As Normas de Saúde e Segurança no Trabalho como direitos de indisponibilidade absoluta: os limites à negociação coletiva trabalhista face ao substitutivo do Projeto de Lei n. 6.787/2016

AutorEvellyn Thiciane M. Coêlho Clemente
Páginas103-110

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Evellyn Thiciane M. Coêlho Clemente1

Introdução

O sistema capitalista, com tendências à sua própria generalização, resultando a exteriorização e estabelecimento de laços com economias externas aos centros hegemônicos, é o grande fator desencadeador das grandes mudanças postas ao sistema jurídico laboral.

É nesse contexto a preocupação com a estruturação do trabalho e do emprego na sociedade capitalista, com a busca da propiciação da igualdade de oportunidades, de distribuição de renda.

Assim, o texto procurará assentar, com espeque na legislação vigente e nos debates existentes quanto à necessidade de reforma nos direitos trabalhistas, especificamente no que tange à flexibilização, por meio da negociação coletiva, das normas de Segurança e Medicina do Trabalho, considerando o papel hoje imposto pelas normas coletivas, por meio do constitucionalismo advindo em 1988, em que ocorrera a retirada do limbo, abrindo-lhe espaço para desenvolvimento.

A flexibilização dos direitos sociais dos trabalhadores pela negociação coletiva trabalhista e o novo cenário político e econômico

O Direito do Trabalho é fruto das razões políticas e econômicas da Revolução Francesa e Revolução Industrial, ante as condições precárias impostas ao homem no ambiente laboral, com grandes explorações que desaguaram na união dos empregados, na busca de melhores condições de emprego e contra abusos cometidos pelos patrões, com propósitos de regulamentações mínimas de trabalho.

Insta destacar que, no Brasil, a estruturação do Direito Coletivo do Trabalho foi marcada pelo advento da Constituição da República, promulgada em 05 de outubro de 1988.

Desde os primórdios, a relação da sociedade com o trabalho/homem é preocupante, sendo considerado literalmente a sustentação do processo vital, não importando, tanto para o capitalismo como para os modernos, diferentes tipos de trabalho, mas no caso comprar e vender no mercado de trabalho a “força de trabalho”, em que todo ser humano deve possuir aproximadamente a mesma quantidade.

A esse respeito, o Ministro do TST Mauricio Godinho Delgado elucida com exatidão que “[...] o destaque constitucional à negociação coletiva trabalhista como fórmula de solução de conflitos e de criação de regras jurídicas realiza-se em plena harmonia aos limites também constitucionais impostos às regras coletivas.”2

Neste intento, a negociação coletiva do trabalho, instrumento legítimo, democrático e eficaz na solução

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de conflitos decorrentes da relação de trabalho e, ainda, no equilíbrio entre o capital e o trabalho, só cumprirá a função legalmente imposta, conforme as diretrizes constitucionais, se realizada em harmonia aos princípios constitucionais, humanísticos e sociais. Por essa razão, faz-se necessária criteriosa análise da possibilidade da realização de negociação irrestrita entre as partes convenentes.

A importância que o atual constitucionalismo representa para a valorização do trabalho como direito fundamental social, ao garantir a preservação dos direitos fundamentais no Estado Democrático de Direito, deve ser balizado na análise prática e jurídica das discussões legais, políticas e sociais de alterações do direito do trabalho brasileiro.

Assim sendo, a posição alcançada pelo trabalho na Constituição Federal de 1988 é precedida de um longo e penoso trajeto percorrido pelo direito ao trabalho nas Constituições anteriores, conquistando vantagem de maneira vagarosa se comparadas à necessidade do trabalhador, demonstrando o merecido valor nos âmbitos social, econômico e jurídico atuais.

A análise de normas diretivas de Direito do Trabalho à luz da Constituição Federal de 1988 acarretou relevantíssimas consequências jurídicas que se delineiam a partir da alteração da tutela, para proteção, assegurada pela Constituição, à dignidade da pessoa humana, elevada à condição de fundamento da República Federativa do Brasil.

Nos dias atuais, a busca pela fragilização do ser individual no campo do Direito do Trabalho, por meio de fatores que fragmentam cada vez mais e separam as classes operárias, a automação que em inúmeros casos descarta a mão de obra e a própria informática que viabiliza os institutos, faz com que “[...] a crise se desloca para o próprio sistema jurídico de proteção, que – como disse alguém – passa a sofrer fortes tensões em sua estrutura”3. (VIANA, 2017, online)

Para a influente filósofa do século XX Hannah Arendt:

O desprezo pela atividade do trabalho, originalmente oriundo de uma apaixonada luta pela libertação da necessidade e de uma impaciência não menos apaixonada com todo esforço que não deixasse vestígio, monumento ou grande obra digna de ser lembrada, generalizou-se na medida das crescentes exigências do tempo dos cidadãos pela vida na pólis.4

Ao realizar a diferenciação entre trabalho e obra, a filósofa acima mencionada assegura que o primeiro nunca designará o produto final; enquanto que a obra, deriva do nome do próprio produto. Para ela, no mundo Ocidental, o desprezo pelo trabalho, resultante da luta do homem contra a necessidade e todo o esforço que não deixa vestígios que possam ser dignificados no futuro, faz com que a distinção entre os institutos permaneça ignorada por tanto tempo.

O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, insculpido no art. 1º, III da Constituição Federal de 1988 visa salvaguardar o respeito ao ser humano, bem como assegurar um tratamento humano e não degradante, de modo a promover os valores morais e ético-jurídicos, advindos pelo Estado Democrático de Direito.

Para tanto, na mui apropriada visão de Mauricio Godinho Delgado, o padrão da normatização autônoma e privatística supõe a plena legitimação do conflito entre particulares, haja vista que a ampla realização do conflito gesta meios de seu processamento no âmbito da própria sociedade civil, por mecanismos de negociação coletiva autônoma, hábeis a induzir à criação da norma jurídica5.

Por consequência, quando ocorre a intervenção do Estado, o modelo tende a gerar uma legislação que reflete as necessidades efetivas da sociedade, por manter-se democrática. Com a combinação dos modelos, a legislação heterônoma surge como produto social que se adiciona à atuação coletiva obreira.

Diante da relação entre particulares, é necessária a observação quanto à garantia da proteção efetiva dos direitos fundamentais, sendo dever do Estado a garantia contra a violação intentada por terceiros. Amoldando-se às bases constitucionais, Ingo Wolfgang Sarlet com muita sapiência demonstra a posição dos direitos fundamentais, alegando serem aqueles concernentes às pessoas

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[...] que do ponto de vista do direito constitucional positivo foram, por seu conteúdo e importância, integradas ao texto da Constituição e, portanto, retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes constituídos, bem como as que, por seu conteúdo e significado, possam lhe ser equiparados, agregando-se à Constituição material, tendo, ou não assento na Constituição Formal.6

Impende ressaltar que as relações de trabalho são conflituosas, submetendo-se a duas vertentes do direito, em que cada uma defenderá seu âmbito de atuação, estando o trabalho pautado de um lado como direito fundamental do empregado e, do outro, nos direitos que circundam o empregador, no exercício legítimo do direito à livre-iniciativa.

Por meio da negociação coletiva trabalhista, ocorre a propiciação da continuidade da atividade empresarial, na medida em que seu processo democrático favorece o diálogo aberto e o entendimento da classe trabalhadora sobre as dificuldades e limitações enfrentadas pela empresa. No raciocínio esposado, para o texto Constitucional, as regras negociais coletivas apenas devem instituir parcelas novas que buscam acrescer ao patamar civilizatório mínimo já disposto pelas normas heterônomas estatais.

A vinculação essencial dos direitos fundamentais à liberdade e à dignidade da pessoa humana, enquanto valores históricos e filosóficos conduzem ao significado de universalidade inerente a esses direitos como ideal da pessoa humana. Assim, estando a ordem econômica sustentada pelos pilares da livre-iniciativa e da valorização do trabalho humano, em situações conflituosas nas negociações coletivas trabalhistas, torna-se mister a aplicabilidade dos limites impostos às categorias sociais, a fim de evitar renúncia reiterada e crônica dos direitos constitucionais trabalhistas.

Ressalta-se que os direitos sociais, considerados de segunda dimensão, encontram-se interligados ao direito da igualdade, ante a busca pela promoção da igual-dade social, por meio da criação de condições materiais que possibilitam a efetivação de uma igualdade real entre os indivíduos.

Logo, a partir do art. 7º, inciso XXVI7, da Constituição Federal de 1988, que traz importante destaque sobre o reconhecimento dos acordos e convenções coletivas de trabalho, chega-se à conclusão de que a negociação coletiva trabalhista é um importante meio para se gerar direitos e obrigações para a empresa e seus empregados, permitindo a solução de interesses divergentes e garantindo...

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