Além dos supermercados: novas estratégias no mundo dos alimentos orgânicos no Brasil

AutorMarília Luz David, Julia S. Guivant
CargoProfessora Adjunta do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)/Professora Titular do Departamento de Sociologia e Ciência Política da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
Páginas87-116
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2020v19n44p87
8787 – 116
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Além dos supermercados:
novas estratégias no mundo dos
alimentos orgânicos no Brasil
Marília Luz David1
Julia S. Guivant2
Resumo
Este artigo analisa novas empresas de alimentos orgânicos no Brasil, que, inspiradas em expe-
riências alternativas, emergem como facilitadoras da relação entre consumidores e produtores,
ofertando assinaturas de cestas e utilizando a internet profissionalmente. O trabalho de campo
compreende entrevistas com representantes dessas empresas e entidades do setor, análise de
publicidade on-line e publicações na mídia. Na primeira par te do artigo, discutimos literatura
sociológica relevante sobre o tema. Na segunda, analisamos o funcionamento dessas empresas
e os usos da internet; as percepções sobre o perfil dos clientes; a mediação das empresas entre
consumidores e conhecimentos peritos sobre consumo, riscos e legislação alimentar; e as re-
lações de confiança. Concluímos que as tecnologias digitais coordenam o funcionamento das
empresas e sua publicidade e contribuem para gerar confiança nos serviços; observamos que tais
empresas contam com cadeias híbridas de fornecimento e que precisaram criar estratégias para
enfrentar problemas no fornecimento, confiança (em produtores, de consumidores) e insatisfa-
ção de clientes.
Palavras-chave: Redes alimentares. Tecnologias digitais. Consumidores. Conhecimento perito.
1 Professora Adjunta do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
E-mail: marilia.david@ufrgs.br. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoa-
mento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES – Código de Financiamento 001).
2 Professora Titular do Departamento de Sociologia e Ciência Política da Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC). E-mail: julia.guivant@ufsc.br. Bolsa CNPq PQ 310265/2016-9.
Além dos supermercados: novas estratégias no mundo dos alimentos orgânicos no Brasil | Marília Luz David, Julia S. Guivant
88 87 – 116
Introdução
Nos últimos anos, é cada vez mais comum encontrarmos, como um
fenômeno global, novos modelos de fornecimento e distribuição de ali-
mentos orgânicos – o que tem transformado o mercado no sentido de
ampliar as possibilidades de acesso a esses produtos. Particularmente no
Brasil, embora os supermercados, lojas especializadas e feiras continuem
a ser os principais espaços de compra de produtos orgânicos (ORGANIS,
2017, p. 18), o surgimento de novos canais, como a aquisição de produtos
via plataformas na internet, clubes de consumidores e assinatura de cestas
de alimentos, aponta para nichos que coexistem – ora entrecruzando, ora
operando em paralelo – com a infraestrutura do varejo convencional.
Desde o início dos anos de 2000, a partir de diversas publicações
(OOSTERVEER; GUIVANT; SPAARGAREN, 2007; GUIVANT;
SPAARGAREN; RIAL, 2010; GUIVANT, 2003, 2009), argumentamos
que no Brasil, em linha com tendências internacionais, os supermercados
desempenhavam um papel central na oferta de alimentos orgânicos e, as-
sim, na conversão de novos consumidores. A partir de 2016, retomamos a
temática, com um projeto para analisar nichos de inovação e redes de abas-
tecimento de alimentos sustentáveis no Brasil e Holanda3. Uma das frentes
desse projeto se concentrou no setor de orgânicos, e, durante a pesquisa
exploratória, percebemos que, embora os supermercados continuem a ter
papel central, como indicam pesquisas de mercado mais recentes, com 2/3
das compras nesses espaços (ORGANIS, 2017), uma das novidades no
Brasil é o crescimento de novos arranjos de fornecimento e distribuição
desses alimentos. O cenário no país passou a ser de coexistência de diferen-
tes formas de acesso a esses produtos, que incluem os supermercados, feiras
de produtores, parcerias entre grupos de consumidores e pequenos produ-
tores no formato Comunidade que Sustenta a Agricultura (CSA), lojas e
redes de franquia (e.g., Mundo Verde, Armazém do Campo), aplicativos
e plataformas on-line para aquisição, troca de alimentos e busca de feiras
(e.g., Farmsquare, Raízs, Mapa de Feiras Orgânicas do Instituto Brasileira
3 Projeto de cooperação internacional “Transformações globais no acesso a alimentos sustentáveis” (Capes/
Nuffic), coordenado por Julia S. Guivant (UFSC, Brasil) e Peter Oosterveer (Wageningen University, Países
Baixos) - nº 0634/2016, processo nº 99999.001658/2015-08.

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