Alca e união européia: interesses específicos e gerais da política econômica brasileira

AutorFrederico Augusto Monte Simionato
Páginas138-147

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I - Introdução

A determinação dos interesses da política exterior brasileira deverá sempre ter como ponto de partida a realização de uma política comercial forte e de negociação. Se não fosse assim ela começaria muito fraca e ficaria perdida diante da atual estrutura de exploração capitalista global. Hoje o que se vê na Europa é uma estrutura de poder político extremamente conflitante internamente e que gera um déficit de representação exterior por parte dos países europeus, que não possuem ainda, e talvez nunca terão, uma política exterior comum. Na União Européia é clara a diversidade de política entre Inglaterra e França nas questões internacionais, que não envolvam o comércio, como as intervenções militares.

Ora, se o Brasil quer participar deste jogo internacional, e principalmente, se o Brasil acredita ser um país que tenha as condições e pré-requisitos para participar deste sistema internacional de interesses altamente segmentados nos quais a política continua cada vez mais obediente ao sistema econômico - e para isto basta ver á União Européia - na qual o Banco Central Europeu possui mais poder que muitos dos principais políticos europeus, o Brasil deve antes de qualquer coisa começar a tomar posições que sejam fortalecedoras do mercado de consumo nacional, estabelecer uma moeda forte e gerar o máximo possível de crescimento econômico. Isto tudo parece fácil para se'propor e realizar, principalmente para nós juristas. O que o ocorre é que a realidade é sempre a resposta concreta, e no curto espaço de tempo parece que o Brasil terá algumas dificuldades práticas de incrementar e transformar sonhos em realidade. A União Européia vive hoje uma crise sem precedentes. Esta crise tem três vertentes: (i) desemprego; (ii) alargamento para a entrada de novos países; -(üi). déficit democrático. Ora, a União Européia começou como uma Comunidade Econômica. Ocorre que hoje já foi feito tudo qué se poderia fazer para aumentar e incrementar o comércio nesta região e agora o debate mudou completamente e se questiona até qué ponto esta União é realmente democrática, no que diz respeito à representação popular e legitimação de suas decisões.1

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Nos dias atuais se fala em Constituição e Carta de Direitos Fundamentais para a União Européia. . .

Neste cenário internacional no qual a política exterior.de vários e importantes países europeus e asiáticos tem sido feita, no mais das vezes, para agradar a vontade e os interesse dos norte-americanos, fica um pouco complicado imaginar que o Brasil, com milhões de pobres, sem moeda forte e estável, e com uma participação irrisória no comércio internacional, conseguiria reverter alguns dos principais caminhos desta política internacional. O que se nota é a formação de uma nova divisão de políticas que representam interesses nacionais. Neste contexto a proposta da ALCA é péssima para os interesses brasileiros. Ela representa, com novas vestes, a velha e sempre nova política exterior que os EUA têm diante da América Latina e em especial para o Brasil. Entrar na ALCA seria desastroso a médio e longo prazo para a economia brasileira. A estrutura diplomática e a teoria de política exterior brasileira sempre foram e serão umas das melhores do mundo, ao contrário da sua política interna. A representação brasileira sempre, desde os velhos tempos, enalteceu o pensamento liberal e de justiça nas relações internacionais. Então, do ponto de vista das negociações, o Brasil não tem nada a temer com a ALCA.

O grande problema seria a implicação, que independem das próprias negociações, que a ALCA causaria na economia e na política brasileira e sul-americana. O México é um grande exemplo do modelo de integração norte-americano, que talvez não seja o mais adequado para o Brasil.2 O Brasil não precisa fazer uma escolha de Sofia entre ALCA e União Européia. A questão realmente não é esta. Se fosse, o destino do Brasil seria triste. Assim, a política exterior de comércio da UE tenderá sempre ao seu protecionismo natural (como, p. ex., no setor agrícola) e tenderá sempre e cada vez mais para o lado da política exterior dos EUA (sobre esta tendência basta ver a Inglaterra), sem falar na sempre crescente interferência política dos partidos racistas seja dentro da própria União Européia ou nos Parlamentos nacionais em cada país europeu.3 A realidade é que o laço entre EUA e UE está muito forte no comércio.4 O Brasil deveria descartar de imediato a opção ALCA e começar a pensar em um mundo global.

Ora, se o Brasil devesse escolher hoje uma solução para a sua política exterior a União Européia seria aquela que poderia trazer, de imediato, melhores resultados econômicos e políticos. Por que da mesma maneira que uma parte da política européia está atrelada até o pescoço com os EUA existe ainda uma outra parte muito significativa de políticos europeus importantes que estão procurando, desesperadamente, uma alternativa para as relações internacionais no mundo, e o fortalecimento do Brasil, país amigo por excelência, seria para

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muitos uma grande chance de ressurgimento e também para realizar urna nova política global. Este discurso se escuta na elite da política de centro-esquerda da Europa e em algumas universidades. O Brasil deve negociar diretamente com a Europa novas posições que não sejam somente de caráter comercial. O Brasil é já um grande parceiro comercial da Europa. O que se precisa fazer agora é colocar Europa e Brasil (Mer-cosul) em condição de negociação de posições importantes dentro dos organismos internacionais e que a posição consensual brasileira e européia sejam realmente a fonte de uma política internacional diferente da atual política monocrática dos EUA.5

II - Limitações dos interesses e consenso nas negociações

Quando se fala de interesses se deve precisar o que este termo significa. Ora, para Roscoe Pound, o interesse público na integridade da personalidade estatal pode ser entendido como interesse social na segurança das instituições sociais entre as quais as instituições políticas é uma forma. Quando se tem reconhecido, delimitado e assegurado um interesse, é importante identificar o interesse individual que o antecede e lhe garante significação jurídica. Com efeito, quando se considerar quais interesses reconhecer e dentro de quais limites se procura ajustar pretensões conflitantes e antagônicas, é necessário subsumir os interesses individuais diante dos interesses sociais. O termo interesse pode ser dividido em seis classes: (a) interesses sociais na segurança geral e na segurança das instituições sociais; (b) interesse social na moral geral; (c) na conservação dos recursos sociais; (d) no progresso coletivo; (e) na proteção da vida individual.6

Então, é claro que toda política é movida por um interesse. Este interesse na política exterior precisa ser delineado entre os interesses sociais na segurança geral e na segurança das instituições e também no progresso coletivo. O comércio ganhou tamanha proporção na atualidade que muitos talvez não vejam que o comércio é hoje a chave de toda política exterior e que, por conta disso, o interesse nacional pode ficar em segundo plano diante da magnitude do império das grandes companhias. Este fenômeno não é de todo novo e basta olhar a história para ver que a expansão comercial é sempre seguida de guerras ou conflitos generalizados.

O que o Brasil significa politicamente no mundo contemporâneo das relações exteriores? Esta certamente é uma pergunta que não posso responder. O que se vê, inicialmente, é uma tentativa de tomada de novas posições, a começar da crise venezuelana. Esta crise mostra com clareza a defesa de novos interesses específicos da política exterior brasileira, mas não se sabe até que ponto esta nova política é unânime dentro do Itamaraty. Juntamente com a crise econômica sem precedentes na Argentina e com o narcotráfico na Colômbia, a América do Sul nunca esteve tão entregue a si mesma como hoje. Ademais, com a preocupação dos EUA na guerra contra o terrorismo, com o novo eixo do mal, a América do Sul está passando por um momento bastante singular. Com o descaso da comunidade internacional com a Argentina, o Brasil está, aos poucos, tomando o lugar de centro de irradiação de novas perspectivas políticas para o continente. O que ocorre politicamente é uma crise existencial. Nos últimos anos o Brasil traçou fortes linhas dentro da diplomacia internacional. A presença do ex-Presidente Fernando Henri-

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que Cardoso foi singular para o desenvolvimento desta política.

Esta política mostra o amadurecimento do Brasil depois da queda do muro de Berlim. Enquanto muitos se perderam neste caminho o Brasil pôde começar a pensar com liberdade e autodeterminação nos pontos fundamentais de sua política exterior. A proposta do Mercosul é a resposta clara deste novo sistema. O Mercosul foi, e ainda é, e espero que seja por muito tempo, a tomada de decisão para colocar em primeiro lugar o interesse específico do Brasil em aumentar o comércio na região e...

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