Para Anita

AutorAnita Zippin
CargoAdvogada
Páginas247-248
ALÉM DO DIREITO
247
REVISTA BONIJURIS I ANO 32 I EDIÇÃO 662 I FEV/MAR 2020
O papa Francisco é mesmo
um seguidor do Messias. Não é
de causar espanto que ele seja
aplaudido não apenas pelos
católicos, mas também pelos
evangélicos, pelos espíritas e
até pelos ateus, ou suposta-
mente ateus.
Marielle Franco teve criação
católica. Nasceu no Complexo
da Maré, na cidade do Rio de
Janeiro. Ela se def‌inia como
“cria da Maré”.
Em 1990, aos onze anos de
idade, começou a trabalhar,
usando o salário para ajudar a
pagar os seus estudos. Poste-
riormente, exerceu a função de
educadora infantil em uma cre-
che. Ainda na juventude, parti-
cipou de movimentos sociais.
Em 1998, Marielle deu à luz
sua primeira e única f‌ilha,
Luyara.
Naquele mesmo ano, matri-
culou-se na primeira turma de
pré-vestibular comunitário ofe-
recido no Complexo da Maré.
Em 2000, começou a militar
pelos direitos humanos, depois
que uma de suas amigas foi
atingida fatalmente por uma
troca de tiros entre policiais e
traf‌icantes na Maré.
Em 2002, ingressou na Uni-
versidade Católica do Rio de
Janeiro estudando ciências
sociais com uma bolsa integral
obtida através do programa
Universidade para Todos.
Após graduar-se em ciên-
cias sociais, concluiu o mestra-
do em administração pública
pela Universidade Federal Flu-
minense.
Os santos não são apenas
aqueles dos altares.
A santidade está em toda
parte. A santidade está no
Complexo da Maré. n
Anita ZippinADVOGADA
“PARA ANITA
FOI NUM FINAL de tarde,
quando o sol estava se despe-
dindo para voltar fortalecido
no dia seguinte, que desci as
enormes escadarias do Palácio
da Justiça.
Passei pela grande balan-
ça dourada que está à porta
da presidência daquela casa e
ousei pensar em como é dicil
julgar. Chegou à minha mente
um número expressivo de ex-
-presidentes, desembargado-
res e juízes que muito f‌izeram
pelo engrandecimento do Po-
der Judiciário, lembrando com
carinho deles e de suas pecu-
liaridades.
Fui até a capela, onde algum
dia me despedi f‌isicamente de
meu Dálio Pai, ousando fazer
um pedido para que o mundo
fosse melhor. Ao pai que ad-
vogou por cinco décadas, que
acreditava tanto na outra vida.
Tentei imaginar que estava
sendo ouvida e que ele, como
sempre o fez na terra, pudesse
interceder pelos menos favore-
cidos, dirimindo a dor de tanta
gente.
Dei um passo e estava no
saguão do Tribunal de Justi-
ça, onde os três princípios de
direito lá escritos me f‌izeram
lembrar de 25 anos atrás, quan-
do os conheci pela primeira
vez na Faculdade de Direito
da Universidade Federal, todos
em latim, podendo aqui repeti-
-los, em português. Ei-los: “Vi-
ver honestamente. Não lesar
outrem... Dar a cada um aquilo
que lhe é devido”. Notei que os
preceitos embora antigos, são
atuais e, cada vez mais, desres-
peitados.
Ousando apreciar o belo, vi
uma quantidade de peças an-
tigas e modernas que estavam
sendo expostas para a venda.
Lembrei que meu dia não es-
tava encerrado. Que alguém
especial me esperava para con-
versar no Palácio Iguaçu, local
que já acendia as luzes e reco-
lhia as bandeiras.
Pedi uma bonbonnière para
dar para a pessoa colocar na
mesa com balas, oferecendo a
todos aqueles que o visitassem.
E a vendedora me mostrou di-
versas peças em porcelana, al-
gumas novas, outras antigas.
Imaginei a senhora da limpeza
destruindo a homenagem em
segundos, se não usasse com
cuidado o pano para tirar o pó.
Pedi algo diferente!
Disse que tinha em mente
uma caixa quadrada em prata,
forrada com veludo vermelho,
embora achasse impossível en-
Rev-Bonijuris_662.indb 247 15/01/2020 15:13:49

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