A aplicação dos direitos fundamentais nos casos de seqüestro internacional de menores

AutorFernanda Toninello
CargoBacharel em Direito - Advogada.
1. Introdução

O presente artigo tem o objetivo de demonstrar questões relacionadas aos direitos e as obrigações que envolvem os casos de seqüestros internacionais de menores. Quando ocorre a retirada ilícita de um menor de seu país de residência habitual, esse fato acaba envolvendo o bem estar do menor, os pais e os Estados.

A problemática do seqüestro vem aumentando a todo o momento devido aos conflitos familiares. A internacionalização das relações familiares é o principal motivo que leva um pai ou uma mãe a deslocar seu filho para outro país. Para resolver tais conflitos tornase fundamental a cooperação entre os Estados para que nenhum direito daqueles que estão envolvidos seja violado. A proteção a esses direitos dependerá das normas de direitos internos e do direito internacional privado.

Vários são os aspectos importantes a serem analisados ao abordar o tema em questão, mas deve ser analisado, em especial, aqueles referentes aos direitos do menor e conseqüentemente, no que acarreta a violação de seus direitos perante o seu convívio familiar. Paralelamente, serão abordados os esforços da Organização das Nações Unidas – ONU, no sentido de buscar meios para que os Estados possam assegurar a proteção e os direitos fundamentais dos menores.

É no direito internacional privado, através da cooperação entre os Estados, que se encontra atualmente, a solução de conflitos decorrentes do seqüestro internacional de menores. As principais referências na busca de soluções para as questões do deslocamento ilícito de menores estão na Convenção de Haia sobre o seqüestro internacional de menores de 1980 e na Convenção Interamericana sobre restituição internacional de menores de 1989.

A Convenção de Haia foi pioneira quando elaborou normas de cooperação internacional visando proteger o menor e resguardar seus direitos diante de seu deslocamento internacional compulsório. Da mesma forma possui, a Convenção Interamericana sobre a restituição internacional de menores, o objetivo de abordar o tema e relacionar os direitos do menor com a questão do seu deslocamento ilícito e de seus efeitos.

Dessa forma, pretende-se demonstrar no presente artigo a existência de um regime internacional jurídico que visa proteger os direitos do menor, a aplicação das Convenções que tratam sobre o tema buscando impedir a violação dos direitos fundamentais do menor e, o surgimento de conflitos internacionais de grande dimensão, constituindo-se, desta forma, numa proposta de solução internacional para se solucionar os conflitos.

O presente artigo analisará, ainda, a questão referente ao compromisso que os Estados assumem em relação ao tratado que aderiram e a obrigação com a qual se comprometeram cumprir. Por se fundamental compreender as obrigações que os Estados têm em relação ao seu compromisso abordaremos o seu papel, os seus deveres, suas limitações e as medidas adotadas para se resolver o impasse.

Assim, o artigo visa analisar as Convenções referentes ao seqüestro internacional de menores destacando os direitos fundamentais do menor e dos seus pais, bem como, a aplicação das Convenções referentes ao seqüestro de menores.

2. Da proteção aos direitos do menor
2.1. Princípio do melhor interesse da criança

Segundo o entendimento do constitucionalista Luis Roberto BARROSO, o princípio do melhor interesse da criança teve sua origem na Declaração Universal dos Direitos da Criança, adotada pela Organização das Nações Unidas – ONU no ano de 1959.2 O best interest of the child ou princípio do melhor interesse da criança, deve ser regularizado nas verdadeiras necessidades da criança envolvida. O bem-estar da criança deverá ser garantido, deixando qualquer interesse relativo aos pais para o segundo plano. Ou seja, o interesse da criança deverá se sobrepor ao de seus pais.

Stella M. BIOCCA3 conceitua o melhor interesse da criança como um conjunto de bens necessários ao desenvolvimento integral e a proteção da criança em um determinado momento, em certa circunstância, considerado seu caso particular. Com relação à importância do princípio, Margareth H. BENNET 4 afirma ainda que é a consciência de que o ‘melhor interesse da criança’ é o overwelming paramount principle na criação de convenções relacionadas a crianças e o princípio fundamental com o qual todos os países concordam.

A Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU definiu o referido princípio como aquele que necessita ser priorizado sempre que ocorrerem controvérsia em relação ao interesse da criança. Antes mesmo que a ONU, as Convenções de Haia já enunciavam o princípio de melhor interesse da criança. Em 1980, no preâmbulo da Convenção sobre os Efeitos Civis do Seqüestro de Crianças, já estava assegurado, que os Estados participantes da Convenção eram convictos de que os interesses da criança eram de fundamental importância nas questões que ali eram estabelecidas. 5

Com todos esses ensinamentos, percebe-se que é muito difícil conceituar de uma única forma o princípio do melhor interresse da criança, pelo fato de estar sujeito ao arbítrio de cada juiz, que procura interpretar e julgar o processo com a máxima singularidade, analisando todos os dados e fatos relacionados ao caso. 6 Ou seja, o referido princípio não pode ser considerado como um fim em si, mas como um instrumento operacional, cuja utilização é conferida ao juiz. 7 Para que se possa entender o princípio e a sua aplicação, o juiz deverá considerar uma série de fatores que serão apresentados conforme o entendimento de Luiz Edson FACHIN:

O amor e os laços afetivos entre o pai e a criança; a habitualidade do pai de dar à criança amor e orientação; o lar da criança, a escola, a comunidade e os laços religiosos; a habilidade do guardião de encorajar contato e comunicação saudável entre a criança e o outro pai. Tais considerações, essencialmente subjetivas, são indicadores que conduzem o juiz à descoberta do que lhe parece ser o melhor interesse do menor em cada caso concreto.8

O principio do melhor interesse da criança é reconhecido pela Convenção Internacional de Haia de 1993, que trata da proteção dos interesses das crianças.9 Esse princípio é também considerado um fundamento para o pedido de restituição do menor nos casos de seu deslocamento ou de sua retenção indevida.

Os direitos da criança estão presentes em várias legislações, como na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 227, caput e também, no art. 3º. do Estatuto da Criança e do Adolescente esse, prevê os direitos fundamentais da criança. Deste modo, é adequado, portanto, antes de abordar o tema do trabalho, discorrer sobre alguns aspectos referentes à proteção da criança.

2.2. ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

O Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA10 possui 267 artigos que garantem direitos e deveres de cidadania para crianças e adolescentes, determinando ainda a responsabilidade daqueles que compõem a sociedade como a família, o Estado e a sociedade. O Brasil foi o primeiro País que adequou sua legislação interna aos princípios aplicados pela Convenção das Nações Unidas, com o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Antes da Convenção dos Direitos da Criança o mundo não considerava as crianças como sujeitas de direito. Isto é, não era assumido formalmente que as necessidades básicas dessa população deveriam ser asseguradas pelos Estados. Foi um marco histórico pelos direitos da infância. A Convenção hoje norteia inúmeras legislações e políticas públicas voltadas à área. No Brasil, a criação do ECA, que regula a Convenção no País, é um bom exemplo de resultado. Além disso o tratado têm um valor político e social em nível mundial. Porque a ONU e as ONGs passaram, desde então, a acompanhar publicamente o cumprimento pelos países que a ratificaram. 11

O ECA foi criado em 1990, instituído como Lei Federal de nº. 8069/90. Seu objetivo básico é estipular os direitos e as responsabilidades das crianças. Sua função é mostrar que as crianças são sujeitos de direito, com direitos pessoais e sociais garantidos por Lei e, que devem ser vistas pelos Estados e pelos seus cidadãos como pessoas que necessitam de proteção para que possam crescer e se desenvolver. O Estatuto ainda estabelece que à sociedade e o Estado tem o dever de garantir às crianças proteção aos seus direitos fundamentais como a sua integridade física e moral, o seu acesso à educação, a sua proteção contra a exploração econômica e principalmente, que a família a mantenha em um adequado convívio familiar. Com isso, a proteção deixa de ser uma obrigação exclusiva da família, e a sociedade e o Estado passam a ser responsáveis pelos direitos da criança.

O princípio da proteção integral encontra-se presente em documentos internacionais e em tratados. O ECA regulamentou a proteção integral da criança como base configuradora de um novo conjunto de princípios e normas jurídicas voltadas à efetivação dos direitos fundamentais da criança, que traz em sua essência a proteção e a garantia do pleno desenvolvimento humano reconhecendo a condição peculiar de pessoas em desenvolvimento e a articulação das responsabilidades entre a família, a sociedade e o Estado.12 O Brasil adotou o princípio ao inseri-lo no artigo 227, da...

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