As editoras musicais como titulares Derivadas

AutorRafael Clementi Cocurutto
Ocupação do AutorAdvogado. Bacharel em Direito pela FMU - Faculdades Metropolitanas Unidas. Mestre em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (Largo São Francisco)
Páginas157-190
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As Editoras Musicais
como Titulares Derivadas
5.1 Considerações iniciais e breves considerações históricas
Analisando e acompanhando os contornos históricos das obras
musicais, notamos que, com a evolução dos mecanismos de ex-
ploração patrimonial da obra musical, aorou-se a necessidade
da inclusão de diversos organismos especializados para que haja a
perfeita passagem patrimonial entre o autor, intérprete e “consu-
midor nal” da obra.
De fato, na época do surgimento da arte musical, as interpre-
tações musicais existiam como somente a exteriorização da persona-
lidade do próprio artista, que em muitos casos improvisava suas ver-
sões em suas apresentações “ao vivo”, por não existir outros meios
de difusão musical.
Com o avanço das tecnologias, que propiciou a impressão de
partituras e a posterior criação dos fonomecânicos, surgiu maior in-
teresse pela exploração dos direitos autorais patrimoniais, não só das
obras musicais, como também de diversas outras artes que também
se utilizavam da música. Esse aumento de paradigma de difusão
deu margem à criação de órgãos especializados como gravadoras e
editoras musicais – que trataremos neste capítulo.
Marcos Napolitano, em sua obra História & música: história
cultural da música popular, reserva o momento histórico do cres-
cimento das editoras ao século XIX, na “revolução burguesa”, pois
nesse momento aorou-se o gosto pelas artes, músicas e cresceu a
intersecção entre a música e o teatro. Aponta o referido autor:
Rafael Clementi Cocurutto
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O momento da “revolução burguesa”, que estimulou a
criação de editores musicais, promotores de concertos, pro-
prietários de teatros e casas de concerto público. O gosto
burguês na música tem seu auge por volta de 1850, com o
predomínio de formas musicais sinfônicas e valores cultu-
rais consagrados: banimento da “música de rua”, canções
políticas circunscritas a enclaves operários de vanguarda
marginalizada ou assimilada.344
O mesmo autor arma que a massicação das produções mu-
sicais tornou ainda mais forte a estabilização das editoras musicais
como primordiais à divulgação das obras musicais no século XIX:
Por volta de 1890, o panorama começou a mudar, com o
nascimento da “cultura de massa” e as novas estruturas mo-
nopolísticas tomando conta do mercado. O resultado é o
impacto do ragtime, jazz, Tin Pan Alley (quarteirões que
concentravam os editores musicais em Nova York e que se
tomaram sinônimo de um tipo de canção romântica), novas
formas de dança e espetáculos (music-hall). No contexto
da I Guerra tornou-se evidente a existência de um sistema
de editoria musical centralizada (Tin Pan Alley em Nova
York e Denmark Street em Londres). Paralelamente, ocor-
re o desenvolvimento rápido das indústrias de gramofones
(Victor-EUA e Gramophone Co., UK). A estabilidade des-
te período se dá entre 1920-1940, com o predomínio da
forma canção e de gêneros dançantes já congurados como
tal (foxtrot, swing, tango).345
Embora tenha crescido também em um momento em que as
obras musicais já eram gravadas e comercializadas, satisfazendo o in-
teresse econômico dos autores intérpretes e gravadoras pela comer-
cialização de mídias físicas para a reprodução musical (LPs, CDs,
DVDs etc.), a criação das editoras se deu muito antes da difusão da
música gravada.
344 NAPOLITANO, Marcos. História & música: história cultural da música popu-
lar. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2002. p. 9.
345 Idem, ibidem.
Direitos autorais: a gestão coletiva de obras musicais
159
Arma Dennis Zasnico, explicitando especicamente sobre
as editoras musicais que foram criadas:
Numa época remota, onde a única forma de se publicar
músicas era através de partituras, uma editora musical fun-
cionava exatamente como sua equivalente literária. Aliás,
por muito tempo, a única maneira de se registrar, distribuir,
copiar, vender ou divulgar músicas era na forma impressa
e, já nesta época, as editoras musicais se especializaram em
contratar compositores e autores de letras.346
Inicialmente, as editoras musicais surgiram objetivando a im-
pressão e posterior divulgação de partituras musicais (atividade que
persiste até hoje na maioria das editoras).
Após a invenção da prensa tipográca, em 1436, por Hans
Guttenberg, aorou-se a edição literária das obras, e, conforme
aponta José Carlos Costa Netto, em 1808 surgiu a editora musical
Casa Ricordi, criada por Giovanni Ricordi, que publica seu primei-
ro catálogo de suas edições musicais com 800 partituras em 1810.
Em 1838, a editora já continha 10.000 edições próprias e, em 1840,
passou a ser representante dos direitos autorais de seus representa-
dos e cuidava de todo o material musical existente no território ita-
liano.347 A Ricordi chegou ao Brasil em 1927, e encontra-se presente
no cenário editorial até hoje.348
No Brasil, a atividade editorial musical iniciou-se em 1848
com a Editora Fillippone e Cia. Sobre essa armativa, anota Marcos
Napolitano:
346 ZASNICOFF, Dennis.“Uma Editora Musical”. Artigo publicado em:
academiadoprodutormusical.com/blog/2101-uma-editora-musical/>. Acesso em:
3 out. 2016.
347 Extraído dos slides de Jose Carlos Costa Netto, “Editora Musical”. Disponível
em:
-costa-netto>. Acesso em: 3 out. 2016.
348 Site Ricordi. “Empresa história”. Disponível em: .ricordi.com.br/
empresa_historia.asp>. Acesso em: 3 out. 2016.
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A Editora Filippone e Cia. (1848), considerada a pri-
meira editora musical do Brasil, especializou-se em árias e
transcrições de trechos de óperas italianas. Portanto, tanto
a disseminação dos gêneros musicais brasileiros quanto a
consolidação das modas musicais estrangeiras, a partir das
principais cidades brasileiras do século XIX, são insepará-
veis da história das casas de impressão e editoras musicais.
Até o nal do século, apenas quatro províncias, além do Rio
de Janeiro, possuíam casas impressoras de partituras: São
Paulo, Pernambuco, Bahia e Pará.349
No cenário nacional, as atividades editoriais musicais também
iniciaram-se com a reprodução de partituras musicais, o que em ter-
mos práticos era uma das principais formas de divulgação musical
da época, que, após compreendida pelo intérprete, poderia ser exe-
cutada publicamente e difundida de maneira exata à versão original.
Por essa breve análise histórica especicamente a respeito das
editoras musicais, é possível vislumbrar, ainda que de maneira super-
cial, a importância das editoras para a divulgação das obras musicais
desde os primórdios tempos da impressão gráca, iniciando a difusão
de obras clássicas pela impressão de partituras e evoluindo para as
demais atividades de divulgação das obras, como veremos a seguir.
Passamos, então, ao estudo da atuação desses entes, para to-
marmos contato com a importância das editoras para a difusão da
obra e sua inuência para o justo percebimento dos direitos patri-
moniais provenientes das obras a eles vinculados.
5.2 As editoras musicais
Como é cediço, além do aspecto moral do direito autoral de
obra musical, o titular de direito busca a satisfação econômica com
sua criação intelectual pelo recebimento dos proveitos patrimoniais
de sua obra.
349 NAPOLITANO, Marcos. História & música: história cultural da música popu-
lar. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2002. p. 30.
Direitos autorais: a gestão coletiva de obras musicais
161
Já vimos em armativas anteriores que, nos tempos atuais, é
complexa a percepção dos direitos patrimoniais de obras postas em
execuções públicas, tanto é que nos utilizamos de um sistema de
gestão coletiva para especializar as atividades de arrecadação e dis-
tribuição da renda.
Também nunca foi simples a divulgação das criações intelec-
tuais musicais. Por esse motivo, como armamos anteriormente, a
história nos demonstra a especialização da atividade de divulgação
da obra musical, tida inicialmente pela impressão das partituras mu-
sicais, por entes especializados denominados editoras musicais.
Antes de tratarmos da extensão de suas atividades e das fun-
ções preponderantes das editoras musicais, insta-nos deni-la, ob-
servando os fatores presentes na doutrina e na legislação autoral.
Segundo a vigente Lei de Direito Autoral, editor consiste na
“pessoa física ou jurídica à qual se atribui o direito exclusivo de re-
produção da obra e o dever de divulgá-la, nos limites previstos no
contrato de edição”350, obrigando-se ele a “reproduzir e a divulgar a
obra literária, artística ou cientíca, ca autorizado, em caráter de
exclusividade, a publicá-la e a explorá-la pelo prazo e nas condições
pactuadas com o autor”351.
A clássica doutrina francesa de Gustave Huard já nos esclarecia
o conceito exato de edição:
O contrato de edição é um contrato pelo qual o autor de
uma literatura ou de arte ou seus sucessores transferem ou
comprometem-se a transferir para outra pessoa direitos de
sua obra, ou se comprometem a assegurar-lhe o gozo,
de carga de publicação.352
350 Art.5º, inciso X, da Lei n.o9.610/98: “Editor – a pessoa física ou jurídica à qual
se atribui o direito exclusivo de reprodução da obra e o dever de divulgá-la, nos
limites previstos no contrato de edição”.
351 Art. 53 da Lei n.o9.610/98: “Mediante contrato de edição, o editor, obrigando-se
a reproduzir e a divulgar a obra literária, artística ou cientíca, ca autorizado,
em caráter de exclusividade, a publicá-la e a explorá-la pelo prazo e nas condições
pactuadas com o autor”.
352Le contrat de publication est un contrat par lequel l’auteur d’une ouvre de
littérature ou d’art u ses ayants cause transfèrent ou s’engagent à transférer à une
Rafael Clementi Cocurutto
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José de Oliveira Ascensão, analisando os dispositivos da lei
portuguesa sobre a edição, trata o contrato de edição sobre os enfo-
ques “amplo” e “restrito”:
Em sentido amplo, há edição qualquer que seja o modo de
reprodução em causa. É esta noção que está acolhida no
art. 83. Deve-se apenas esclarecer que a reprodução deve
ser mecânica. Uma reprodução manual, por exemplo, não
enseja o contrato de edição. Mas é esta a única limitação.
Fora disso, tanto há edição gráca como qualquer outra.
Em sentido restrito, só há edição respeitante a obra gráca.
É nesse sentido que a palavra é normalmente utilizada na
vida corrente.353
Embora tenha se atentado ao fato de que há a edição em sen-
tido “restrito”, sendo essas referentes às obras literárias, no direito
português, o próprio autor reconhece o sentido amplo das edições
quando tratamos de edições fotográcas:
Todavia, não deixam de se regular em especial certas uti-
lizações que se abrangeriam no conceito amplo de edição.
Assim, a edição fonográca é regulada em especial nos arts.
141 e seguintes, sob a designação de contrato de xação
fonográca e videográca. Mas a lei tem a noção do paren-
tesco das guras e faz aplicar a este último contrato, com as
necessárias adaptações, as disposições relativas ao contrato
de edição (art. 174).354
Sobre o contrato de edição, explica Carlos Alberto Bittar:
O tipo mais comum de contrato entre o autor e o empresá-
rio, na divulgação da obra, é o de edição (arts. 53 e seguin-
tes da Lei n.o 9.610/98), que alcança, além da reprodução
à une autre personne un droit réel sur cette ouvre, ou s’engagent à lui en assurer
la jouissance, à charge de publication.” in HUARD, Gustave. Traité de la propriété
intellectuelle. tomo premier. Paris: Marchal et Billards, 1903. p. 111.
353 ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito de autor e direitos conexos. Op. cit., p. 440.
354 Idem, ibidem. p.440.
Direitos autorais: a gestão coletiva de obras musicais
163
da obra por processo gráco, outros meios mecânicos, ser-
vindo mesmo para designar, por generalização, todas as
espécies de multiplicação da obra. Nesse sentido é que se
fala em edição gráca, fonográca, fotográca, rotográca,
videofonográca e outras.
Em sentido restrito, contrato de edição é aquele por via do
qual o autor entrega a obra ao editor, para que a reprodu-
za mecanicamente e a explore. O editor faz a reprodução
da obra, divulga-a e vende os exemplares convencionados,
fruindo os resultados econômicos e pagando ao autor a re-
muneração estipulada.355
Segundo Leciona Fabio Maria De Mattia, “Edição signica
‘parto’ ‘publicação’ e deriva do latim edere, que quer dizer tirar para
fora, dar à luz, publicar”.356
O mesmo autor, assim como Ascensão, reconhece que o con-
ceito de edição pode ter sentido amplo e sentido restrito:
Mas, desde logo, devemos assinalar que o conceito de edição
pode ser tomado tanto num sentido amplo como restrito.
Lembra o Prof. Antonio Chaves que, tomando como sinô-
nimo de multiplicação, inclui não apenas as obras literárias,
artísticas e cientícas, como a multiplicação das obras lite-
rárias artísticas e cientícas, como a multiplicação das obras
orais ou musicais em discos, tapes, tas etc., para nalida-
des comerciais e até mesmo a xação de lmes cinemato-
grácos em cópias múltiplas, para distribuição no mercado
nacional ou internacional.
No sentido restrito, que é o próprio, cinge-se à multiplica-
ção, pela imprensa e similares, das obras literárias, cientí-
cas e artísticas.357
Embora a lei e a doutrina destinem como incumbência das
editoras a reprodução mecânica das obras, a referência obtida para
355 BITTAR, Carlos Alberto. Op. cit., p.115.
356 DE MATTIA, Fabio Maria. O autor e o editor na obra gráca: direitos e deveres.
São Paulo: Saraiva. 1975. p. 1.
357 Idem, ibidem. apudCHAVES, Antonio. Apostilas de direito de autor, ponto 12. p. 1.
Rafael Clementi Cocurutto
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essa armação é baseada primordialmente nas obras literárias toma-
das em seu sentido “restrito”, em que é função substancial das edi-
toras de livros e periódicos a reprodução das obras literárias em im-
pressões e edições preestabelecida com o titular de direitos autorais.
No caso das editoras musicais, como já frisamos, a reprodu-
ção de partituras e letras existe, porém a primária atividade dessas
editoras diz respeito a “dar publicidade à obra”, atividade esta que o
autor não tem a condição de realizar por si só.
5.2.1 As funções e obrigações das editoras musicais
José de Oliveira Ascensão, em sua obra Direito de autor e direi-
tos conexos, analisa os contornos do disposto na lei portuguesa sobre
o contrato de edição, que também interessa às nossas doutrinas para
denir suas funções. Segundo o citado autor, por análise à legislação
portuguesa:
O contrato de edição não tem em vista unicamente a re-
produção da obra. Aquele que encomenda numa tipograa
500 cartões de visita do modelo que apresenta não cele-
bra um contrato de edição. Isto porque na edição a obra
reproduzida deve destinar-se a ser publicada. A divulgação
deve ter a forma de publicação, portanto de apresentação
de exemplares de uma obra ao público, em condições de
satisfazer as necessidades razoáveis deste.
Não basta, porém. Não há edição se quem reproduz os
exemplares os guarda para si, facultando apenas a consulta:
por exemplo, se o Estado reproduz uma obra para o acer-
vo das suas bibliotecas. Tem o art. 83. que dizer, o editor
deve pôr em circulação sua obra, como atividade comercial,
assumindo por consequência os riscos da comercialização
desta. Portanto, o editor toma sobre si o direito e o dever
de reproduzir a obra e de lançá-la em termos de empreendi-
mento comercial.358
358 ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito de autor e direitos conexos. Op. cit., p. 441.
Direitos autorais: a gestão coletiva de obras musicais
165
Por exame a esses ensinamentos de Ascensão, podemos denir
algumas funções das editoras, que, como descrito anteriormente,
não devem se limitar às atividades mecânicas como as de impres-
são ou reprodução da obra por outros meios. Deve a editora, para
cumprir com suas funções, divulgar e pôr em circulação a obra edi-
tada, arcando inclusive com os riscos por eventuais ônus que pos-
sam ocorrer em relação ao retorno econômico da obra editada. Isso
porque não podemos nos cegar para o fato de que as editoras visam
auferir lucro com as obras editadas, estando elas inseridas em uma
atividade empresarial, em que o risco da atividade deve ser assumido
por aquele que o pratica.
Fabio Maria De Mattia, embora tenha dedicado sua obra
O autor e o editor na obra gráca ao “sentido estrito” da edição359,
traz importantes contornos sobre os deveres do editor, o que tam-
bém nos interessa destacar para as editoras musicais:
A difusão da obra não é possível a não ser quando o editor
toma as providências necessárias para levar ao conhecimen-
to do público a existência da obra e incitar a sua aquisição.
A obrigação que lhe incumbe de efetuar a publicidade ne-
cessária é um dos traços mais originais do contrato de edi-
ção. É uma característica do aspecto, inteiramente moder-
no, do contrato de edição.
[…] O acordo de vontade e a extensão da obrigação de
cada uma das partes devem ser interpretados e analisados
em função do momento em que se formaram. É a razão
pela qual as obras que cuidam das obrigações do editor não
contêm, com exceção feita a alguns trabalhos recentes, se-
não indicações muito sucintas no que diz respeito a esta
obrigação especial do editor.360
Destaca Bittar que é função das editoras a “reprodução da
obra, divulgá-la e vender os exemplares convencionados, fruindo os
359 Isso é o que destaca o próprio autor no início de sua obra. DE MATTIA. Op.
cit., p. 1.
360 DE MATTIA. Op. cit., p. 222.
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resultados econômicos da exploração e pagando ao autor a remune-
ração estipulada”.361
Claramente as doutrinas se curvam a explanar com detalhes as
editoras literárias quando analisam suas funções e responsabilidades
presentes na edição.
Para não fugir nosso objetivo à análise especíca das editoras
musicais, vejamos a seguir o que as próprias editoras musicais de-
nem como função e responsabilidade quando rmam acordos com
os titulares de direitos autorais.
Descreve como atribuições das editoras a U.M. Music:
É a editora que coordena a publicação de obras discográ-
cas do artista. Em geral também é a editora que arca com os
custos da produção e distribuição.
Caso o artista não seja o autor da música, o autor edita
essa música em uma editora, e a editora é que autoriza essa
música para a comercialização das gravadoras, cobrando os
percentuais padrões de mercado.
A editora garante também o controle sobre o recolhimento
dos direitos autorais sobre a obra, o que se não for feito
com eciência gera prejuízos para o autor, daí o desconten-
tamento de muitos.362
Na descrição do sítio eletrônico da editora Top Show Music, a
empresa traz expressamente como função a gestão dos direitos auto-
rais nos “novos” mecanismos de difusão da obra, pela via eletrônica
do music streaming e distribuição digital:
A proposta da empresa é gerir os direitos autorais de seus
Autores e Intérpretes assim como sempre fez, porém através
de seus novos serviços atuar na área de Distribuição Digi-
tal, disponibilizando o conteúdo de seus clientes artistas nas
maiores plataformas de venda digital de músicas, Itunes,
361 BITTAR, Carlo Alberto. Op. cit., 115.
362 Sitio Eletrônico da U.M. Music. Disponível em:
editora.html>. Acesso em: 24 out. 2016.
Direitos autorais: a gestão coletiva de obras musicais
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GooglePlay, Amazon.com e nas maiores redes de streaming
como Deezer, Spotify e YouTube.363
Notadamente, as mesmas funções e atividades de editoras mu-
sicais brasileiras são encontradas em editoras estrangeiras. Dispõe a
Universal Music Group, umas das maiores editoras musicais atuan-
tes em diversos países:
Nós controlamos uma ampla gama de empresas envolvidas
na música, na parte da edição de música, merchandising, e
conteúdos audiovisuais em mais de 60 países.
Nós identicamos e desenvolvemos artistas e compositores,
e nós produzimos, distribuímos e promovemos a música
dos maiores artistas para encantar e entreter os fãs ao redor
do mundo.364
Desta feita, torna-se evidente que é função exclusiva das edi-
toras musicais, além da edição literária de partituras e letras (em
muitas delas), a atividade de publicidade e gestão das obras musicais
no que tange seu percebimento patrimonial.
Partindo disso, insta-nos diferenciar as guras do produtor fo-
nográco, do empresário artístico musical e das editoras musicais,
visto que todos os citados praticam a atividade de gestão.
Segundo denição da vigente lei autoral, produtor é “a pessoa
física ou jurídica que toma a iniciativa e tem a responsabilidade eco-
nômica da primeira xação do fonograma ou da obra audiovisual,
qualquer que seja a natureza do suporte utilizado”365.
Apesar da vaga denição legal, na prática, os produtores fo-
nográcos se responsabilizam por processos técnicos atuando
como técnicos de gravação, masterização e mixagem, tornando-se
363 Site da Editora Top Show Music. Disponível em: .topshowmusic.
com.br/#quemsomos>. Acesso em: 24 out. 2016.
364 Site da Universal Music Group. Disponível em:
com.br/>. Acesso em: 24 out. 2016.
365 Art. 5º, inciso XI, da Lei n.o9.610/98.
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responsáveis pela “junção” e equalização sonora – fator de extrema
importância para o produto nal da obra.366
O empresário artístico musical, por sua vez, atua de forma
signicativa na gestão da carreira do próprio artista, intermediando
o contato entre o músico e os veículos interessados no seu trabalho.
Em regra, o empresário artístico não inuencia na criação ou gestão
de uma obra individualizada, e sim na carreira do artista.
Por essa análise, percebemos que o que os difere é o objeto a
ser gerido, pois o produtor musical é participativo na construção da
obra musical, o empresário artístico é responsável pela promoção e
gestão do artista musical,restando à editora ser a responsável pela
promoção e gestão patrimonial da obra musical propriamente dita,
principalmente no que tange à arrecadação das obras postas em exe-
cuções públicas, como veremos em momento oportuno.
Não podemos nos cegar ao fato da frequente união em blocos
atuantes de uma mesma empresa que se responsabiliza muitas vezes
por diversos ramos de atividades ligadas às obras musicais (como
ocorre na Universal Music Group e na Disney Music Group), que
produz, grava e edita as obras, porém é importante dividirmos essas
atividades, pois cada conceito predispõe uma função e responsabili-
dade, mesmo estando a obra ligada ao “grupo” empresarial.
José de Oliveira Ascensão, ao tratar das obrigações dos editores
em geral, trata a exploração da obra como “simultaneamente um
direito e um dever do editor”367, visto que, ao rmar contrato com
a editora, o titular de direitos visa a publicidade de sua obra, e, para
366 Embora não seja objeto do presente estudo, é interessante frisar que alguns pro-
dutores fonográcos, muitos ligados inclusive às criações de músicas eletrônicas,
acabam por construir criações intelectuais próprias em seu atividade, o que pode os
tornar também titulares de direitos autorais. Para isso, deve-se diferenciar a ativi-
dade criativa, quando o produtor musical utiliza seus artifícios técnicos para “criar”
música e sua função como produtor fonográco de criações preexistentes. Nesse
último caso, é inegável que o produtor musical tenha “apenas” direito à percepção
da parte conexa ao direito autoral.
367 ASCENSÃO, José de Oliveira. Op. cit., p. 452.
Direitos autorais: a gestão coletiva de obras musicais
169
a própria editora perceber os valores referentes àquela determinada
criação, ela deve ser a única a publicá-la e explorá-la.
Fabio Maria de Mattia, corroborando com esse entendimento,
traça minuciosamente a publicidade e a propaganda como obriga-
ção e interesse do editor:
A publicidade e a propaganda, que eram sem importância
em outros tempos, hoje são uma das causas fundamentais do
contrato de edição. Enquanto os autores de grande reputação
apenas necessitam de uma propaganda judiciosa, em troca, os
novos e desconhecidos requerem que a difusão de suas obras
alcance os limites máximos possíveis da propaganda.
[…] O editor, para se beneciar com a obra editada, neces-
sita efetuar a publicidade indispensável.
A propaganda feita de uma obra evidencia não apenas o seu
autor, mas o conjunto de sua obra e, numa certa medida,
suas obras futuras.368
Em suma, as editoras são as responsáveis pela difusão do uso da
obra em diversos modelos de utilização, seja ela digital ou analógica,
através da concessão de composições para a gravação em mídias por
intérpretes musicais, ou a utilização de obras gravadas em sincroni-
zações audiovisuais como cinema, televisão, webséries e outros.
Por essa análise, fugimos da concepção da doutrina clássica refe-
rente aos conceitos de edição, devendo incluir no conceito de editora
(ao menos musical) as atividades de gestão e publicidade da obra.
Essa peculiaridade é muito bem destacada por José Carlos
Costa Netto, e aqui nos interessa reproduzir:
No que concerne especicamente aos negócios dessa na-
tureza, é importante destacar a peculiaridade das relações
jurídicas no terreno da obra musical, em decorrência da na-
tureza e da diversidade de sua utilização.
Habitualmente, os contratos de edição musical não contêm
apenas as relações de edição gráca (a impressão, publicação
e divulgação da partitura correspondente à obra musical
368 DE MATTIA, Fabio Maria. Op. cit., p. 226-227.
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editada). E a condição sui generis da edição musical está jus-
tamente nesse aspecto: a obrigação da edição gráca, em ge-
ral, quase dissipa em relação aos demais encargos do editor
musical no vasto e complexo campo de utilização da obra
musical (sincronização ou inclusão, reprodução fonomecâ-
nica e execução pública principalmente).
Nesse passo, o editor musical é mais mandatário ou admi-
nistrador dos direitos patrimoniais da obra do que propria-
mente um editor, se considerado o termo restritivamente.369
Esse contexto nos traz a necessidade de análise dos tipos de
contratação que são presentes entre os titulares de direitos autorais e
as editoras musicais, que por vezes exigem inclusive cessão de parce-
la dos direitos patrimoniais, fugindo à regra dos contratos de edição
presentes em obras literárias.
5.3 Os possíveis tipos de contratação rmados entre o
titular originário e a editora musical
Pela exclusiva atuação das editoras musicais no campo da pu-
blicidade da obra musical, diversicou-se também a forma de con-
tratar, pois sua concepção e atuação fogem à regra do conceito de
editora trazido pela lei autoral, que hoje mais se enquadra às edito-
ras de obras literárias, e, assim, minúcias exclusivas são presentes em
um contrato de edição.
Uma grande diferença que há nos contratos de edições mu-
sicais é a necessidade imposta pelas editoras da cessão parcial dos
direitos autorais patrimoniais da obra musical a ser “editada” tor-
nando o editor “Titular derivado dos direitos” – tópico que será
analisando de maneira especica neste trabalho.
Analisando esse aspecto, José Carlos Costa Netto faz conside-
rações importantes a respeito das partes de um contrato de edição,
a que nos insta reproduzir:
369 COSTA NETTO, José Carlos. Op. cit., p. 130-131.
Direitos autorais: a gestão coletiva de obras musicais
171
Assim, as partes contratantes normalmente constituídas nos
“contratos de edição musical” serão: Editor/Autor; Admi-
nistrador/Administrado; Mandatário/Mandante; Cessioná-
rio/Cedente.
A primeira questão que surge: como é possível o cessionário
da integralidade dos direitos patrimoniais de autor ser tam-
bém editor, administrador e mandatário? Isso porque, na
qualidade de cessionário, o “editor” se investiu sob aspecto
econômico, na titularidade derivada dos direitos de autor
em relação à utilização da obra. Quais seriam, portanto, os
direitos sujeitos à administração?370
Vale frisar, como arma o supracitado autor, que “não pode,
de forma alguma, ser presumida, na edição musical, a cessão de
direitos de autor”371. “Se não estiver adequadamente expressa, não
deve, de forma alguma ser considerada”372.
Essa armativa é embasada nos princípios da autonomia da
vontade e na liberdade contratual, trazidos de maneira técnica nos
ensinamentos de Álvaro Villaça Azevedo:
A autonomia da vontade patenteia-se, a cada instante, no
ambiente dos contratos, que nascem sob a inuência direta.
É a vontade, que, ao manifestar-se, retrata o interesse da pes-
soa física ou jurídica, no meio social, que, ao se manifestar,
retrata o interesse da pessoa física ou jurídica, no meio social.
A vontade, assim, é autonoma ao exteriorizar-se, rearmando
a liberdade do homem na prorrogação de seus interesses.373
Visto isso, de maneira prévia se faz necessário trazer alguns
conceitos e diferenciações entre as espécies de contratação presente
no cenário autoral.
370 COSTA NETTO, José Carlos. Op. cit., p. 131.
371 Idem, ibidem.
372 Idem, ibidem.
373 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral dos contratos típicos e atípicos. 3. ed. São
Paulo: Atlas. 2009. p.11-12.
Rafael Clementi Cocurutto
172
Carlos Alberto Bittar destaca o fato de haver espécies de con-
tratações “especícas de Direito de Autor”, como “a edição, a repre-
sentação e a cessão de direitos”374.
Interessa-nos aqui evidenciar os contratos de edição e de cessão
de direitos, pois, como armamos, são as modalidades contratuais
que interessam para o estudo do regime pactual rmado pelas edito-
ras musicais com os titulares de direitos autorais sobre obras musicais.
Segundo leciona José de Oliveira Ascensão, analisando na épo-
ca a legislação portuguesa:
A denição do contrato de edição consta do art. 83 e dele
imediatamente resulta a relação entre este contrato e o direi-
to de reprodução. Pois o autor tem o direito de multiplicar
o número de exemplares da sua obra, ou autorizar outrem
a fazê-lo.
Edição é um contrato pelo qual o autor autoriza outrem a
reproduzir sua obra. O contrato de edição supõe necessa-
riamente a reprodução da obra. Veremos em breve que esta
noção terá ainda de ser completada.
[…] O contrato de edição não tem em vista unicamente
a reprodução da obra. Aquele que encomenda numa tipo-
graa 500 cartões de visita do modelo que apresenta não
celebra um contrato de edição. Isto porque na edição a obra
reproduzida deve destinar-se a ser publicada. A divulgação
deve ter a forma de publicação, portanto de apresentação
de exemplares de uma obra ao público, em condições de
satisfazer as necessidades razoáveis deste.375
Citado por De Mattia por sua denição técnica, Pierre-Alain
Tâche leciona em sua obra O contrato de edição de obra literária, edi-
tada em contribuição para a revisão da legislação suíça em matéria
de edição:
O contrato de edição é aquele por meio do qual o autor de
uma obra protegida, ou o titular desse direito, se compromete
374 BITTAR, Carlos Alberto. Op. cit., p. 114.
375 ASCENSÃO, José de Oliveira. Op. cit., p. 439-441.
Direitos autorais: a gestão coletiva de obras musicais
173
a transferi-lo a um editor, que se obriga a reproduzi-la num
número determinado de exemplares e a realizar sua difusão
entre o público, por conta própria.376
Caio Mario da Silva Pereira dene o contrato de edição como
“aquele pelo qual o autor concede ao editor o direito exclusivo de, a
suas expensas, reproduzir mecanicamente e divulgar a obra cientí-
ca, literária ou artística, e explorá-la economicamente”.
Destaca Pontes de Miranda que “o que se transfere, com o
contrato de edição, não é o direito autoral de exploração, mas ele-
mento do exercício desse, pela dívida e pela obrigação que assume o
titular do direito de exploração”377.
De outro lado, na cessão de direitos autorais, há a transferência
do próprio direito, parcialmente ou na sua totalidade, tornando o
adquirente titular derivado do direito autoral.
Frisa-se, de início, que essa transferência pode ser feita pelos su-
cessores do autor, caso já tenha ocorrido a sucessão, pois a cessão de
direitos autorais versa apenas sobre o repasse dos direitos patrimo-
niais, em que, após a morte do(s) autor(es), ocorre a transferência
para seus sucessores que se tornam titulares derivados desse direito.378
Na concepção de Carlos Alberto Bittar, o “contrato de cessão
de direitos”:
É o contrato por meio do qual o autor transfere, a título
oneroso ou não, a outrem, um ou mais direitos patrimo-
niais sobre a sua criação intelectual.
376 DE MATTIA, Fabio Maria. Op. cit., p. 4, apud TÂCHE, Pierre-Alain. “Le
Contrat d’Edition de l’Oeuvre Littéraire, contribution à l’étude de la révision de la
législation suisse em matière d’édition”. Lausanne: Dupraz, 1970, p.198. Texto
traduzido do francês: “Le contrat d’édition est un contrat par lequel l’auteur d’une
oeuvre protegée ou les ayants cause s’engagent à la céder à un éditeur, quis s’oblige à la
reproduire en un nombre plus pu moins considérable d’exemplaires et à la répandre dans
le public, à son propre compte”.
377 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Tratado de direito privado:
parte especial. Rio de Janeiro: Borsoi, 1963. Tomo XLIV. p. 322.
378 Vide Cap. 2 do presente trabalho, versando especicamente sobre as limitações
dos direitos patrimoniais de autor.
Rafael Clementi Cocurutto
174
Despoja-se o autor (ou seus sucessores), por essa forma, de
um ou mais de seus direitos exclusivos, no plano patrimo-
nial (direitos de reprodução ou de representação, pelos dife-
rentes processos existentes em cada qual).
[…] Os direitos patrimoniais podem ser cedidos, total ou
parcialmente, a terceiro, a título universal ou singular, pes-
soalmente ou por meio de representante com poderes espe-
ciais (art. 49). Na transmissão total, excluem-se os direitos
morais de autor, de natureza personalíssima (como o de
introduzir modicações e outros) em face do princípio da
infalibilidade desses direitos.379
Eduardo Vieira Manso dene o contrato de cessão de direitos
autorais como um contrato típico apenas no direito autoral:
O “contrato de cessão de direitos autorais” é típico, no di-
reito brasileiro, representando, a cessão, um autônomo ne-
gócio jurídico, gerador de direitos e obrigações patrimoniais
especícos do Direito Autoral, em que se opera a substitui-
ção subjetiva do titular de tais direitos. Sabe-se que, no sis-
tema geral do Direito das Obrigações, a cessão não é, em si
mesma, um negócio jurídico. Ela apenas constitui um indi-
cador de certo modo de cumprir determinadas obrigações.
[…] Pode-se, portanto, armar que a cessão é um negócio
causal, no direito comum, de modo que, em tal regime, sem-
pre haverá de existir uma causa a priori, que está logicamente
situada antes, e que é determinante do ato de ceder.380
Os direitos morais do autor, como é sabido, permanecem in-
tactos, ou seja, não há transferência desses direitos por serem esses
inerentes à própria personalidade do autor. Conforme anota Delia
Lipszyc “o direito moral é um direito da personalidade do autor”
e, no que tange sua a “existência, circulação e a exploração de uma
obra” o direito moral não é afetado.381
379 BITTAR, Carlos Alberto. Op. cit., p. 116.
380 MANSO, Eduardo Vieira. Contratos de direito autoral. São Paulo: Editora Re-
vista dos Tribunais, 1989. 21-22.
381 VILLALBA, Carlos Alberto; LIPSZYC, Delia. El derecho de autor en la Argen-
tina. Buenos Aires: La Ley, 2001. p. 83.
Direitos autorais: a gestão coletiva de obras musicais
175
Com isso, mesmo com a eventual cessão total dos direitos au-
torais patrimoniais, não pode o titular derivado reclamar para si
os direitos morais de autor, principalmente a paternidade da obra,
que, na visão de Antonio Chaves, corresponde “ao principal direito
moral a ser resguardado”382.
Por derradeiro, sobre esse assunto, nos interessa diferenciar,
para que não se confundam os institutos da “cessão de direitos auto-
rais” e da “licença de uso dos direitos” ou concessão de direitos. Para
isso, pedimos licença para reproduzir as considerações trazidas pelo
professor Denis Borges Barbosa:
O que é cessão? Para o Direito Autoral (e o Direito em ge-
ral), é um acordo entre partes que tem como propósito a
mudança do titular dos direitos sobre a obra autoral, trans-
ferindo de uma pessoa para outra a propriedade sobre o
mesmo. A transmissão pode ser global ou parcial, conforme
compreenda ou não a totalidade dos direitos transmissíveis.
Tem-se transmissão parcial quando o negócio jurídico esta-
belece limites quanto à área geográca, quanto à extensão
ou modalidade dos direitos.
[…] Na prática comercial e na legislação em vigor, licença
e cessão são coisas diversas. Licença é a autorização conce-
dida para a exploração do direito (como no caso de locação
de bens físicos), enquanto a cessão é negócio jurídico que
afeta o direito em si (como a venda de um apartamento).
A diferença é importante, no caso do registro, porque se o
contrato é de licença não há, em princípio, obrigação legal
de registrar a obra autoral.
Outra distinção importante é a que se faz entre venda de
direitos – a cessão – e “venda” de uma cópia de obra autoral.
Ao contrário do que ocorre com um livro, caso em que cessa
o poder do autor sobre a cópia vendida (não se imagina que
Jorge Amado possa opinar sobre em que estante o leitor
guarde Jubiabá...), em cada “venda” de uma cópia da obra
autoral pode existir uma licença de uso. Não há nunca, po-
rém, cessão de direitos.383
382 CHAVES, Antonio. Proteção internacional do direito autoral de radiodifusão.
São Paulo: Max Limonad, 1952. p. 302.
383 BARBOSA, Denis Borges; BARBOSA, Denis Borges. “Direitos Autorais.
Universo Jurídico”. Juiz de Fora, ano XI, 10 de janeiro de 2007. Disponível em:
Rafael Clementi Cocurutto
176
Nesse sentido, escreve De Mattia:
Aceitamos a distinção entre cessão e concessão reservando a
primeira expressão para as eventualidades em que há trans-
ferência do direito patrimonial e a segunda para os casos em
que o autor transfere, de modo limitado ou não, o direito
de utilização econômica da obra intelectual. Nessa última
hipótese o autor transforma-se em um titular de direito pa-
trimonial limitado.
Elogiáveis neste sentido o artigo 31 da Lei de Direito Au-
toral da República Federal Alemã e o artigo 73 do Código
de Direito de Autor de Portugal que fala em “concessão de
autorização para reprodução”.384
Dessa forma, ca muito bem delimitado que, quando há apenas
o contrato de edição, estamos diante de uma concessão para o uso e
exploração da obra editada pelo prazo determinado, ao passo que,
quando essa edição acompanha uma cessão de direitos (como existe
nas editoras musicais), há a transferência do direito patrimonial de
autor, tornando o cessionário titular derivado do direito cedido.
Insta reproduzir sobre o contrato de edição e a cessão de di-
reitos autorais, em que José Carlos Costa Netto destaca importante
diferença entre essas espécies contratuais estudadas:
Essa distinção entre edição e cessão de direitos é importan-
te, também, no respeitante à obrigatoriedade de sua averba-
ção (para a validade de terceiros) à margem do registro de
obras intelectuais previsto na legislação brasileira. A regra é
que a cessão de direitos pode ser averbada, mas não há essa
previsão para o negócio da edição.385
Assim, além da garantia do direito referente à cessão da pró-
pria obra, por via da averbação do registro da própria criação, já é
presente a presunção de ciência de terceiros que a cessão já ocorreu.
. Acesso
em: 31 out. 2016.
384 DE MATTIA, Fabio Maria. Op. cit., p. 386.
385 COSTA NETTO, José Carlos. Op. cit., p. 132.
Direitos autorais: a gestão coletiva de obras musicais
177
Aliás, sobre esse fato, Denis Borges Barbosa destaca que a úni-
ca possibilidade de obrigatoriedade de registro dos direitos autorais
é justamente na hipótese da cessão de direitos autorais:
Em um caso, porém, o registro é obrigatório. Quando alguém
pretende receber em cessão obra autoral de outra pessoa, a lei
exige, para que o negócio valha em face de terceiros, que haja
sido feito o registro, acrescentando-se então uma averbação à
margem do registro. Para tais efeitos, e exclusivamente para
eles, o registro de obras intelectuais é impositivo.386
Outra espécie de acordo que pode vir a ocorrer no universo
autoral de obras musicais são os contratos de cessão de obra futura.
De fato, é comum que notáveis intérpretes, compositores e
músicos estejam vinculados a grandes grupos musicais que integram
gravadores, editoras (publishers) e produtores fonográcos, que exi-
gem desses artistas vínculo de exclusividade para ceder suas obras
futuras a eles.
Bittar explica esse conceito reproduzindo em sua obra:
Contrato de obra futura é aquele pelo qual o autor se com-
promete a ceder a um editor a sua obra futura, total ou
parcialmente, tendo nascido para alimentar repertórios, em
que as empresas procuravam obter exclusividade, em espe-
cial na área musical.387
Completa o mesmo autor, relatando que a “validade desse
contrato foi questionada principalmente pela doutrina francesa”,
pela “subordinação em que se submetia o autor ao editor a criar
obras futuras”. No entanto, “a majoritária doutrina” reconhecia a
validade desse contrato, sendo que seu descumprimento poderia se
386 BARBOSA, Denis Borges; BARBOSA, Denis Borges. “Direitos Autorais. Uni-
verso Jurídico”. Juiz de Fora, ano XI, 10 de jan. de 2007. Disponível em:
uj.novaprolink.com.br/doutrina/2853/DIREITOS_AUTORAIS>. Acesso em: 31
out. 2016.
387 BITTAR, Carlos Alberto. Op. cit., p. 117.
Rafael Clementi Cocurutto
178
“limitar a perdas e danos”, pois, no entendimento de Bittar, as cria-
ções se relacionam a interesses pessoais”388.
Quanto à constituição e denição desse tipo contratual, lecio-
na De Mattia:
O autor, com o contrato relativo à obra futura, concede um
consentimento antecipado à transmissão do direito de edi-
ção sobre a própria obra, sem que haja necessidade, quando
a obra esteja criada, de atos ulteriores.
As cousas futuras podem ser objeto de contrato, confor-
me o estatuído no art.1.348 do Código Civil italiano e no
art. 120 da Lei italiana nº 633.
O art. 1.347 do Código Civil brasileiro dispõe: “Pelo mes-
mo contrato pode o autor obrigar-se à feitura de uma obra
literária, cientíca, ou artística, em cuja publicação e divul-
gação se empenha o editor”.389
Por análise à vigente legislação autoral brasileira, sobre a cessão
de direitos em geral, a lei dispõe que essa cessão será realizada “sem-
pre por escrito”390 e que, para a cessão de direitos de obras futuras,
limitam-se estas a “período máximo de cinco anos”, e será este redu-
zido a cinco anos sempre que o contrato estiver estipulado em prazo
superior ou em prazo indeterminado391.
5.4 A cessão de direitos patrimoniais da obra musical e a
titularidade derivada dos direitos autorais
No cenário editorial musical, como já frisamos, é comum que
o contrato de edição exija que autor ceda os direitos patrimoniais de
388 Idem, ibidem.
389 DE MATTIA, Fabio Maria. Op. cit., p. 38. Obs: quando o autor se refere a
Código Civil brasileiro”, ele se refere ao revogado Código Civil de 1916.
390 Art. 50 da Lei n.o9.610/98: “A cessão total ou parcial dos direitos de autor, que
se fará sempre por escrito, presume-se onerosa”.
391 Art. 51 da Lei n.o9.610/98: “A cessão dos direitos de autor sobre obras futuras
abrangerá, no máximo, o período de cinco anos. Parágrafo único. O prazo será
reduzido a cinco anos sempre que indeterminado ou superior, diminuindo-se, na
devida proporção, o preço estipulado”.
Direitos autorais: a gestão coletiva de obras musicais
179
sua obra em favor das editoras, fazendo com que a própria editora
musical seja titular derivada dos direitos autorais cedidos.
Assim, não há um mero contrato de edição quando tratamos
do universo musical como ocorre nas obras literárias. Com a edição
musical há a cessão de direitos autorais, o que caracteriza a intersec-
ção dos conceitos referentes aos contratos de edição e de cessão de
direitos patrimoniais.
De fato, quando falamos em obras literárias, a regra é que tra-
tamos as edições conforme as previsões da lei autoral, no que tange
às suas denições e prazos. Por outro lado, nas edições musicais, a
exigência da cessão dos direitos autorais passa a ser um fator de dese-
quilíbrio dos polos envolvidos e, dependendo dos termos rmados
pelas partes, pode ocorrer grande onerosidade ao titular originário
do direito patrimonial referente àquela obra musical.
Sobre esse fator, destaca José Carlos Costa Netto:
Em grande parte das negociações nesse terreno, o editor
procura adquirir, às vezes abusivamente, sem contrapartidas
equilibradas, a condição de verdadeiro cessionário dos direi-
tos patrimoniais de autor, durante a íntegra do período legal
de proteção da obra. Pretende, assim, praticamente, substi-
tuir o autor, no que tange à exclusividade na exploração eco-
nômica da obra, isolando este da sua disposição e controle.
Daí a titularidade derivada de direitos do autor ser assumida
pelo “editor” que, como já se expôs, só pode se referir aos
direitos patrimoniais e – mesmo assim – restritivamente aos
direitos especica e expressamente constantes do contrato.392
Álvaro Villaça Azevedo justica esse fator destoante entre a força
contratual do titular originário e das editoras pela força econômica de
um dos polos contratuais. Destacamos aqui seu ensinamento:
Todos são livres para realizar física e materialmente os
contratos desde que preenchidos os requisitos de valida-
de dos atos jurídicos. Entretanto, no âmbito da liberdade
392 COSTA NETTO, José Carlos. Op. cit., p. 131.
Rafael Clementi Cocurutto
180
contratual, na discussão de cláusulas e condições contra-
tuais, há, na prática, o prevalecimento da vontade do eco-
nomicamente forte.
[…] Na liberdade contratual, os interesses humanos exis-
tem teoricamente, em pé de igualdade, pois o mais forte,
economicamente, no mais das vezes, reduz, na avença, a
área de atuação do direito do mais fraco, que ca desprote-
gido, juridicamente, no momento em que o contrato surge,
bem como nas revisões dessa contratação.
Realizado o pacto, sob pressão, a lesão ocorre, e é tão difícil
e custosa a reparação, para repor certos valores destruídos.393
A cessão de direitos autorais, por caracterizar a transferência
do próprio direito patrimonial da obra, pode causar divergências
entre os interesses do titular originário da obra e as editoras musicais
(titulares derivados), pois, muitas vezes, as relações entre as editoras,
que primordialmente têm como função a divulgação e difusão da
obra, impedem que a plenitude da vontade do artista se manifeste,
pois a “music publisher”é responsável por negociações entre as obras
editadas e veículos de difusão da obra, tendo poder decisório sobre
as negociações referentes à obra musical. Isso ocorreu, por exemplo,
com os intérpretes e compositores Zé Ramalho e Roberto Carlos,
que, insatisfeitos com a atuação de suas editoras, “autorizaram, por
conta própria, a gravadora Sony/BMG a incluir canções sob poder
da EMI Songs em novos CDs e DVDs394”.
Fator importante a ser destacado corresponde à extensão tem-
poral dos contratos de edição musical. De fato, o prazo e as con-
dições de edição podem variar de acordo com o rmado entre as
partes, todavia é comum notarmos os contratos de edição musical
com efeitos quase “permanentes” em relação à sua extensão e valida-
de da cessão dos direitos.
393 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Op. cit., p. 12.
394 Notícia “Artistas protestam contra a lei de direitos autorais” do site “O Tempo
Magazine” Disponível em: .com.br/divers%C3%A3o/ma-
gazine/artistas-protestam-contra-a-lei-de-direitos-autorais-1.294903>. Acesso em:
31 out. 2016.
Direitos autorais: a gestão coletiva de obras musicais
181
José Carlos Costa Netto, sobre a extensão da cessão patrimo-
nial, arma:
Como, normalmente, dispõe expressamente que a validade
da cessão se estenderá até a extinção do prazo de proteção
da obra, o “editor-cessionário” continua no exercício dos
direitos patrimoniais de autor mesmo após o falecimento
do autor, embora a manutenção da condição de cessionário,
durante esse longo período, pelo “editor cessionário”, de-
pende do cumprimento regular de suas obrigações contra-
tuais assumidas perante o autor-cedente (o inadimplemen-
to do contrato resultará, naturalmente, na possibilidade de
sua rescisão). Quando o autor da obra musical não tenha
cedido seus direitos patrimoniais, estes se transmitem aos
herdeiros, consoante as normas sucessórias regulares.395
Assim, é praxe que as contratações entre os titulares originá-
rios e as editoras transram até o nal do prazo legal de exploração
patrimonial da obra396 ao editor parcela dos direitos patrimoniais
autorais, caracterizando, na prática, uma perpetuidade na cessão
desses direitos.
Obviamente que a contratação de uma editora a obriga a
cumprir as obrigações rmadas, que, se descumpridas, resultam na
rescisão contratual, pois, assim como os contratos impõem a obri-
gação de cessão patrimonial da obra aos titulares originários, com
a titularidade derivada ca caracterizada a obrigação da edição da
obra musical por parte das editoras musicais. O descumprimento da
atividade de edição deve anular todos os aspectos rmados, inclusi-
ve a cessão patrimonial.
Ainda, sobre o prazo da cessão de direitos, importante destacar
que a lei autoral impõe normas de ordem pública a respeito dos
contratos de edição e cessão contratual (que, como já exposto, ca-
racteriza os contratos de edição e cessão de direitos como contratos
395 COSTA NETTO. Op. cit., p.133.
396 Vide Cap. 2.
Rafael Clementi Cocurutto
182
típicos para o direito autoral), e uma delas versa exatamente sobre a
imposição do prazo para a cessão de direitos.
Sobre isso, escreve Bittar:
As leis especiais editam normas próprias para delimitar o
alcance da cessão de direitos, tanto formais quanto subs-
tanciais. Assim, a lei brasileira manda que seja obedecida
a forma escrita, presumindo-se onerosa a cessão. Para valer
contra terceiros, deve a cessão ser averbada à margem do
registro efetuado em uma das entidades especicadas, con-
forme a natureza da obra (§ 1.o e art.19). O instrumento
deve indicar quais os direitos cedidos, mencionando ainda
a extensão, o destino, o lugar e a duração da avença (art. 50,
§ 2º), sob pena de nulidade sei que se trata de exigências
legais em norma de ordem pública.397
Dessa forma, para não caracterizar a perpetuidade da cessão
patrimonial (ao menos na teoria), a Lei de Direitos Autorais reza
em seu art. 49, inciso III, que, “na hipótese de não haver estipulação
contratual escrita, o prazo máximo será de cinco anos”398. Quanto à
eventual cessão de direitos de autor sobre obras futuras, por força do
art. 51, caput, da mesma lei, a norma mostra ser mais protetiva ao
dispor que o prazo máximo para a cessão desses direitos correspon-
derá a cinco anos, e, caso esse seja indeterminado ou superior a esse
prazo, deverá este ser reduzido diminuindo-se o valor a ser pago pela
cessão em sua devida proporção399. Caso descumprir esses fatores, o
resultado será a nulidade do contrato.
Com isso, visto as normas presentes na lei autoral e nos ter-
mos contratados, ao editor musical resta o direito de exploração da
397 BITTAR, Carlos Alberto. Op. cit., p. 116.
398 Art. 49, inciso III, da Lei n.o9.610/98: “Na hipótese de não haver estipulação
contratual escrita, o prazo máximo será de cinco anos;”.
399 Art. 51 e parágrafo único da Lei n.o9.610/98: “A cessão dos direitos de autor
sobre obras futuras abrangerá, no máximo, o período de cinco anos. Parágrafo
único. O prazo será reduzido a cinco anos sempre que indeterminado ou superior,
diminuindo-se, na devida proporção, o preço estipulado”.
Direitos autorais: a gestão coletiva de obras musicais
183
obra, que, nas palavras de José de Oliveira Ascensão, correspon-
de a um direito e um dever do editor: “A exploração da obra é si-
multaneamente um direito e um dever do editor. Também o autor
está interessado nela, qualquer que seja o sistema de remuneração
pactuado”400 .
Além disso, a própria transmissão dos direitos patrimoniais,
que transformam os editores musicais em titulares derivados, in-
centiva esses institutos a publicar, divulgar e explorar a obra, visto
que, quanto mais se recebe de arrecadação autoral, mais benefícios
econômicos são revertidos para as editoras pela percentagem dos
direitos autorais.
Com efeito, frisamos por m que pelo fato de a “cessão de di-
reitos” presente nos contratos de edição musical ser obtida por prazo
determinado, há decisões judiciais desclassicando esses contratos
para meros contratos de edição e licenciamento para exploração das
obras musicais, pelo fato de não haver a transmissão denitiva da
propriedade da obra, como no exemplo exposto a seguir:
DIREITO AUTORAL – CESSÃO DE DIREITOS –
RESCISÃO CONTRATUAL – DILACÃO PROBATÓ-
RIA – MAJORAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA
Ação ordinária de rescisão contratual e medida cautelar.
Cessão de direitos autorais. Obras literomusicais de au-
tor. Contrato que deve ser interpretado diante do que
está posto em suas diversas cláusulas. Contrato que, na
verdade, é de edição, com exploração econômica da obra
de autor. Demanda principal em que ocorreram vários inci-
dentes. Honorários advocatícios. Majoração do percentual,
para 20%, por dever-se reservar o mínimo legal (10%) para
as ações não contestadas. No caso «sub censura”, houve lar-
ga dilação probatória e um número impressionante de agra-
vos de instrumento, com grande trabalho dos prossionais.
Desprovimento do primeiro apelo e provimento parcial do
segundo. Tão somente para elevar o percentual da verba
honorária. Precedente Citado: TJRJ AI 2003.002.05562,
Rel. Des. Nilton Mondego, julgado em 27/08/2003, e AI
400 ASCENSÃO, José de Oliveira. Op. cit., p. 452.
Rafael Clementi Cocurutto
184
2001.002.00768, Rel. Des. José Motta Filho, julgado em
09/05/2001. (APELAÇÃO CIVEL 2006.001.59446 –
Reg. em // CAPITAL – DÉCIMA QUINTA CAMARA
CÍVEL – Unânime DES. SERGIO LÚCIO CRUZ – Julg:
13/02/2007). (destaque nosso).401
Assim, se considerarmos que a cessão de direitos pressupõe a
transferência denitiva da propriedade intelectual402, como na deci-
são supracitada, qualquer prazo imposto descaracterizaria a natureza
de “cessão” de direitos.
Não obstante a decisão exemplicada anteriormente do Egré-
gio Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, devemos considerar que
o termo “cessão de direitos” está mais ligado à transmissão dos di-
reitos, objeto do contrato (que não se resumem ao “uso”), do que
a perpetuidade deles, mesmo porque devemos considerar que a ex-
ploração patrimonial de qualquer obra artística tem seu prazo de-
terminado pela própria lei autoral, e, quando esgotado, a criação
intelectual cairá em domínio público.
Avançando no estudo, Eduardo Vieira Manso ressalta que o
contrato de cessão de direito podem ser tanto comutativo quanto
aleatório, sendo ele “comutativo quando a remuneração autoral for
paga a fortait, como se fosse um verdadeiro preço xo e irreajustável”,
401 Apelação Cível n.o 2006.001.59446, Des. Relator Sérgio Lúcio de Oliveira e
Cruz – 15.ª Câmara Cível – TJRJ – nesse julgado, assentou o relator: “[…] a
cláusula fala em ‘exclusividade’, o que seria totalmente desnecessário, caso tivesse
havido uma real ‘cessão’ de direitos. […] A própria alegação de que há prazo, feita
pela própria apelante, ajuda a desnaturar o contrato, pois nessa há transferência de
direitos e isso se dá de forma permanente, sem qualquer prazo. Se precisaram as
partes ajustar prazo […] é porque ela mesmo reconhece que não há um contrato
de cessão. Finalmente, a cláusula quinta xa a remuneração pela suposta cessão,
em percentuais de venda, o que descaracteriza totalmente o contrato quanto a
essa natureza jurídica. […] Ficou claro e transparente que a vontade dos segundos
recorrentes foi somente de ceder à exploração econômica os direitos patrimoniais,
e não transferir sua titularidade sobre eles”.
402 Embora trate a cessão de direitos autorais como “denitiva”, não podemos nos
cegar ao fato de que a própria lei autoral determina o prazo máximo de exploração
patrimonial das obras, como abordamos no Cap. 2.
Direitos autorais: a gestão coletiva de obras musicais
185
ou seja, ao rmar o contrato, já é pago ao autor a parcela justa rela-
tiva àquela cessão. O mesmo autor ensina que o “contrato de cessão
será aleatório quando a remuneração autoral for proporcional ao
resultado da exploração econômica da obra.403
Tendo em vista esse ensinamento, parece-nos que haverá álea
nos contratos rmados entre as editoras e os titulares de direitos,
pois é comum que se transra parcela dos direitos autorais para que
este o explore, e a retribuição econômica de ambas as partes pre-
sentes no contrato dependerá não só da qualidade da obra musical
cedida, mas também da qualidade do cumprimento das obrigações
presentes no contrato de edição, principalmente no que tange à di-
fusão da obra musical.
Assim, não obstante o fato de o artista musical ter que dispor de
parcela da percepção patrimonial referente à sua obra, por esse mes-
mo aspecto é de interesse de ambas as partes que a obra seja difundida
ao máximo possível, visto que o retorno econômico do titular origi-
nário e do titular derivado (no caso a editora musical) dependerá da
circulação e utilização da obra em diversas vias de reprodução.
Resta-nos, por derradeiro, analisar algumas características da
cessão de direitos que interessam a edição de obra musical.
Por análise legal da lei de direitos autorais, extrai-se que os
direitos autorais podem ser transferidos de forma total ou parcial, e
que a transmissão total compreende “todos os direitos de autor salvo
os de natureza moral”404.
De fato, a empresa responsável pela music publishing torna-se
titular derivada dos direitos de autor referentes à obra musical edita-
da, e, com isso, em regra titula todos os direitos patrimoniais da re-
ferida obra, pois, com a edição e cessão, o autor busca desprender-se
dos trâmites administrativos necessários para difundir sua criação.
403 MANSO, Eduardo Vieira. Contratos de direito autoral. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1989. p. 29.
404 Art. 49, inciso I, da Lei n.o9.610/98: “A transmissão total compreende todos os
direitos de autor, salvo os de natureza moral e os expressamente excluídos por lei;”.
Rafael Clementi Cocurutto
186
A lei determina que o próprio contrato delimite os direitos que
serão transmitidos405, todavia, caso ocorra a cessão parcial desses di-
reitos, a editoração da obra cará prejudicada e o objeto do contrato
mais restrito, por exemplo, se o titular de direitos autoriza a cessão
parcial de direitos para a utilização da obra para a sua reprodução
parcial ou integral; para a execução da obra; e para a sua adaptação
ou transformação, sem mencionar, no entanto, a possibilidade de
sua inclusão em produção audiovisual, a editora cará limitada em
sua atuação, sem poder divulgar a obra musical para a inserção no
mercado televisivo ou cinematográco.
Sobre essas armações, leciona Bittar:
Os direitos patrimoniais podem ser cedidos, total ou par-
cialmente, a terceiro a título universal ou singular, pessoal-
mente ou por meio de representante com poderes especiais
(art. 49). Na transmissão total excluem-se os direitos morais
de autor, de natureza personalíssima (como o de introduzir
modicações e outros) em face do princípio da inalienabi-
lidade desses direitos.
Em função do exposto, se o autor se refere, no contrato, à
cessão para a adaptação ao cinema, não pode o produtor di-
vulgá-la pela televisão; se a obra se destina à publicação em
fascículo, não pode o editor lançá-la em livro, e assim por
diante. Cada forma de utilização ou cada processo de uti-
lização deve ser mencionado por expresso no instrumento,
sendo a interpretação estrita em favor do autor pela própria
índole do Direito de Autor, como anotado.406
Assim, embora caracterize uma oneração maior ao autor pela
imposição da cessão de direitos autorais às editoras musicais, a me-
dida é utilizada pelas principais editoras musicais não só no Brasil,
mas em todo o mundo, para além de receber parcela da própria
405 Art. 49, inciso VI, da Lei n.o9.610/98: “Não havendo especicações quanto à
modalidade de utilização, o contrato será interpretado restritivamente, entenden-
do-se como limitada apenas a uma que seja aquela indispensável ao cumprimento
da nalidade do contrato”.
406 BITTAR, Carlos Alberto. Op. cit., p.116.
Direitos autorais: a gestão coletiva de obras musicais
187
arrecadação patrimonial dos direitos, ampliar as formas de utiliza-
ção do direito patrimonial e de seu poder em relação à obra, o que
facilita inclusive a própria promoção da obra musical.
Como última anotação, tomamos a cautela de frisar que, por
imposição legal, a cessão de direitos em favor da editora deve ser
confeccionada na forma escrita e presume-se onerosa, sendo que
jamais deve esta tanger os direitos morais do autor, por sua inaliena-
bilidade já explicitada407.
5.5 As editoras musicais na gestão coletiva de obras musicais
Com a condição de titular derivado e as obrigações transfe-
ridas às editoras musicais pela cessão de direitos de autor, vislum-
bramos que a contratação entre o titular originário e o cessionário
de direitos impõe permissões às editoras musicais que reetem no
sistema de gestão coletiva.
De início, notamos que, por expressa determinação legal, e por
eventual disposição contratual (dependendo dos direitos cedidos), é
autorizado por lei que a própria editora musical possa inserir a obra
em representações ou execuções públicas, por força de disposição do
art. 68 da vigente Lei de Direitos Autorais408.
De fato, a lei autoral não trata expressamente do termo “edi-
toras musicais”, porém o citado dispositivo prevê que que as obras
musicais não podem ser inseridas em representações e execuções
púbicas sem “prévia e expressa autorização do autor ou titular”409.
Essa amplitude no dispositivo, por não vedar esse direito apenas
aos “titulares originários”, autoriza que os titulares derivados –
407 Art. 50 da Lei n.o9.610/98: “A cessão total ou parcial dos direitos de autor, que
se fará sempre por escrito, presume-se onerosa”.
408 Art. 68, caput, da n.oLei 9.610/98: “Sem prévia e expressa autorização do autor
ou titular, não poderão ser utilizadas obras teatrais, composições musicais ou lite-
romusicais e fonogramas, em representações e execuções públicas”.
409 Idem, ibidem.
Rafael Clementi Cocurutto
188
sucessores410 e cessionários de direitos – também possam inserir a
obra musical no sistema de gestão coletiva para ampliar a percep-
ção da parcela patrimonial dos direitos autorais com as execuções
públicas411.
Quando estamos diante de um contrato de edição, leciona
Bittar explanando sobre os titulares derivados, que se transferem
em regra apenas os “direitos de reprodução, divulgação e comercia-
lização da obra”412, todavia, conforme já estudamos, com a cessão
de direitos acompanhando a edição musical, podem ser transferidos
alguns ou todos os direitos patrimoniais, o que pode autorizar a
própria editora a pôr em circulação e execução pública a obra musi-
cal através de mecanismos de radiodifusão; sonorização ambiental;
exibições audiovisuais; e outros processos de difusão da obra por
meio de execuções públicas.
Corroborando com isso, há disposições no próprio ECAD que
garantem o cadastro das editoras musicais junto ao órgão justamen-
te por sua atuação no sistema de gestão coletiva e por sua titulari-
dade derivada.
O escritório central trata com paridade o autor/compositor da
obra musical com as editoras musicais quando dene em seu Regu-
lamento de Distribuição os conceitos de “titular autoral” ou “titular
de direitos do autor”413, e dispõe em seu site:
410 Vide Cap.2.
411 Não obstante a essa armação, insta-nos destacar a limitação ao direito patri-
monial do autor o denominada ‘direito de inédito’, que corresponde a um direito
moral de autor, ou seja, caso o autor da propriedade intelectual tenha manifestado
expressamente a vontade de não editar e publicar a obra, esta deve ser respeitada.
Embora isso exista, quando tratamos de sucessores é de difícil comprovação da
existência do direito de inédito, visto que a defesa dos direitos morais é de respon-
sabilidade dos mesmos sucessores que eventualmente a editam.
412 BITTAR, Carlos Alberto. Op. cit., p. 56.
413 Art. 2º, § 4.o, alínea E, do Regulamento de Distribuição do ECAD: “Titu-
lar autoral (titular de direitos de autor): pessoa física, detentora dos direitos mo-
rais e/ou patrimoniais da obra musical, e pessoa jurídica, detentora de direitos
patrimoniais. Os titulares de direitos de autor estão organizados nas categorias:
e.1)Autor/compositor; e.2) Editor”. Disponível em:
Direitos autorais: a gestão coletiva de obras musicais
189
Uma vez partilhada a retribuição arrecadada entre as utiliza-
ções de natureza autoral ou conexa, a distribuição da parte
autoral levará em conta os percentuais pactuados entre os
compositores e suas respectivas editoras, caso sejam rma-
dos contratos de edição ou cessão de direitos.414
Assim, não há impedimento legal e, a depender do rmado
contratualmente a respeito da cessão de direitos autorais, pode a
editora musical autorizar que a obra seja executada publicamente e,
por isso, ser inserida no sistema de gestão coletiva para a arrecadação
dos direitos autorais pelo autor e pela editora.
Contudo, isso não é legalmente viável na hipótese da gestão
individual de direitos de obras postas em execução pública já inseri-
das no sistema de gestão coletiva de obras musicais.
Conforme já tratamos415, o Decreto n.o 8.469/2015 trouxe or-
denamentos especícos a respeito da gestão coletiva, e uma dessas
disposições prevê expressamente a hipótese de gestão individual dos
direitos autorais após prévia comunicação à associação de gestão co-
letiva em que o titular encontra-se liado416.
No caso de obras musicais que tenham a titularidade derivada
em razão de contratos de edição e de cessão de direitos autorais,
estaremos diante da hipótese da previsão do § 1.o do art. 13 do re-
ferido decreto, que dispõe que, “no caso das obras e dos fonogramas
com titularidade compartilhada, a comunicação prévia deverá ser
feita por todos os titulares às suas respectivas associações”.
pt/eu-faco-musica/Regulamento-de-Distribuicao/Documents/Regulamento%20
Distribui%C3%A7%C3%A3o_2016.pdf>. Acesso em: 7 nov. 2016.
414 Site ECAD. Disponível em:
mo-e-feita-a-distribuicao/Paginas/default.aspx>. Acesso em: 7 nov. 2016.
415 Vide Cap.3.
416 Art. 13 do Decreto n.o8.469/2015: “Os titulares de direitos de autor ou direitos
conexos poderão praticar pessoalmente os atos necessários à defesa judicial ou ex-
trajudicial de seus direitos, cobrar e estabelecer o preço pela utilização de suas obras
ou fonogramas, mediante comunicação prévia à associação de gestão coletiva a que
estiverem liados, enviada com até quarenta e oito horas de antecedência da prática
dos atos, suspendendo-se o prazo nos dias não úteis”.
Rafael Clementi Cocurutto
190
De fato, com a editora na condição de titular derivado de di-
reitos autorais temos no mínimo uma dualidade de titulação e, por
expressa previsão do decreto, para a retirada do sistema de gestão
coletiva visando a gestão individual desse direito será necessária a
autorização de ambos os titulares – originário e derivado.
Assim, para a gestão individual desse direito, nesse cenário, se
faz necessária a autorização de ambos os titulares, o que não ocorre
quando tratamos da inserção dos direitos autorais no sistema de
gestão coletiva – conforme já exposto.
Interessa a ambas as partes que a obra seja posta em execuções
públicas, pois o recebimento dos frutos da obra musical é dividido,
em regra, em percentuais para a editora musical e o titular originá-
rio, e a percepção dos valores de execuções pública é provida em
grande parte da arrecadação e distribuição pelo ECAD. O titular
originário busca, com a edição, a especialização da atividade de ad-
ministração patrimonial de sua propriedade imaterial, todavia, para
o resguardo do próprio autor ou de seus sucessores, o ordenamento
jurídico trouxe essa vedação, que garante que a gestão individual da
obra seja interesse comum de todos os titulares.

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