A Anatel como ferramenta republicana na internalização de normas internacionais

AutorArtur Coimbra de Oliveira
CargoBacharel e Mestre em Direito pela Universidade de Brasília. Procurador Federal. Diretor do Departamento de Banda Larga do Ministério das Comunicações do Brasil. Contato: coimbradeoliveira@yahoo.com.br.
Páginas83-136
A Anatel como ferramenta republicana na internalizao de normas... (p. 83-136) 83
Revista de Direito, Estado e Telecomunicaes, v. 4, n. 1, p. 83-136 (2012)
DOI: https://doi.org/10.26512/lstr.v4i1.21576
A Anatel como ferramenta republicana na
internalização de normas internacionais
The Anatel as a Republican Tool for the Internalization of International
Rules
Submetid o(
submitted
): 2 de no vembro de 20 11
Artur Coimbra de Oliveira*
Parecer(
revised
): 23 de no vembro de 201 1
Aceito(
accepted
): 8 de dez embro de 201 1
Resumo
O surgimento da s agências re guladoras no Brasil e a atividade regu latória
desempenhada por elas colaborou com um movimento hist órico de deslocamento
do centr o de legitima ção das polít icas públicas set oriais do Pod er Legislativo pa ra o
Poder Executivo. Isso foi acompan hado p or um a mai or abe rtura democrática das
agências em seu pr ocesso de produção normativa . Entretanto, após o mo vimento de
reforma do Estado d os anos 1990, uma parte das políticas pa rece ainda não ter
encontrado n o Poder Executivo meio suficient e de legit imação: as normas e
pseudonormas setoriais produzidas no âmbito internacional. Afirma-se is so com base
na filosof ia republicana, que se afere estar na base das institui ções do Estado
moderno, e mediante a análise da regulação dos serviços de telecomunica ções, a
forma com o esse setor regul amenta o seu rela cionamento normativ o com o ambiente
internacional e como ele, de fato, ingere e deglute as normas adminis trativas
internacionais. Como resultado, o bserva-se q ue o setor de telecomunicações dispõe
de instituiçõ es republicanas de participação social e m seus processos n ormativos que
se aplic am, de mane ira geral, à transposição de normas i nternacionais para o di reito
interno. No enta nto, pode ser v erificado que, em certos caso s, a abordagem dessas
normas pelo setor ainda retém incoerências, além d e carecer de etapa s que alinhem o
processo de inte rnalização à i deia neorrepublican a de democra cia contestatória,
deliberativa ou participativa.
Palavras-chave: republicanismo; regulação; telecomunicações; direito internacional; Brasil.
Abstract
The design and the actual implementation of regulator y a uthorities in Brazil pla yed
an important role in the his torical tendency of displa cing the legitimation center of
public policies from the legisl ative to the executive bra nch, as the reg ulatory
*
Bacharel e Mestre em Dire ito pela Universid ade de Brasília. Procurador Federal .
Diretor do D epartamento de Banda L arga do Ministério das Comunicações do Brasil .
Contato: coimbradeoliveira@yahoo.com.br.
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authorities’ law- making process beca me wa y more transp arent and par ticipative.
Nevertheless, after the st ate r eform movement tha t took place in Bra zil during the
1990s, certain policies have not found their way t o sufficient legitimation through
the executive bra nch: inter national rules and soft la w. This sta tement is supported by
republic an philosop hy, which under lies moder n state’s institutions, and by the
concrete analysis of reg ulations in telecommunica tions services, as well a s by
observing the way the regulat or deals with pertinent intern ational administr ative
rules. This article concludes that this regula ted a rea holds republica n ins titutions
that ensur e universa l politica l par ticipation in the decision -making pr ocess,
including the penetr ation of in ternationa l law in the nat ional envir onment.
Nonetheless, in many ca ses these inter national stand ards and rule s pres ent
themselves with an incoherent sta tus a nd their inter nalizing processes often lack
necessar y steps in order to be in t ouch with a neo- republican conc eption of
democra cy.
Keywords: Republicanism; r egulation; telecommunications; internationa l law; Brazil.
1. Introdução: as bases republicanas do Estado Moderno
As instituiçõ es brasileiras não são exclusivamente fruto da criatividade
do Poder Constituinte originário ou do legislador nacional. Em verdade, elas
têm como referência uma história cujo início é difícil precisar. Ele pode ser
apontado na Proclamação da República, na Independência do Brasil, no
ambiente revolucionário americano e francês do século XVIII, na
commonweatlh inglesa do século XVII, na Florença do século XV, na Roma
antiga, enfim, q ualquer ponto de partida é arbitrário. O fato é que todos
esses eventos têm e m comum uma base filosófica ou ideológica: o
republicanismo.
Republicanismo pode ser definido co mo um par adigma de ideias e
concepções sobre o homem, a política, o Estado e a coisa pública, em
sentido próximo ao tido por John Gre ville Agard Pocock. Trata-se, portanto,
de um conjunto ideológico que se mantém mais ou menos coerente e perene
ao longo dos séculos, tendo aportado em diversas áreas do conhecimento,
sobretudo na política e no direito. No linguajar kuhniano, seria algo como
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um paradigma científico; em uma visão braudeliana, uma estrutura de longa
duração.1
A ideia de liberdade republicana, que permeia as instituições do Estado
moderno, atribui importância à participação política. Liberdade, para o
republicanismo, pode ser definida como ausência de dominação. Existe
dominação quando existe interferê ncia arbitrária. Portanto, a liberdade
republicana consiste na ausência de interferência arb itrária. Para preservá-la,
faz-se fu ndamental a participação política nos negócios públicos. Somente
dessa forma se pode garantir, em concreto, a inexistência de interferência
arbitrária na vida dos cidadãos. Quanto maior e mais legítima a participação,
maior é a liberdade.
Democracia participativa é a roupagem filosófico-institucional
contemporânea do s ideais republicanos.2 O republicanismo contemporâneo
(ou neorrepublicanismo) admite a impossibilidade da democracia direta
recepciona, portanto, a ideia de democracia representativa , porém tenta
resgatar a participaç ão direta dos cidadãos que sempre caracterizou os
governos republicanos. O contexto, todavia, é diferente. Por um lado, o
Estado moderno conta com uma burocracia profissionalizada que, em si,
naturalmente afasta o cidadão comum do governo. O burocrata profissional,
por outro lado, não pode exercer o poder da mesma forma como se esperava
que isso fosse feito nas repúblicas pré-modernas de constituição mista.
Nelas, cada classe institucionalmente rep resentada defendia os seus
interesses em procedimentos coletivos de composição d e interesses. O
burocrata moderno age em nome de toda a sociedade, sem poder privilegiar
indevidamente uma classe, um estrato ou um grupo social em detrimento de
outro.
1
Uma estrutura de longa dur ação é, para Fernand Bra udel, no contexto
historiográfico da Escola do s Annales, tudo, na história, que não pode ser observado
pela pessoa comum, a ponto de se r quase imóvel no temp o. Para um detalhament o da
linguagem dos Annales, vide: BURKE (2003) .
2
A relação en tre republicanismo e democracia modifi cou-se ao longo dos séculos. Os
autores clássicos sempre demo nstraram desconfia nça na cap acidade de o p ovo
exercer o autogoverno por si mesmo e, por conseguinte, repú blicas aristocráticas
tiveram u m espaço sign ificativo na tra dição intelectual republic ana. Maquiavel ,
Montesquieu e, sobretudo, os federalistas fo ram marcos d e evolução e de
convergência e ntre a ideia de república e de democracia.

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