Representação assemetricano congresso nacional

AutorPaulo Vargas Groff
CargoDoutor em Direito pela Université de Paris I (Panthéon-Sorbonne), Mestre em Ciência Política pela Université de Paris III (Sorbonne Nouvelle), Bacharel em Direito pela UNISINOS
Páginas172-186

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Considerações iniciais

De acordo com a Constituição de 1988, o Parlamento brasileiro é composto de duas Casas. O artigo 44 estabelece: "O Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal". A Câmara dos Deputados assume a representação de todo o povo brasileiro (art. 45) e o Senado Federal a representação dos Estados federados (art. 46).

A maioria dos Estados do mundo, independentemente da forma de Estado (federal, unitário ou regional), tem uma Câmara Alta e uma Câmara Baixa, adotando uma estrutura bicameral. A Câmara Alta (Senado Federal, Senado, Conselho Federal, Bundesrat ou Câmara dos Lordes), exerce uma função moderadora em relação à Câmara Baixa (Câmara dos Deputados, Assembléia Nacional, Câmara dos Representantes ou Câmara das Comuns). Nos Estados federais, a Câmara Alta tem como principal atribuição a representação dos Estados federados.

O Parlamento brasileiro sofre, no nosso entender, de um desequilíbrio, no que se refere à representação, nas duas Casas: no Senado Federal (2.0) e na Câmara dos Deputados (3.0). Isto tem repercussões em vários pontos, como no equilíbrio federativo, na igualdade do voto entre os cidadãos e na democracia representativa. O Senado Federal e a Câmara dos Deputados são caracterizados por uma sobre-representação das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, e uma sub-representação das Regiões Sudeste e Sul do Brasil. E é dessas questões que passaremos a tratar.

1 O controle do Senado Federal por certas regiões

Do ponto de vista constitucional, a representação no Congresso Nacional é definida em função dos Estados e não das Regiões. Todavia, no seio do Senado Federal, os Estados agrupam-se em Regiões, para melhor defenderem os seus interesses. Desta maneira, certas Regiões possuem a supremacia da representação (2.1) em relação a outras Regiões. Esta situação se agrava ainda com a criação de novos Estados federados (2.2).

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1. 1 A supremacia de certas regiões

Em todos os sistemas políticos, o Senado tem uma função moderadora, no sentido de limitar a ação da Câmara dos Deputados, que é mais sensível às pressões populares. Assim, de acordo com Michel Temer1, no caso brasileiro esta função assegura certo equilíbrio federativo. Ele exemplifica, assinalando que se a Câmara dos Deputados desejar atribuir mais vantagens a certas Regiões, o Senado deve impedi-la, para assegurar o equilíbrio.

Não compartilhamos deste raciocínio do autor porque no Brasil os Estados das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste possuem a maioria no Senado Federal, e também a maioria na Câmara dos Deputados, o que se deve a sobre-representação de certos Estados, apesar de terem populações minoritárias. É evidente que para defender os seus interesses comuns estes Estados acabam por constituírem uma só unidade.

O artigo 46 prevê:

O Senado Federal compõe-se de representantes dos Estados e do Distrito Federal, eleitos segundo o princípio majoritário.

§1°. Cada Estado e o Distrito Federal elegerão três Senadores, com mandato de oito anos.

§ 2°. A representação de cada Estado e do Distrito Federal será renovada de quatro em quatro anos, alternadamente, por um e dois terços.

§ 3o. Cada Senador será eleito com dois suplentes.

Celso Ribeiro Bastos2 observa que o fato de o federalismo assegurar uma representação igualitária dos Estados no Senado Federal, permite conduzir a uma sub-representação dos grandes Estados e a sobre-representação dos pequenos Estados. De acordo com o autor, este sistema implica por um lado uma representação desigual do povo, mas por outro lado ele assegura uma garantia aos Estados menores, tendo em vista o seu fraco desenvolvimento socio-econômico. Para ele, aPage 174Federação permite um sutil jogo de equilíbrio de poder e evita os conflitos entre os Estados, bem como a segregação. Esta igualdade de representação dos Estados no Senado é assegurada igualmente em outros Estados federais, como nos Estados Unidos, na Suíça, na Austrália, na Argentina e no México.

A igualdade no Senado conduz evidentemente à atribuição de um peso diferente aos eleitores, pelo fato de pertencerem a um ou outro Estado federado. Esta regra, que aparentemente não respeita as exigências da democracia, faz parte, no entanto, da idéia de federalismo, e pode aparecer como uma condição de existência da "democracia federal".

No Brasil, um equilíbrio da representação dos Estados é assegurado no Senado Federal. Em contrapartida, um grande desequilíbrio aparece ao nível da representação das Regiões nas quais estão localizados estes Estados. Por exemplo, a Região Norte tem sete Estados, a Região Nordeste tem nove Estados, as Regiões Centro-Oeste e Sudeste têm cada um quatro Estados e a Região Sul tem três Estados. Assim, as Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, juntas, possuem vinte Estados, totalizando uma representação de 60 senadores, ou seja, 75% do total (81 senadores). As Regiões Sudeste e Sul, juntas, possuem sete Estados, totalizando 21 senadores, ou seja, 25% da representação no Senado Federal.

Na Câmara dos Deputados, as Regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste têm a maioria das cadeiras, apesar do fato de serem menos povoadas que as Regiões Sudeste e Sul. Neste contexto, Ives Gandra Martins3 chama a atenção para esta deformação federativa introduzida pelo poder constituinte de 1987-1988, que classificou os cidadãos em primeira e segunda classe: os Estados do Sul passaram a ter 267 representantes, com 43.000.000 eleitores; e os Estados do Norte, do Nordeste e do Centro-Oeste passaram a ter 292 representantes, tendo 23.000.000 eleitores.

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1. 2 A criação de novos Estados federados

Quando da transformação do Brasil em Estado federal, em 1889, as províncias receberam a denominação de Estados federados ou simplesmente de Estados. Naquele momento havia vinte e um Estados. A Constituição de 1891 estabeleceu a seguinte disposição para a criação de novos Estados: Artigo. 4o - "Os Estados podem incorporar-se entre si, subdividir-se, ou desmembrar-se, para se anexar a outros, ou formar novos Estados, mediante aquiescência das respectivas assembléias legislativas, em duas sessões anuais sucessivas e aprovação do Congresso Nacional".

Na Constituição de 1934, é encontrada a mesma disposição, sobre a criação dos novos Estados. Ela faz também alusão à criação de Territórios e criou o Território do Acre.

A Constituição de 1946 manteve as disposições das Constituições precedentes. No entanto, ela incluiu a obrigatoriedade do referendo da população diretamente interessada. Mas esta consulta nunca ocorreu no Brasil. Também previu, no "Ato das Disposições Constitucionais Transitórias", a transformação dos Territórios em Estados e a transferência da capital da União para a região central (art. 4o). Esta disposição sobre a localização da capital já existia na Constituição de 1891.0 antigo Território do Distrito Federal foi transformado em Estado da Guanabara (art. 4°, § 4°). O artigo 9° tratou da transformação do Território do Acre em Estado.

Durante o regime militar, a Lei fundamental, denominada de "Constituição de 1967", retirou do "corpo da Constituição" as matérias que tratavam do procedimento de alteração territorial e da criação dos novos Estados. Estas matérias foram transferidas para o domínio de lei complementar. As Assembléias Legislativas perderam o direito de participar deste processo, bem como as populações diretamente interessadas, uma vez que não fora mais previsto o referendo, como previa a Constituição de 1946.

Num período de 14 anos, a legislação complementar criou três novos Estados federados: o Estado do Rio de Janeiro, em 1974, resultante da fusão entre os Estados do Rio de Janeiro e da Guanabara; o Estado de Mato Grosso do Sul, em 1977,Page 176resultante do desmembramento do Estado do Mato Grosso; e o Estado de Rondônia, em 1981, que era Território Federal.

Durante o período da democratização do país, a Constituição de 1988 ("Ato das...

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