Anteprojeto do CPC: Pontos que o Distanciam e que o Aproximam do Processo do Trabalho

AutorJosé Antonio Pancotti
CargoDesembargador aposentado do TRT da 15ª Região, Mestre em Direito Constitucional, professor de Processo do Trabalho da Unitoledo de Araçatuba e Presidente Prudente
Páginas13-38

Page 13

Não se pode aguardar solução milagrosa para as inúmeras questões processuais que nos preocupam há muito tempo. Milagres são operados por serem humanos, não pela lei.

Tereza Arruda Alvim Wambier

Page 15

Introdução

Desde que se optou, no Brasil, por codificar a normatização do processo judicial, o Código de Processo Civil teve a função de ser a fonte subsidiária dos processos administrativo, eleitoral, penal e trabalhista. O Código tem, por isso, o caráter de um instrumento base e científico que fornece estrutura, conceitos e princípios para a construção consistente e orientadora de Teoria Geral do Processo, de sorte que todas as vezes que se apresenta proposta de inovação do Código de Processo Civil desperta interesse geral e particularmente por todos quantos atuam ou militam na Justiça do Trabalho. É com esta preocupação que nos propomos a examinar alguns aspectos das repercussões do anteprojeto do Código de Processo Civil que tramita no Congresso Nacional.

“Ab initio” louve-se a incorporação, no anteprojeto, do Livro I, Título I, Capitulo I, “Dos Princípios e das Garantias Fundamentais do Processo Civil”. Perfilhando a linha inaugurada pela Constituição Federal de 1988, o novo Código contempla a visão do movimento pós-positivista que norteou o último quartel do Século XX e esse início do Século XXI. Neste sentido, é o enunciado do art. 1º: O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e princípios fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código, além de preconizar que o juiz, no julgamento da lide, deve aplicar os princípios constitucionais e as normas legais, não as havendo, supletivamente recorrer à analogia, aos costumes e princípios gerais de direito (arts. 6º e 108). A ordem enunciada indica a precedência dos princípios constitucionais de que se deve socorrer o magistrado para a construção do raciocínio jurídico, no ato de decidir.

A nova postura é consentânea com os ideais que norteiam a hermenêutica e a aplicação do direito material e processual, porque não se pode mais considerar a norma sem sua referência aos comportamentos reais da sociedade, quer sob o enfoque dos valores e ideais de justiça, quer por dever reconhecer o direito como busca de ordem jurídica justa. Esse movimento pós-positivista introduz, ainda, novo olhar e pensar o processo, com a normatização dos princípios, na dimensão axiológica dos direitos fundamentais, conquista histórica e intangível das sociedades pós-modernas.

A característica do pós-positivismo é fundamentalmente um conjunto de ideias que ultrapassam os limites do legalismo estrito do positivismo-normativismo de Hans Kelsen, não despreza a forte ascensão dos valores e reconhece a normatização dos princípios, a essencialidade dos direitos fundamentais e o retorno do debate ético nas questões jurídicas1.

Page 16

I O anteprojeto e processo do trabalho — Harmonização ou polêmica?

Não há dúvida em se afirmar de que as disposições dos arts. , e do anteprojeto se harmonizam com o que dispõe o art. 8º da CLT: “As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.”

Além disso, está em perfeita consonância com o art. 769: “Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título”, quando no art. 14, o anteprojeto expressamente preconiza que: “Na ausência de normas que regulem os processos penais, eleitorais, administrativos ou trabalhistas, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletivamente.

Neste ponto, ouso discordar do ilustre e respeitado professor Manoel Antonio Teixeira Filho2, quando sustenta que não há harmonia, mas polêmica, entre o art. 14 do anteprojeto e o art. 769 da CLT, afirmando que “a aplicação é subsidiária por omissão axiológica, ontológica ou normativa”. Os requisitos para se admitir a subsidiariedade do Código de Processo Civil ao processo do trabalho são simultâneos: omissão e compatibilidade com a normatização da Consolidação das Leis do Trabalho. Destes parâmetros, não se não podem prescindir para a aplicação supletiva do Código. No discorrer deste trabalho, será ressaltado que a marca de celeridade do processo do trabalho pode perder terreno, em alguns aspectos, com os avanços das sucessivas minirreformas do atual Código de Processo Civil, especialmente na fase de liquidação e cumprimento da sentença, se se comparar o procedimento da liquidação por simples cálculo, a teor do art. 475-A e seguintes e com o que estabelece art. 879 da CLT. Estas inovações do Código de Processo Civil albergadas no anteprojeto imprimem maior celeridade, ainda, na medida em que elimina a necessidade de citação do devedor, mediante simples intimação, enquanto a CLT conserva a determinação de citação (art. 880), inclusive para a execução de acordos inadimplidos, mesmo celebrados em audiência com a presença das partes.

Sustenta-se, portanto, que a Consolidação das Leis do Trabalho, mesmo nos pontos em que for omissa, não veda ao juiz do trabalho lançar mão de preceito do Código de Processo Civil que melhor atenda à celeridade e à efetividade do processo do trabalho, porque se estará procurando dar cumprimento ao preceito de direito fundamental da razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, consoante o inciso LXXVII da CF/88, agora reproduzido no art. 4º ao dispor que: “As partes têm direito de obter em prazo razoável a solução integral da lide, incluída a atividade satisfativa.”

Page 17

Não se pode, porém, criar um ambiente de crise ou de afronta; ao contrário, deve-se priorizar o princípio da segurança jurídica, por uma hermenêutica conforme a Constituição, afastando a aplicação tumultuária dos avanços do Código de Processo Civil a pretexto de subsidiariedade ou, como queira, em caráter supletivo. O anteprojeto do novo Código de Processo Civil é enfático em estabelecer regras no caminhar do procedimento, a fim de que os litigantes tenham à sua disposição normas claras, precisas, objetivas e concisas. Obriga o magistrado a tomar atitudes antes impensadas. Assim, a ausência de pressupostos processuais deve ser noticiada à parte para que, se possível, a corrija (art. 350) ou se os atos e procedimentos revelarem-se inadequados às peculiaridades da causa, deverá o juiz, ouvidas as partes e observados o contraditório e a ampla defesa, promover o necessário ajuste (§ 1º do art. 151), ou como se verá logo abaixo, introduz a estabilização da demanda, consoante art. 314.

É visível no anteprojeto a prioridade da ausência de surpresas para os litigantes, a flexibilidade formal dos atos e procedimentos e a exigência da mais completa fundamentação dos despachos e das decisões, com absoluta atenção e à relevância dos princípios constitucionais que informam o direito processual: o contraditório, a ampla defesa, do devido processo legal, iniciando expressamente por preconizar que: Ao aplicar a lei, o juiz atenderá aos princípios, aos fins sociais a que se dirige e às exigências do bem comum, observando os princípios da dignidade humana, da razoabilidade, da impessoalidade da decisão, da moralidade, da publicidade e da eficiência. (CPC, art. 6º)

Destarte, vislumbra-se a possibilidade de reconhecer ao juiz do trabalho, uma vez convertido o anteprojeto em lei, a legitimidade para aplicar os avanços que o novo Código de Processo Civil venha introduzir no ordenamento processual civil, sem desconsiderar, por serem óbvias as peculiaridades e os aspectos absolutamente incompatíveis com o processo trabalhista. O que se constata, porém, é que há progressos que não podem ser desprezados, do que decorre um vasto caminho a percorrer e um fecundo terreno para uma construção jurisprudencial que incorpore estes avanços para a segurança jurídica dos litigantes trabalhistas.

II A estabilização do pedido e da causa de pedir

Nos arts. 264 e 2943 do Código em vigor, uma vez ofertada a contestação estabilizam-se o pedido e a causa de pedir que não podem mais sofrer modificações.

Sendo característica essencial para o processo do trabalho a necessidade da audiência, por priorizar conciliação, é a oportunidade em que o juiz tem contato direto

Page 18

com as partes e testemunhas. Neste mister, o juiz acaba por colher maiores informações, conhecer mais elementos e circunstâncias que podem aperfeiçoar e delinear com mais precisão os contornos do litígio que sequer constam da litiscontestatio.

O anteprojeto propõe que, antes de proferida a sentença, a parte possa aditar ou alterar o pedido e a causa de pedir, desde que o faça de boa-fé e que não importe em prejuízo ao réu, assegurada a sua impugnação ou manifestação, facultando-lhe a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT