carente da população, foram solucionados.

Todavia, percebe-se, que ainda há muito o que ser feito para que a assistência judiciária seja plena e totalmente eficaz. Observa-se, desde já, que é importante uma maior flexibilização do artigo 3º da Lei n.º 1.060/50, que trata das isenções recebidas pelos beneficiados para que se possa atender a própria ordem jurídica justa.

A pesquisa centraliza o seu ponto de atuação relacionando o acesso à Justiça, a assistência judiciária, ausência de recursos financeiros e culturais e, evidenciando que um instituto depende do outro para promover à Justiça.

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O objetivo principal, posto em foco, foi verificar através dos Métodos Histórico, Dialético, Comparativo e Hipotético-Dedutivo, e por meio das técnicas da Documentação Direta e Indireta, que o “consumidor” do direito, da tutela jurisdicional, ainda encontra dificuldades, dentro da assistência judiciária para receber um amparo legal. Portanto, mesmo na era do direito pós-moderno a eficácia esperada é deficiente.

Embora, não sendo possível abordar todas as causas que ainda inviabilizam a assistência judiciária e, conseqüentemente o acesso à Justiça, devido a sua complexidade e abrangência, é de suma importância o tema desenvolvido e a visão defendida, conforme se provará durante o transcorrer do trabalho.

1 – Evolução histórica do Direito ao Acesso à Justiça

Os procedimentos utilizados para a solução dos conflitos civis, dentro dos séculos XVIII e XIX, refletiam bem o caráter individualista, que marcava os direitos existentes dentro dos estados liberais, denominados “burgueses”. Dentro desta realidade, o direito ao acesso à proteção judicial era única e exclusivamente formal, posto que, embora o direito ao acesso à justiça pudesse ser considerado um “direito natural”, os direito naturais não precisavam de uma proteção por parte do Estado.

Neste período, não era preocupação do Estado se algumas pessoas encontravam dificuldades de levarem a diante as suas pretensões e de demonstrarem a violação de um direito por parte de outrem.

É nesse sentido o texto a seguir:

A justiça, como outros bens; no sistema do laissez-faire , só podia ser obtida por aqueles que pudessem enfrentar seus custos; aqueles que não pudessem fazê-lo eram considerados os únicos responsáveis por sua sorte. O acesso formal, mas não efetivo à justiça, correspondia à igualdade, apenas formal, mas não efetiva. (CAPPELLETTI e GARTH, 2002, p. 09). (Grifou-se)

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Portanto, existia uma garantia de acionar as instituições judiciárias através da petição inicial ou contestação; todavia, este acesso era verificado apenas em seu aspecto formal, posto que na prática, a realização e eficácia do direito não se concretizavam para os desprovidos de situação financeira.

De acordo com José Roberto de Albuquerque Sampaio (2005, p. 124), as liberdades civis e políticas desta época, contudo, eram meramente “uma promessa fútil, na verdade um engodo para aqueles que, por motivos econômicos, sociais e culturais, de fato não são capazes de atingir tais liberdades e tirar proveito delas.

Acabava por agravar esta situação, o fato de que, o sistema judiciário e os próprios juristas não se preocupavam com os problemas reais da sociedade, tais como: diferenças entre os litigantes em relação ao acesso prático, ou, a disponibilidade de recursos para encarar o litígio; uma vez que, como já mencionado, o estudo era estritamente formalista e abstrato.

Com o passar dos anos, as ações e os relacionamentos foram perdendo o seu lado individualista que predominou nos séculos XVIII e XIX e adotando, consequentemente, uma visão coletiva, fazendo com que o Estado abandonasse o seu lado passivo e reconhecesse os seus direitos e deveres sociais perante todos. Esta mudança, no próprio conceito de direitos humanos, ocorreu, sobretudo, à medida que as sociedades do laissez-faire cresceram em tamanho e complexidade. (CAPPELLETTI e GARTH, 2002, p. 10).

Esta modificação foi necessária para tornar efetivo e realizável os direitos que anteriormente ficavam apenas na órbita do formalismo. Sendo, assim, a Constituição Francesa de 1946, trouxe estampado em seu preâmbulo, a nova perspectiva dos direitos humanos, dentre eles: o direito ao trabalho, à saúde, à segurança material e à educação.

A Constituição Francesa atual, conservou o preâmbulo da Constituição de 1946, sendo que este, reconhece que o acréscimo de direitos sociais e também econômicos aos direitos civis tradicionais é de fundamental importância para asPage 48sociedades atuais. Diante destes direitos sociais, observa-se, que a atuação do Estado deve ser sempre positiva, para que eles sejam assegurados.

Nesta linha de raciocínio é importante destacar que:

Não é surpreendente, portanto, que o direito ao acesso efetivo à justiça tenha ganho particular atenção na medida em que as reformas do welfare state têm procurado armar os indivíduos de novos direitos substantivos em sua qualidade de consumidores, locatários, empregados e, mesmo, cidadãos. (CAPPELLETTI e GARTH, 2002, p. 11) (Grifou-se)

Entre os novos direitos sociais, o acesso à justiça deve ser analisado como o mais básico dos direitos humanos, sendo, acima de tudo, um requisito indispensável para que possa ser garantido um sistema jurídico justo, moderno e igualitário, que busque acima de tudo garantir o direito dos cidadões e, não apenas, proclamar o direito de todos.

O Código Austríaco de 1895 é considerado o primeiro reconhecimento explícito do Estado em assegurar igualdade ao acesso à justiça, conferindo ao juiz um papel ativo para compor e equalizar as partes.

Atualmente, os juristas precisam perceber que as técnicas processuais servem a funções sociais e que o direito ao acesso à justiça, além de ser um direito social fundamental, é, também, o ponto central da moderna processualística e da ciência jurídica.

2 – A doutrina clássica de Mauro Cappelletti

Mauro Cappelletti foi o idealizador e co-executor de várias pesquisas realizadas em países da Europa e das Américas, que recebeu o nome de Projeto de Florença, no qual, referido mestre italiano, reuniu dados concretos sobre diferentes sistemas jurídicos, relacionados às mais diversas culturas.

De acordo com este ilustre jurista, não bastava assegurar apenas o direito, era imprescindível, assegurar a sua efetividade e, para isso, era necessário abandonar a Page 49visão unidimensional, que se restringia à declarar as normas e partir para uma visão tridimensional do direito.

Pode-se resumir esta visão tridimensional do direito da seguinte forma:

(i) uma primeira dimensão reflete o problema, necessidade ou exigência social que induz à criação de um instituto jurídico; (ii) a segunda dimensão reflete a resposta ou solução jurídica, por sinal uma resposta que, além das normas, inclui as instituições e processos destinados a tratar daquela necessidade, problema ou exigência social; (iii) enfim, uma terceira dimensão encara os resultados, ou o impacto, dessa resposta jurídica sobre a necessidade, problema ou exigência social.( SAMPAIO, 2005, p. 124). Segundo Cappelletti apud Sampaio (2005, p. 125) é preciso que “tornemos conscientes das necessidades, problemas e expectativas sociais básicas, aos quais um instituto jurídico visa dar resposta”.

A necessidade, verificada por mencionado autor, resume-se dentro do fato de que é preciso materializar a forma efetiva para todas as pessoas, independentemente de aspectos econômicos, culturais, religiosos e filosóficos.

Esta idéia já era consagrada por Giuseppe Chiovenda, que era claro ao dizer: “o processo deve dar a quem tem o direito, na medida do que for praticamente possível, tudo aquilo e exatamente aquilo que ele tem o direito de obter”.(CHIOVENDA apud SAMPAIO, 2005, p. 125)

Destarte, existe a necessidade de tornar efetivo o direito para todos aqueles contemplados pela lei, sem discriminação cultural ou econômica.

Por sua vez, as dificuldades encontradas pela população, que inviabilizam a busca pela justiça, tornando-a cada vez mais inacessível são: econômicas, organizacionais e processuais. Estes obstáculos receberam o nome de movimento de três ondas e são melhores explicitados a seguir:

O obstáculo econômico faz com que pessoas desprovidas de recursos econômicos acabem tendo um restrito acesso à informação e à representação de seu direito.

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Os problemas organizacionais verificam-se nas dificuldades do indivíduo, por si só...

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