O anteprojeto de constituição farroupilha

AutorAugusto Tanger Jardim
CargoDiretor da Faculdade de Direito do Centro Universitário Ritter dos Reis. Mestre em Direito
Páginas33-48
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Revista da Faculdade de Direito da FMP – nº 10, 2015, p. 33-48
O ANTEPROJETO DE CONSTITUIÇÃO FARROUPILHA:
aspectos histórico-culturais e comparativos com
a Constituição imperial brasileira
The draft of farroupilha Constitution: historical, cultural and comparative aspects with the imperial
Brazilian Constitution
Augusto Tanger Jardim*1
Resumo: O presente artigo trata dos elementos políticos e culturais que permearam a elaboração
de documento jurídico pouco conhecido na historiograa nacional: o anteprojeto da Constituição
farroupilha. A importância do tema reside na possibilidade de identicar, a partir de busca de fatos
históricos em fontes primárias (jornais e documentos legislativos), os principais pontos de ruptura
entre a Constituição imperial brasileira (vigente à época) e o projeto de novo país esboçado a partir
de uma perspectiva republicana. O anteprojeto representa, portanto, um importante vislumbre de
um ideal republicano que somente veio a se consolidar no Brasil quase 50 anos depois.
Palavras-Chave: História do direito. Anteprojeto de Constituição farroupilha. Constituição do Impé-
rio do Brasil.
Abstract: This article deals with the political and cultural elements that permeated the development
of little-known legal document in the national historiography: the draft of the farroupilha constitution.
The importance of the issue lies in the possibility to identify, from search of historical facts from
primary sources (newspapers and legislative documents), the main points of rupture between the
Brazilian imperial constitution (in force at the time) and the new drafted national project to from a
Republican perspective. The bill therefore represents an important glimpse of a Republican ideal that
only came to be consolidated in Brazil nearly 50 years later.
Keywords: History of law. Draft of farroupilha Constitution. Empire of brazil’s Constitution.
Sumário: 1. Introdução. 2. Aspectos histórico-culturais do período em análise. 3. Exame compa-
rativo da Constituição imperial brasileira (1824) e do anteprojeto de Constituição da República Rio-
Grandense. 4. Conclusões.
1. Introdução
O presente artigo pretende investigar o esforço farroupilha na construção
de uma Constituição que representasse os ideais revolucionários, animados
pelo espírito republicano que surgia no período.
A importância do tema se revela por se tratar de um marco histórico no
*1Diretor da Faculdade de Direito do Centro Universitário Ritter dos Reis. Mestre em Direito. E-mail:
augusto_jardim@yahoo.com.br
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Revista da Faculdade de Direito da FMP – nº 10, 2015, p. 33-48
que diz respeito à transição de um governo imperial para um governo republica-
no, bem como lançar luz sobre aspectos históricos de um ponto de vista jurídico
sobre um movimento revolucionário que, normalmente, é investigado do ponto
de vista dos seus agentes, e não dos seus efeitos.
Para tanto, pretende-se apontar os aspectos culturais que inuenciaram,
naquele momento histórico, os eventos desencadeadores da revolução e espe-
cialmente da tentativa de elaboração de Constituição, e identicar os principais
elementos modicados no anteprojeto de Constituição que caracterizariam a
ruptura do modo de governar do Império.
2. Aspectos histórico-culturais do período em análise
A Revolução Francesa de 1789 foi o epicentro de disseminação de uma
losoa liberal que veio a inuenciar diretamente a cultura ocidental do sécu-
lo que se seguiu, reverberando até hoje seus ideais. As circunstâncias políti-
cas da França, nos anos que se seguiram à Revolução, levaram a família real
portuguesa a abandonar a terra natal (em 27/11/1807), transferindo a sede do
Império ao Brasil. Durante esse período, a corte portuguesa desenvolveu subs-
tancialmente a nova capital do reino: o Rio de Janeiro. A partir de então, o Rio de
Janeiro passou a ser ponto indiscutível e, praticamente, isolado de emanação
do poder político. Acalmados os ânimos na Europa, a corte portuguesa retornou
à Península Ibérica (em 1820), deixando o governo do Brasil aos cuidados de
Dom Pedro I, na condição de príncipe regente.
As inuências liberais da Revolução Francesa já haviam atravessado o
Oceano Atlântico e encontraram eco no momento histórico vivenciado no Brasil.
Isso porque, depois de a aristocracia brasileira ter passado pela experiência de
centro do poder, era difícil aceitar o retrocesso à condição de mera colônia, sem
independência política. Somada a essa ampla perspectiva da sociedade, havia
interesses pessoais de algumas guras que possuíam importância signicativa.
O Brasil tornou-se independente de sua metrópole a partir da tomada de deci-
são por Dom Pedro pelo “co”.1 Sem batalha ou derramamento de sangue, a in-
dependência foi proclamada, alguns meses após, em 07 de setembro de 1822.
A autonomia política trouxe consigo a expectativa de que os interesses
1 Dom Pedro I havia cado no Brasil, enquanto o restante da família real portuguesa retornou à
Europa por exigência dos liberais portugueses na Revolução do Porto (1820). Ocorre que, depois
do regresso da família real, o Partido Liberal português exigiu o retorno, também, de Dom Pedro
I a Portugal. Questionado (em 09/01/1822) se permaneceria no Brasil ou voltaria a Portugal, teria
respondido, contrariando as ordens de Portugal: – Se é para o bem de todos e felicidade geral da
Nação, estou pronto! Digam ao povo que co.
Augusto Tanger Jardim

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