Aquisição e Perda da Nacionalidade
Autor | Ari Ferreira de Queiroz |
Ocupação do Autor | Doutor em Direito Constitucional |
Páginas | 399-413 |
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Costuma-se definir a nacionalidade como sendo o vínculo jurídico que une uma pessoa a um Estado, originariamente, ou por aquisição posterior por sua vontade ou por injunção legal. De quem tem este vínculo diz-se nacional de um País, condição que o separa do estrangeiro. O conceito de nacional não se confunde com outros conceitos – já vistos na teoria geral do Estado e aqui relembrados.
Não se confundem os conceitos de nacional e de cidadão, porquanto este é o titular de direito político ativo, pelo menos, e que esteja em dia com suas obrigações eleitorais. Cidadão é o eleitor em dia com as obrigações eleitorais, segundo se depreende do art. 1º, § 3º, da Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965. A relação entre nacional e cidadão é que aquele é pressuposto deste, vale dizer, não há como ser cidadão de um Estado sem ser seu nacional.
Enquanto nacional não se confunde com cidadão, este não se confunde com povo. A expressão povo tem pelo menos duas acepções: uma para designar um conjunto de pessoas em razão de uma raça, de um adjetivo que lhe seja peculiar, e nessa acepção é correto dizer “povo brasileiro que vive em Miami”, “povo alemão que vive em Santa Catarina” ou “povo japonês que vive no Paraná”. O conceito de povo se aproxima do de nação. Entretanto, a acepção que interessa ao Direito Constitucional é a que liga o povo ao cidadão, sendo povo o coletivo de cidadão, ou seja, o conjunto de pessoas em dia com suas obrigações eleitorais. A redação do art. 45 da Constituição Federal não tem boa técnica, ao dispor sobre a composição da Câmara dos Deputados, composta por representantes do povo em quantidade de deputados proporcional à população. Na verdade, os deputados são eleitos pelo povo, mas representam toda a população.
Há autores que incluem o povo entre os elementos formadores do Estado; outros preferem incluir a população, corrente que parece ser a melhor. Povo representa a parcela da população titular de título eleitoral e em dia com as obrigações eleitorais, enquanto população é o conjunto de todas os indivíduos que vivem em um território e se sujeitam ao mesmo império jurídico, assim compreendido o conjunto de leis que regem o País. Da população fazem parte todas as pessoas residentes ou domiciliadas no País, incluindo capazes e incapazes, brasileiros e estrangeiros, maiores e menores, eleitores e não eleitores. População é, por assim dizer, a soma dos habitantes do País, ou o coletivo de habitante.
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A relação entre habitante e população é objetiva. Habitante é a pessoa natural de qualquer nacionalidade, eleitor ou não, com residência no País. A soma dos habitantes representa a população; entre os habitantes há os que eleitores em dia com as obrigações eleitorais por terem votado regularmente em cada eleição, pago a multa correspondente ou se justificado convincentemente perante o juiz eleitoral. Estes são os cidadãos, a soma dos quais corresponde ao povo.
A relação entre todos os conceitos analisados e a nacionalidade leva a concluir ser esta apenas um pressuposto para aquisição da cidadania – qualidade do cidadão –, cujo conjunto totaliza o povo.
A nacionalidade é o vínculo jurídico que liga uma pessoa a um Estado, originariamente ou por aquisição posterior, por sua vontade ou por injunção legal. Pode ser originária ou primária, ou derivada ou adquirida. É originária a nacionalidade que se adquire pelo fato do nascimento; é derivada ou adquirida, também dita secundária, quando o indivíduo a adquire após o nascimento, por sua vontade e aceitação do novo Estado, ou por injunção. A nacionalidade por injunção é rara, só admitida como exceção, como ocorreu no Brasil após a proclamação da República, quando foram considerados brasileiros todos os que aqui residiam, se em seis meses não manifestassem interesse em continuar com outra nacionalidade.
As constituições de cada Estado estabelecem os critérios, ou o critério, para atribuir a alguém a condição de seu nacional, sendo certo ser a nacionalidade originária involuntária, por decorrer de fato natural – nascimento. No sistema brasileiro pode ser adquirida de dois modos, segundo dispõe o art. 12, I, da Constituição Federal: o sistema jus soli e o sistema jus sanguinis.
O sistema jus soli considera nacional de um País quem nele nascer, independente de qualquer outra condição, não se perquirindo a origem dos pais e nem o que faziam naquele território. É o chamado direito de solo, adotado preferencialmente pelos Estados com tendência imigratória, como os das Américas, em geral, em lugar do sistema jus sanguinis, preferido por países da Europa e Ásia. O sistema jus soli permite ao Estado que o adota reforçar o contingente de nacionais, independente da raça ou origem do indivíduo.
Adotando esse sistema, mas com algumas exceções ao jus sanguinis, o ordenamento nacional considera brasileiro nato quem nasce no Brasil ou, nascendo no exterior, seja filho de pai ou mãe brasileiro a serviço do governo brasileiro. Afora essa situação, para o filho de pai ou mãe brasileiro nascido no exterior ter status de brasileiro nato será necessário aguardar fixação de residência no Brasil e, após, optar a qualquer tempo pela nacionalidade brasileira. Exclui-se, por outro lado, da nacionalidade brasileira o filho de estrangeiro nascido no Brasil, cujo pai ou mãe aqui esteja a serviço do governo do seu País, como os diplomatas e militares, caso em que conservará a nacionalidade de seus ascendentes.
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O sistema jus sanguinis atribui a nacionalidade ao indivíduo em razão da nacionalidade de seus pais, independente do lugar onde ocorrer o nascimento. Filho de pais alemães, italianos, japoneses, holandeses, espanhóis ou de outro País que adote o sistema jus sanguinis conserva a nacionalidade de seus pais sem qualquer indagação sobre o lugar do nascimento. Seguindo a linha hereditária, este sistema é adotado como regra geral por Países com tendência emigratória, pois assim, mesmo perdendo a população, não perdem os seus nacionais.
O sistema jus sanguinis foi instituído primeiramente em França, em 1803, quando o art. 18 do Código Napoleônico declarou ser francês o filho de pai francês, mais como progresso que mera conotação étnica. Ao vincular a nacionalidade à origem do indivíduo, o Código Napoleônico reconheceu a existência de um direito individual, ao contrário do direito feudal predominante antes da Revolução de 1789, quando, para submeter o indivíduo ao rei, a nacionalidade decorria do lugar do nascimento666.
Utiliza-se o termo polipátrida para designar a pluralidade de nacionalidades, assim compreendida pelo menos a existência simultânea de duas; a expressão apátrida, ao contrário, designa a pessoa que não tem nenhuma nacionalidade. Ambas as situações decorrem do conflito de sistemas adotado por um País. A primeira situação é benéfica, pois permite à pessoa o exercício de direitos privativos de nacionais de dois Países simultaneamente, mas o segundo é maléfico e deve ser evitado, cabendo a cada Estado procurar meios de suprimi-lo.
Verifica-se a dupla nacionalidade – polipátrida – quando nasce filho de nacional de País que adote o sistema jus sanguinis em País que adote o sistema jus soli, o qual será ao mesmo tempo nacional deste, pelo nascimento, e daquele, por vínculo hereditário. Como exemplo, o filho de alemão nascido no Brasil será brasileiro perante a legislação brasileira, porque aqui se adota o sistema jus soli, mas perante a Alemanha será alemão, por adotar o sistema jus sanguinis. Na verdade, um País não toma conhecimento – ou não considera – o sistema do outro, considerando a nacionalidade segundo dispõe suas próprias leis.
A ausência de nacionalidade – apátrida ou heimatlos – decorre de situação inversa ao do polipátrida, quando filho de estrangeiro nasce em País que adote o sistema jus sanguinis, pois não será considerado nacional do local do nascimento, nem do País de seus pais, por
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ter nascido em outro território. Por exemplo, o filho de brasileiro nascido na Alemanha não será brasileiro por não ter nascido no Brasil, tampouco alemão, por não ser descendente de alemão, vez que esse País adota o sistema jus sanguinis e o Brasil, o jus soli. Será, então, apátrida ou heimatlos, expressões sinônimas.
A Constituição Federal brasileira de 1988 adota como regra geral o sistema jus soli para...
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