Análise crítica ao funcionalismo sistêmico-radical e ao direito penal do inimigo

AutorRafael José Nadim de Lazari - Ricardo Bispo Razaboni Junior
CargoPós-doutorando em Democracia e Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Portugal. Doutor em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica, de São Paulo/SP - Advogado. Graduado em Direito pela Fundação Educacional do Município de Assis - FEMA
Páginas63-82

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Considerações iniciais

O Funcionalismo Sistêmico-Radical e o Direito Penal do Inimigo, concebidas por Günther Jakobs, são teorias que ganham a cada dia mais relevância no cenário mundial, devido ao fato de serem propostas e estudadas por grandes doutrinadores nacionais e estrangeiros, tanto em seu sendo crítico, quanto como proposta para solução da criminalidade e do terrorismo.

O objetivo deste trabalho é analisar a dogmática dessas teorias, fazendo a reconstrução histórica dos fundamentos que levaram à criação delas, apresentandoas posteriormente para, ao final, responder a questão sobre a aplicabilidade e legitimidade da teoria funcionalista sistêmico-radical e do Direito penal do inimigo. Para isso, o método empregado é o dedutivo. Utilizam-se pesquisas bibliográficas como principal fonte de observação histórica e teórica.

Desse modo, em síntese, a pesquisa trata, inicialmente, do começo das escolas penais, fazendo referência ao surgimento da Escola Clássica e a Escola Positivista. Justifica-se o estudo das escolas clássicas acima aludidas, dada sua importância para os três sistemas a seguir.

No capítulo seguinte, abordar-se-ão os sistemas cognominados Causalismo, Neokantismo e Finalista, os quais se mostrarão essenciais para o entendimento dos sistemas funcionalistas.

No terceiro capítulo, estudar-se-á o Funcionalismo Penal Teleológico-Racional, criado pelo alemão Claus Roxin em meados de 1980. Com base no pensamento de Roxin, adentrando ao apogeu do presente trabalho, analisar-se-á o Funcionalismo Sistêmico-Radical, originado pelo também jurista alemão Günther Jakobs, o qual apresentou contraponto à ideia de Roxin e que ensejou o Direito Penal do Inimigo.

Por fim, serão analisadas as velocidades do direito penal, criadas pelo doutrinador espanhol Silva Sanchez, com foco, em especial, na terceira velocidade do direito penal, o chamado Direito Penal do Inimigo, criado também por Jakobs, o qual se mostra como uma teoria fundada no funcionalista sistêmico-radical e na racionalidade comunicativa.

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Justifica-se que o presente estudo não tem como intuito esgotar o tema, mas sim trazer informações que instiguem o debate, a fim de colaborar para futuras pesquisas dedutivas e hipotético-dedutivas acerca da temática.

1 O início das escolas penais

Primeiramente, analisar-se-á a origem das escolas penais, cognominação presenteada por Flávio Augusto Monteiro de Barros para as escolas provindas do pensamento jurídico-filosófico acerca da etiologia do delito e dos fundamentos e objetivos do sistema penal (MORAES, 2011, p. 109).

Num contexto histórico penal, percebe-se que as escolas penais marcaram os períodos humanitários (“o homem deve conhecer a Justiça”) e científico (“o Direito deve conhecer o homem”), no que se refere à matéria criminal. Tais ideologias transformaram e influenciaram a evolução da dogmática penal, tanto na perspectiva da teoria do delito, quanto nas concepções acerca das finalidades das penas (MORAES, 2011, p. 110).

Nesse sentido, em meados do século XVIII, Cesare Beccaria, baseado nos princípios do contrato social do direito natural e do utilitarismo, trazidos por Montesquieu, Hume e Rousseau, se mostrou como um ícone da personificação do movimento humanitário, o qual lutou contra penas cruéis, torturas, dentre outras incoerentes incriminações e desigualdades que eram determinadas de acordo com a classe social do malfeitor (MORAES, 2011, p. 110).

Surge, desde então, a Escola Jurídica Italiana, denominada posteriormente por Enrico Ferri de Escola Clássica Criminal. Tal movimento originou outros percussores, como Carrara, Romagnosi (Genesi Del Diritto Penale) e Rossi (Tratatto di Diritto Penale). A fim de compreender a definição de escola clássica, tem-se que é útil analisar a delineação do delito que Carrara apresentou e que centraliza os “postulados capitais” dessa escola.

Luis Jiménes de Asúa (apud MORAES, 2011, p. 111) apresenta o rol de postulados de maior significado, sendo eles: a) método especulativo na sua essência;
b) imputabilidade com base na culpabilidade moral e no livre-arbítrio; c) delito como objeto jurídico (Carraca); d) pena como malefício e como meio de tutela jurídica (caráter retributivo); e) princípio da legalidade dos delitos e das penas; f) definição precisa por meio de rol taxativo das circunstâncias modificativas do crime (agravantes); g) atenção maior ao crime e não ao delinquente (“o juiz, conhecendo a maldade do fato, não pode considerar a maldade do homem”). (BENTO DE FARIA, 1961, p. 41).

Nesse plano, ensina-se que delito é a infração da lei estatal proclamada para escudar a segurança social, resultante de um ato externo do homem, sendo este positivo ou negativo, moralmente imputável e politicamente danoso. (GARCIA, 1976, p. 86).

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Passando à análise do período científico, esse que se pauta na necessidade de o Direito conhecer o homem, deu-se lugar à ideia de Lombroso, Garofalo e Ferri, a qual fora chamada de Escola Positiva. No âmbito político-social, a Escola Positiva afirmou a necessidade de se restabelecer o equilíbrio entre os direitos dos indivíduos e os do Estado. (MORAES, 2011, p. 112).

[...] se a Idade Média tinha visto somente o delinqüente e a Escola Clássica tão somente o homem, a realidade impunha ter em conta o homem delinqüente, não desconhecendo no delinqüente os direitos insuprimíveis do homem, mas não esquecendo nunca a insuprimível necessidade da defesa social contra o delinqüente (FERRI, 1999, p. 64-65).

Conforme pautado por Ferri, a dessemelhança da Escola Clássica e da Positiva está pautada no método hipotético-dedutivo e na lógica abstrata, já que a primeira tem como objeto o crime, como entidade jurídica, e esta tem como objeto o delinquente como pessoa, revelando-se mais ou menos socialmente perigoso pelo delito praticado (FERRI, 1999, p. 64).

Vistos os fundamentos das principais escolas penais primárias, analisar-seão, a seguir, os movimentos causalistas, neokantistas e finalistas, considerados como teorias do delito. Justificam-se as presentes análises por serem ideais para compreensão do pensamento de Jakobs na formulação do funcionalismo sistêmico-radical e da teoria do inimigo.

2 Causalismo, neokantismo e finalismo

Neste tópico abordar-se-ão as principais teorias do delito. Primeiramente, analisar-se-á a teoria causal da ação, ou causal-naturalista, a qual fora desenvolvida por Franz Von Liszt e Ernst Von Beling. A teoria pressupõe que ação é a transfiguração do mundo externo causado pelo líbito humano, isto é, causação cuja resultância se deu por um ato de vontade, compreendido como gesto corpóreo voluntário, com “tensão (contradição) dos músculos”, determinada, não por imposição, mas por convicções ou representações e executadas pela intervenção dos nervos. (MORAES, 2011, p. 119).

A influência do positivismo penal sobre a teoria causal foi responsável por uma concepção de ciência que somente poderia ser apreendida através dos sentidos, sobre aquilo que seria mensurável (FONSECA, 2009, p. 159). O sistema compreende de modo diverso a afirmação de que o tipo penal abrange os elementos objetivos e descritivos; a antijuricidade, o que houver de objetivo e normativo; e a culpabilidade, o subjetivo e descritivo (MORAES, 2011, p. 119). Nasce assim a definição de que o tipo compreende uma descrição objetiva de uma modificação do mundo exterior. A antijuricidade se define formalmente, como oposição à ação típica de uma norma do direito, a qual se fundamenta na ausência de causas de justificação. A culpabilidade, por sua vez, é psicologisticamente conceituada como a conexão psíquica entre o agente e o fato (GRECO, 2000, p. 2).

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Condensa ainda Claus Roxin que o sistema ‘clássico’ do delito de Von Liszt e Beling, o qual foi predominante no início do século e que na atualidade permanece bastante influente, cujas categorias perduram na atual dogmática alemã, principiava da conjectura de que injusto e culpabilidade se conectavam um ao outro como o lado externo e interno do delito. (ROXIN, 2002, p. 198-199). Entretanto, apesar de ser considerado como um grande avanço para o direito penal pretérito, o Causalismo naturalista não sanou alguns pontos, como a impossibilidade de explicar crimes omissivos, culposos e tentados.

No que se refere ao Neokantismo, tem-se que ele nasceu da superação do paradigma positivista-naturalista, o qual adotou dois entendimentos essenciais. O primeiro se fez por meio da Escola de Marburgo, por seu principal representante Stammler, o qual se mostrava de limitada reflexão nas Ciências Penais. Em segundo plano, tem-se a Escola Sul-Ocidental, formada por Lask, Radruch e Sauer.

Diferenciando-as, observa-se que a Escola de Marburgo, por meio de ensinamentos de Stammler, expôs o alicerce formal da ciência jurídica, enquanto a Escola Sul-Ocidental, por meio de seus pensadores, procurava conceder conteúdo valorativo às estruturas formais. (MIR PUIG, 1976, p. 232 e ss.). Ainda nesse sentido, resgata-se o pensamento de Radruch, o qual expõe que:

[...] a teoria do “delito justo” de Stammler é só um método que não desenvolve nenhum sistema de Filosofia de Direito (...). Adquire a validade geral de seus conceitos em virtude de seu caráter puramente formal. Assim, é menos uma filosofia jurídica que uma lógica da consideração valorativa do Direito, uma crítica da razão jurídica; certos cimentos de utilidade pouco comum para toda filosofia do Direito, mas ainda não o edifício mesmo (...) (1976, p. 236).

Seguindo adiante, Stammler, adotando o conhecimento de Kant (daqui se originou o termo Neokantismo) distingue a “matéria” da “forma”, bem como observa a distinção entre as ciências “causais”...

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