As wrongful actions nos tribunais superiores

AutorAnna Luísa Braz Rodrigues, Letícia Mendes Barbosa
Páginas535-569
As wrongful actions... • 535
AS WRONGFU L ACTIONS NOS
TRIBUNAIS SUPERIORES
NOVOS DANOS INDENIZÁVEIS BASEADOS
EM VIDA INDESEJADA, NASCIMENTO
INDEVIDO E CONCEPÇÃO INDESEJADA
Anna Luísa Bra z Rodrigues1
Letícia Mendes Ba rbosa2
Resumo: Amplamente debatidas em países que adotam o sistema com-
mon law, wrongful actions ou ações de dano de vida são demandas judi-
ciais baseadas em violação dos direitos reprodutivos como fundamen-
to de responsabilidade civil. Tais concepções estão inseridas em uma
mudança de paradigma que permite construções doutrinárias e juris-
prudenciais quanto à novos danos indenizáveis. Portanto, o objetivo do
presente trabalho é apresentar a construção dos novos danos indenizá-
veis baseados em vida indesejada, nascimento indevido e concepção in-
desejada no ordenamento jurídico brasileiro. A pesquisa pertinente teve
natureza dogmática, revestindo-se de caráter bibliográco, incluindo
revisão de literatura e decisões judiciais. Assim, é possível observar que
as questões acerca do tema se apresentam de maneira delicada, vez que
o aborto é prática criminalizada nos termos do Código Penal brasileiro
e as decisões nacionais estão centradas nas ações de concepção indese-
jada. Destaca-se, ainda, que a maior parte das demandas não recebem
provimento e os pedidos de indenização aceitos são referentes à falha na
produção ou comercialização de medicamentos contraceptivos.
Palavras-chave: concepção indesejada; nascimento indevido; vida in-
desejada.
1
Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Lavras. Integrante do grupo
de pesquisa Laboratório de Bioética e Direito. Estagiária do Ministério Público de
Minas Gerais.
2
Graduanda em Direito na Universidade Federal de Lavras. Membra do Laboratório
de Bioética e Direito (LABB) e do PETi Direito/UFLA.
536 • O Direito Civil nos Tribunais Superiores
INTRODUÇÃO
O indivíduo encontrou novos desaos que repercutiram nas
atuações jurídicas ao redor do mundo devido ao progresso cientíco
e tecnológico. Especicamente, as mudanças nos usos e costumes da
família e o desenvolvimento de novas técnicas de diagnóstico pré-con-
cepcional e pré-natal tiveram um reexo direto em novos danos da res-
ponsabilidade civil. Perante interesses dos pais e, até mesmo, da própria
criança, essas novas pretensões podem ser identicadas na doutrina e na
jurisprudência de diversos países sob alcunha de wrongful actions (wron-
gful conception, wrongfulbirth e wrong ful life).
No ordenamento jurídico brasileiro, o debate ganhou desta-
que por meio de ações acerca de concepção indesejada em ações que
discutem a suposta falha de métodos contraceptivos e inuenciou deba-
tes acerca das restrições ao aborto, prática criminalizada nos termos do
Código Penal brasileiro. De tal modo, o presente trabalho pretende dis-
correr sobre os novos danos indenizáveis baseados em vida indesejada,
nascimento indevido e concepção indesejada no ordenamento jurídico
brasileiro, tendo em vista o desenvolvimento dos conceitos em outros
países, os pressupostos da responsabilidade civil em nosso ordenamento,
as restrições legislativas que impedem a efetividade dos conceitos apre-
sentados e os julgados dos tribunais superiores brasileiros relacionados
ao tema.
1. A RESPONSABILIDADE CIVIL DE MÉDICOS
E LABORATÓRIOS NO ORDENAMENTO
JURÍDICO BRASILEIRO
Inicialmente, as instituições jurídicas dos povos instituíram o
direito de vingança em que a consciência coletiva admitia que a vítima
atuasse em prol da reparação do dano e também da punição ao autor.
Esse comportamento social, ao invés de atento à intenção do agente, era
focado na causalidade material entre a ação humana violadora da ordem
jurídica e o dano. O papel da solidariedade da família e dos vizinhos era
de grande relevo, de modo a se caracterizar uma responsabilidade obje-
tiva e coletiva, sobretudo na índole penal3.
Contudo, ao longo dos séculos, o autor do prejuízo passou a
3 PAIVA, Mario Antonio Lobato de. Evolução da responsabilidade civil e seus pro-
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reparar o dano e ser punido por meio do pagamento de certa soma de
dinheiro. A diferença estava na atuação das autoridades públicas que
evitavam desordens e lutas produzidas pelas vinganças sociais. Poderes
públicos, por um lado, controlavam os valores das variadas indenizações
pecuniárias e obrigavam os ofendidos a aceitarem esse tipo de reparação
e, por outro lado, passavam a punir fatos que, por não afetarem direta-
mente particulares, anteriormente não eram sancionados. Posteriormen-
te, também puniram os autores de atos que prejudicam particulares e,
simultaneamente, a ordem social1.
Ademais, a responsabilidade civil e a responsabilidade penal
se separaram conceitualmente, de modo que a vítima obtém reparação
em ação privada e a autoridade pública pune por meio de ação pública.
A perspectiva clássica da responsabilidade civil pressupõe que o homem
é livre e deve responder pelos seus atos, então a culpa traduzida em um
fato intencional, imprudente ou negligente torna-se centro das análises
da devida reparação2.
Entretanto, na contemporaneidade, o avanço industrial e tec-
nológico exige um desenvolvimento das possibilidades e dos modos de
atuação humana que multiplicam riscos. Tal mudança leva a novos ân-
gulos em que os danos não são adequadamente indenizados e satisfeitos
pelos esquemas tradicionais. Assim, acolheu-se a ideia de uma respon-
sabilização independente da culpa denominada como responsabilidade
objetiva3.
Os próprios danos ganham novos contornos à medida que
certas atividades ou prossões são suscetíveis a causar danos a terceiros,
tendo destaque aquelas classicadas como liberais4. No caso da responsa-
blemas modernos. Revista de Informação Legislativa. Brasília, a. 36, n. 144,
1999, p. 177-178. Disponível em: https://bit.ly/2INv96t. Acesso em: 08 mar.
2020.
1 PAIVA, Mario Antonio Lobato de. Evolução da responsabilidade civil e seus pro-
blemas modernos. Revista de Informação Legislativa. Brasília, a. 36, n. 144,
1999, p. 178. Disponível em: https://bit.ly/2INv96t. Acesso em: 08 mar. 2020.
2 PAIVA, Mario Antonio Lobato de. Evolução da responsabilidade civil e seus pro-
blemas modernos. Revista de Informação Legislativa. Brasília, a. 36, n. 144,
1999, p. 178-179.Disponível em: https://bit.ly/2INv96t. Acesso em: 08 mar.
2020.
3 PAIVA, Mario Antonio Lobato de. Evolução da responsabilidade civil e seus pro-
blemas modernos. Revista de Informação Legislativa. Brasília, a. 36, n. 144,
1999, p. 179. Disponível em: https://bit.ly/2INv96t. Acesso em: março de 2020.
4 PAIVA, Mario Antonio Lobato de. Evolução da responsabilidade civil e seus pro-

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