Aportes sobre o controle da validade da produção normativa sob a perspectiva do construtivismo lógico-semântico

AutorGabriel Ivo
Páginas371-421
361
APORTES SOBRE O CONTROLE DA VALIDADE DA
PRODUÇÃO NORMATIVA SOB A PERSPECTIVA DO
CONSTRUTIVISMO LÓGICO-SEMÂNTICO
Gabriel Ivo1
“Parece que não vês que as palavras são rótulos que se pegam às
cousas, não são as cousas, nunca saberás como são as cousas, nem
sequer que nomes são na realidade os seus, porque os nomes que
lhes deste não são mais do que isso, os nomes que lhes deste.”
Jose Saramago, As intermitências da morte.
Sumário: 1. Questões gerais. 2. Normas de produção normativa e validade. 3.
Infringência das normas de produção normativa. 4. Objeto do controle da va-
lidade. 5. A enunciação enunciada e o enunciado enunciado como índices de
controle. 5.1. Indicial pela via da enunciação enunciada. 5.2. Indicial pela via
do enunciado enunciado. 5.3. Indicial pelo cotejo de normas. 6. Perda da valida-
de por meio da inconstitucionalidade e da revogação. 7. Síntese das categorias
apresentadas e palavras finais. Referências.
1. Questões Gerais
Escrevemos sobre o Direito e a sua linguagem,2 pilar
do Construtivismo Lógico-Semântico,3 para tentar entender
1.
Mestre e Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Profes-
sor Associado da Universidade Federal de Alagoas. Procurador de Estado de Alagoas.
2. IVO, Gabriel. O Direito e a inevitabilidade do cerco da linguagem. In: CARVA-
LHO, Paulo de Barros (coord.); CARVALHO, Aurora Tomazini de (org.). Construti-
vismo lógico-semântico. São Paulo: Editora Noeses, 2014. v. 1, p. 65-92.
3. Para o estudo do tema, ver CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de teoria
362
CONSTRUCTIVISMO LÓGICO-SEMÂNTICO
VOLUME III
como o Direito se estrutura a fim de cumprir a sua função
precípua, que é a regulação da conduta humana,4 inclusive a
conduta contida nos procedimentos de produção normativa.5
Desse modo, a escrita de um artigo visa suprir nossa inexorá-
vel necessidade de aprender. Escrevemos, o que não significa
a reprodução do objeto,6 para entender o complexo processo
de regulação das condutas, em busca de um resultado valioso
historicamente, assim como o seu controle. A produção jurí-
dica pressupõe controle, porquanto sem possibilidade de con-
trole não há Direito. É por isso que o critério de identificação
possibilita a noção de validade; ele comporta tanto as normas
de admissão ao sistema quanto às de eliminação.7
O presente trabalho aborda o controle da validade do
processo legislativo e do seu produto, ou seja, da produção
normativa. O processo legislativo, melhor dizendo, consiste
geral do direito – o construtivismo lógico-semântico. 5. ed. São Paulo: Editora Noe-
ses, 2016. Segundo PAULO DE BARROS CARVALHO, “o Constructivismo lógico-
-semântico é, antes de tudo, um instrumento de trabalho, modelo para ajustar a
precisão da forma à pureza e à nitidez do pensamento; meio e processo para a cons-
trução rigorosa do discurso, no que atende, em certa medida, a um dos requisitos
do saber científico tradicional”. Constructivismo lógico-semântico. CARVALHO,
Paulo de Barros. Constructivismo lógico-semântico. In: CARVALHO, Paulo de Bar-
ros (coord.); CARVALHO, Aurora Tomazini de (org.). Construtivismo lógico-semân-
tico. São Paulo: Editora Noeses, 2018. v. 2, p. 6-7.
4. “El derecho es una técnica de regulación de la conducta humana. Existen otras
técnicas que proceden a dicha regulación, como por ejemplo, la religión y la moral”.
GÓMEZ, Astrid; BRUERA, Olga María. Analisis del Lenguaje Juridico. Buenos Ai-
res: Editorial Belgrano, 1998. p. 79.
5.
“In ogni ordinamento, accanto alle norme di condotta, vi è un altro tipo di norme, che
si sogliono chiamare norme di struttura o di competenza. Sono quelle norme le quali
non prescrivono la condotta che si deve tenere o non tenere, ma prescrivono le condizio-
ni e i procedimenti attraverso i quali vengono emanate di condotta valide”. BOBBIO,
Norberto. Teoria Generale del Diritto. Torino: G. Giappichelli Editore, 1993. p. 171.
6. “A investigação científica incide e não coincide com a realidade. Nenhuma teoria
reproduz inteiramente a realidade que descreve. Consequentemente, toda investi-
gação científica, sob esse aspecto, tem como característica decisiva o construir, ela
própria, o seu objeto”. BORGES, José Souto Maior. Ciência feliz – sobre o mundo
jurídico e outros mundos. Recife: Fundação Cultura Cidade do Recife, 1994. p. 105.
7. “Las reglas de admisión y las de rechazo definen, conjuntamente, la noción de
enunciado válido”. ALCHOURRON, Carlos E.; BULYGIN, Eugenio. Introducción a
la Metodologia de las Ciencias Jurídicas y Sociales. 2. reimp. Buenos Aires: Editorial
Astrea, 1993. p. 119.
363
CONSTRUCTIVISMO LÓGICO-SEMÂNTICO
VOLUME III
numa produção de textos,8 de enunciados prescritivos, pois
a produção normativa, de normas em sentido estrito, ocorre
em momento posterior. É por isso que, embora com ele não
se confunda, as normas dependem dos textos, dos enuncia-
dos prescritivos. A ausência de textos impede a construção
de normas, sejam elas constitucionais, legais ou quaisquer
outras. Textos esses positivados democraticamente, com res-
peito às regras postas antecipadamente. Conforme lição de
NORBERTO BOBBIO,
[...] quando se fala de democracia, entendida como contraposta
a todas as formas de governo autocrático, é o de considerá-la ca-
racterizada por um conjunto de regras (primárias ou fundamen-
tais) que estabelecem quem está autorizado a tomar as decisões
coletivas e com quais procedimentos.
9
Para enfrentar o tema proposto, é importante destacar
que a lição de PAULO DE BARROS CARVALHO10 nos mos-
tra que o Direito se organiza por meio de quatro planos de
linguagem, que não podem ser apreendidos mediante uma vi-
são literal dos textos. A própria formulação dos quatro planos,
já possibilita o controle. Para o autor, os quatro planos são:
a) o sistema da literalidade dos textos – plano da expressão
(S1); b) o conjunto dos conteúdos de significação dos enuncia-
dos prescritivos – plano das significações (S2); c) o conjunto
articulado das significações normativas – plano das normas
jurídicas (S3); e d) a organização das normas construídas no
terceiro nível, ou seja, os vínculos de coordenação e de subor-
dinação que se estabelecem entre as regras jurídicas (S4). A
8.
“Quando o Poder Constituinte promulga a Constituição Federal, produz um texto,
quando o legislador edita uma Lei produz texto [...]”. CARVALHO, Aurora Tomazini
de. O constructivismo lógico-semântico como método de trabalho na elaboração jurí-
dica. In: CARVALHO, Paulo de Barros (coord.); CARVALHO, Aurora Tomazini de
(org.). Construtivismo lógico-semântico. São Paulo: Editora Noeses, 2018. v. 2, p. 24-25.
9. BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia – uma defesa das regras do jogo. 5.
ed. Tradução Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1992. p. 18.
10. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário – fundamentos jurídicos da in-
cidência. 4. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2006. p. 61 e ss.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT