Análise da competência da justiça eleitoral para julgar ações que objetivam a perda de mandato político

AutorDaniel Castro Gomes da Costa - Tarcisio Vieira de Carvalho Neto
Páginas33-50

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1. A Justiça Eleitoral

No Brasil há previsão especializada para julgamento de questões eleitorais; trata-se da Justiça Eleitoral, órgão de caráter permanente, mas que em razão da periodicidade dos sufrágios possui funcionamento potencializado apenas de tempos em tempos.

Esta característica, entretanto, não desconstitui o caráter permanente do órgão jurisdicional, sendo integrante do Poder Judiciário e composta pelo Tribunal Superior Eleitoral, pelos Tribunais Regionais Eleitorais, juízes eleitorais de primeiro grau e juntas eleitorais.

Assim, conceitua a doutrina que a Justiça Eleitoral é "o conjunto de órgãos do Poder Judiciário competente para administrar as eleições e conhecer, processar e julgar todos os conflitos ocorridos durante o processo eleitoral, assegurando o livre exercício da escolha dos representantes para os cargos do poder político do Estado".

2. Competência da Justiça Eleitoral

A Justiça Eleitoral não possui apenas competência para julgamento, mas também para normatização das eleições e ainda expedição de diplomas aos eleitos. Tais atribuições tornam a aferição de sua competência extremamente complexa, mormente quando se lembra que não há uma legislação específica ou código único a tratar da questão.

Assim sendo, para fins didáticos, é possível classificar a competência da Justiça Eleitoral da seguinte forma:

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2.1. Competência Funcional

A Justiça Eleitoral possui a função normativa consistente na expedição de instruções e resoluções necessárias à execução do Código Eleitoral e da Lei das Eleições. A função normativa não decorre diretamente da Constituição Federal, mas de lei complementar que autoriza o exercício pleno desta função que equivale a legislar em matéria que se encontre no âmbito do Código Eleitoral e da Lei das Eleições.

Assim, esclarece a doutrina:

"A cada eleição são editadas doze instruções, que tratam desde o calendário eleitoral até a diplomação dos eleitos, e possuem força de lei, podendo ser utilizadas para regulamentar, revogar dispositivos de outras instruções, merecendo inclusive o desafio de recurso especial quando violadas.

Para Vitor Nunes Leal, nesse poder normativo, que nada mais é do que uma função ínsita ao Judiciário Eleitoral, há apenas um pressuposto de validade e eficácia: manter obediência às normas ordinária e complementar, assim como à Constituição, haja vista ser hierarquicamente inferior e, portanto, não poder confrontá-las".1Tal competência é corriqueiramente percebida no cenário nacional, quando se observa que - a cada pleito eleitoral - há um alvoroço entre candidatos, partidos políticos e coligações aguardando posicionamento do Tribunal Superior Eleitoral acerca dos mais diversos temas, como financiamento de campanha e propaganda eleitoral.

2.2. Competência Genérica

A Justiça Eleitoral possui ainda o poder-dever de conferir unidade de inter-pretação às normas, corrigindo a interpretação jurisprudencial. Esse poder-dever é também conhecido como política judiciária e pretende evitar incoerências entre os tribunais quanto à aplicação do direito eleitoral.

Assim como o Supremo Tribunal Federal tem o poder-dever de unifor-mizar o entendimento acerca da norma constitucional, bem como o Superior Tribunal de Justiça em relação à norma infraconstitucional, o Tribunal Superior Eleitoral deve buscar a aplicação da legislação eleitoral de maneira uniforme em todo território nacional.

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A missão é bastante árdua, tendo em consideração as limitações impostas pelas cláusulas pétreas da Constituição Federal e, principalmente, o caráter transitório de grande parte da legislação eleitoral.

Nesse sentido, ERICK WILSON PEREIRA leciona:

"A tentativa de uniformização se estabelece através de alguns limites demarcados no texto constitucional, que são de ordem material, cujo objetivo é garantir a intangibilidade de certos princípios constitucionais, como explicou Jorge Miranda.

Os limites estabelecidos esbarram na referência tempo. Pode-se até conseguir chegar à uniformização, porém, sempre momentaneamente, porque novos valores incidirão para permitir que, a partir do mesmo ponto base da interpretação anterior, o exegeta utilize várias outras opções de princípios para avançar na aplicação ao caso concreto".2

2.3. Competência Específica

Compete privativamente à União legislar sobre matéria eleitoral, conforme disposto no art. 22, I, da Constituição Federal, enquanto compete ao Congresso Nacional, com sanção do Presidente da República, tratar de todas as matérias de competência da União (art. 48, da Constituição Federal). Assim, não pode a Justiça Eleitoral formular regra que o Poder Legislativo, observando sua competência constitucional, ainda não tenha feito.

Não obstante, o Tribunal Superior Eleitoral possui competência para expedir instruções, mediante resolução, para o cumprimento das normas relativas ao processo eleitoral, independentemente de responder às consultas. Trata-se da denominada competência ou poder regulamentar.3A competência regulamentar limita-se a regular aquilo que já foi previsto em lei, não sendo permitido inserir modificação legislativa. Portanto, o poder regulamentar submete-se à Constituição e às leis.

Assim, o exercício do poder regulamentar limita-se em normatizar aquilo que já foi deliberado pelo Poder Legislativo.

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2.4. Competência Jurisdicional e a Reserva Legal

Como não poderia deixar de ser uma das atribuições da Justiça Eleitoral é a jurisdicional, entretanto por se tratar de competência especializada possui rol taxativo de atuação, que vem previsto no Código Eleitoral (arts. 22, 23, 29, 30 e 35) e nas Leis Complementares nºs 64/90 e 86/96.

A competência da Justiça Eleitoral pode ser dividida em a) jurisdicional contenciosa e voluntária, e b) administrativa.

A competência jurisdicional:

"se desenvolve através das facilidades do aparelhamento judiciário e das garantias processuais oferecidas pela legislação eleitoral, visando criar mecanismos que garantam a liberdade do voto, evitando-se, assim, o desvirtuamento da vontade popular exercida no momento da votação e, ao mesmo tempo, incutir nos cidadãos a importância dos mandatos eletivos, através do surgimento de lideranças políticas autênticas escolhidas pela livre opção popular.

A ausência dessa competência fragilizaria a democracia representativa já que não garantiria a honestidade, a moralidade e a lisura dos pleitos, por isso é que a jurisdição constitucional eleitoral passou a constituir direito fundamental, sem o qual as disfunções jurídicas e as políticas seriam fecundadas e os ditames principiológicos e preceituais do sistema normativo-jurídico poderiam incorrer no vazio dos mandamentos sem vigor".4Os conflitos de interesses eleitorais são resolvidos perante a Justiça especializada, é o denominado contencioso eleitoral, o qual visa assegurar a eficácia das normas e garantias eleitorais.

A competência jurisdicional pode ser cível ou criminal. Na esfera criminal depende de ação penal pública, tendo como titular o Ministério Público Eleitoral e, em caso de inércia deste, admite-se a ação penal privada subsidiária, conforme o art. 5º, LIX, da Constituição Federal.

O Código Eleitoral elenca o rol de crimes eleitorais (arts. 289 ao 354) com tipos penais para submissão de eleitores, candidatos, serventuários da justiça, magistrados e todo e qualquer pessoa necessária ao desenvolvimento das eleições.

No âmbito cível, a Justiça Eleitoral tem atribuição de solucionar lides que não possuem natureza criminal. Não há como se estabelecer um rol taxativo de

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competência, todavia "o rol de ações mais utilizadas no Direito Eleitoral é: (a) impugnação de registro de candidatura (LC nº 64/90, art. 3º); (b) impugnação de mandato eletivo (art. 14, § 10, da CF); (c) investigação judicial eleitoral (LC n. 64/90, art. 19); (d) recurso contra a expedição de diplomação (art. 262, I a IV, do CE); (e) mandado de segurança (arts. 22, I, e, 29, I, e, e 35, III, do CE); (f) representação pelo desrespeito às normas da Lei n. 9.504/97 (art. 45, § 2º, da Lei nº 9.096/95); (g) direito de resposta, a partir da escolha de candidatos em convenção (art. 58 da Lei nº 9.504/97); (h) ação rescisória nos casos de inelegibilidade (art. 22, I, j, do CE); (i) medida cautelar, admitida pela jurisprudência para dar efeito suspensivo a recurso; e (j) reclamação para preservar a competência dos tribunais eleitorais ou garantir a autoridade de suas decisões".5A competência administrativa, todavia, é atribuição fundamental da Justiça Eleitoral, a partir da depuração do cadastro eleitoral, abrangendo desde os atos preparatórios das eleições até a diplomação dos eleitos. Ou seja, desde a preparação, a votação, a apuração e até a diplomação, a atuação administrativa da Justiça Eleitoral é essencial ao bom desenvolvimento do pleito, sendo incidentalmente jurisdicional em caso de conflito em qualquer das fases do processo eleitoral.

Assim, a diversificação funcional das atividades da Justiça Eleitoral envolve, além da jurisdicional, as atividades administrativas. Essa heterogeneidade de competências é o diferencial da Justiça Eleitoral em relação às outras.

Tem-se como competência exclusivamente administrativa: a) competência privativa para o processo das eleições federais, estaduais e municipais; b) divisão eleitoral do país; c) alistamento eleitoral; d) fixação de data das eleições, quando não determinada por disposição constitucional ou legal; e) adoção ou tomada de providências para que as eleições se realizem no tempo e forma determinados em lei; f) processamento e apuração das eleições e a expedição de diploma aos eleitos;...

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