O arquiteto como profissional liberal: o Código Guadet (1895)

AutorJosé Roberto Fernandes Castilho
Páginas329-348
329
VII
o aRquiteto Como pRoFissionaL
LibeRaL: o Código guadet (1895)
Voilà la méthode logique: commencer l’enseignement par les ordres, cest
l’enseignement de l’image; commercer par le mur, c’est l’enseignement
de la realité.
Julien Guadet, Éléments, vol. I, p. 98
1. A importância histórica de Guadet
Numa época propriamente de constituição prossional da Arquite-
tura no Brasil, com a edição da lei instituidora do Conselho de Arquitetura e
Urbanismo – CAU/BR em 2010, a instalação e funcionamento da corpora-
ção a partir de 2011 e a aprovação do Código de Ética e Disciplina em 2013,
parece importante resgatar a origem dessa prossão liberal, sua armação
como saber especializado e autônomo em face de outros vários agentes da
edicação. O arquiteto não se confunde com nenhum outro agente, o que
é lição antiga de Julien Guadet, inuente arquiteto racionalista francês (no
sentido do termo exposto por Viollet-le-Duc), além de professor, perito,
inspetor geral de edifícios, etc., que viveu e produziu no nal do séc. XIX –
embora sua obra principal, Éléments et théorie de l´architecture, em quatro
grossos volumes, tenha sido publicada entre 1901 e 1904 e se projetado
adiante, no tempo, com sucessivas edições até a II Guerra. O Livro XIV do
último volume, com onze capítulos, intitula-se exatamente “La profession
d’architecte, iniciando pelos deveres.
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LEGISLAÇÃO PROFISSIONAL DA ARQUITETURA
Reproduz-se, em seguida, uma tentativa de tradução integral125 do
chamado Código Guadet, adotado pela Sociedade Central dos Arquitetos
Franceses no Congresso Nacional de Bordeaux, onde o documento, redigi-
do por Guadet, foi aprovado por unanimidade. “É a unanimidade perfeita”,
exclama o presidente do Congresso, o arquiteto Achille Hermant, diante da
aclamação do texto pelos presentes. O presidente da Sociedade era Charles
Garnier que, na versão do código publicada no tomo IV do livro de Guadet
acima indicado, o aprova com um expressivo “visto. Na verdade, o códi-
go foi mesmo adotado a partir do movimento liderado por Julien-Azaïs
Guadet (1843-1908), um “poderoso personagem” (Michel Ragon), chefe de
ateliê e professor de teoria na Escola Nacional Superior de Belas-Artes de
Paris, formando numerosos prossionais. Exerceu, além disso, ativamente
a prossão, colaborando com Charles Garnier, na Ópera, dentre outros tra-
balhos como a restauração do éâtre-Français, teatro estatal que é sede da
multissecular Comédie-Française (depois do incêndio em 1900), o projeto
do Hôtel des Postes (1886) – mas nenhum deles “notável” ressalta Ragon.
Reformulada por decreto datado de 1863, a escola em que leciona-
va (e que ele considerava “a mais liberal do mundo”) passou a expedir di-
plomas de arquiteto instituídos em novo decreto, de 1867, – e a prossão
começava a ganhar então novos contornos no mercado, destacando-se das
outras atividades ligadas à construção material (ou seja, afastando-se das
artes mecânicas, sobretudo a engenharia)126. Entendeu-se que os arquitetos
não poderiam ser considerados como artistas apenas: tinha-se que esclare-
cer precisamente sua função prossional como se tinha também de deter-
minar uma preparação cientíca, prévia e suciente, na academia. Mas isto,
como observa Bruno Zevi, deixou o “campo aberto para uma inevitável
comparação explícita entre a cultura acadêmica e a realidade” (História de
la arquitectura, p. 172), marcada pela industrialização: um conito pareci-
125 Há uma tradução parcial do texto na tese de Francisco Segnini, A prática prossional do
arquiteto, p. 10-11. Aquela que apresentamos segue de perto o conteúdo do livro citado de
Guadet, que foi utilizado para resolver diversas questões do texto e cujo capítulo é reprodu-
zido antes do código.
126 Escreve Benevolo: o regulamento de 1867 “conrma a orientação tradicional dos estu-
dos, mas mantém alguns ensinamentos sistemáticos pedidos pelos racionalistas e dene a
gura do arquiteto, instituindo um diploma que põe m ao período de liberdade prossio-
nal iniciado em 1793” (História da arquitetura, p. 148).

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