Direito à integridade moral - alguns aspectos dos direitos de personalidade

AutorRita de Cássia Resquetti Tarifa
CargoMestranda em Direito Negocial da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil (UEL). Docente do curso de Direito da Universidade Norte do Paraná (UNOPAR). Advogada em Londrina-Pr.
Páginas49-55

Direito à integridade moral - alguns aspectos dos direitos de personalidade1

A personalidade é, portanto, não um direito, mas um valor (o valor fundamental do ordenamento) e está na base de uma série aberta de situações existenciais, nas quais se traduz a sua incessantemente mutável exigência de tutela. Tais situações subjetivas não assumem necessariamente a forma do direito subjetivo e não devem fazer perder de vista a unidade do valor envolvido. Não existe um número fechado de hipóteses tuteladas: tutelado é o valor da pessoa sem limites, salvo aqueles colocados no seu interesse e naqueles de outras pessoas. A elasticidade torna-se instrumento para realizar formas de proteção também atípicas, fundadas no interesse à existência e no livre exercício da vida de relações. (PERLINGIERI, 2002, p. 55).

Page 49

1 Introdução

Desde a retomada do regime democrático no Brasil e principalmente após a promulgação da Constituição Federal de 1988, na qual ficaram consagradas as garantias de ordem pessoal, a proteção aos direitos da personalidade ganhou destaque e vem se desenvolvendo sobremaneira contemporaneamente, tal como se verifica com inserção de parte autônoma no Novo Código Civil acerca do tema.

Por isso, julga-se necessária a reflexão sobre a aplicação de medidas protetivas à personalidade. Muitos são os avanços materiais, grandes são as descobertas que, em nome de uma ciência que se desenvolve a cada instante, contribuem significativamente com a tecnologia.

Todavia, não menos preocupante é a superação das seqüelas advindas pelo desmedido desenvolvimento dos meios de informação, ou seja, de todas e quaisquer formas de expressão do pensamento humano.

A proteção aos direitos ora enfocados, tão importantes em nosso cotidiano, deve, nos dizeres de Jabur (2000, p. 21), "renovar a preocupação sociojurídica em conter os abusos espraiados contra os bens personalíssimos, dos quais dependem, sem rebuço de dúvida, antes da satisfação, a própria razão de viver".

No cenário jurídico nacional, que visa ao bem-estar social e à dignidade da pessoa humana, o estudo dos principais aspectos concernentes à proteção da imagem e da vida privada pela Constituição Federal revela-se pertinente e importante.

Page 50

A Constituição Federal de 1988 conferiu ao cidadão uma série de direitos relacionados à sua personalidade. Por outro lado, não se pode perder de vista que a legislação infraconstitucional (mais especificamente a nova legislação civil) passa a acompanhar e conferir maior importância à proteção de mencionados direitos. Eis a razão da atualidade do tema; mormente levandose em conta a repercussão prática do mesmo, observada habitualmente na sociedade, que se vê diante de inúmeros conflitos que dizem respeito à honra, à imagem e à identidade da pessoa humana.

A trajetória dos direitos da personalidade é remota e controvertida; remontando à Roma clássica. Todavia, os valores da personalidade, como hoje reconhecidos pela maioria dos sistemas jurídicos, eram praticamente ignorados pelos romanos e gregos, somente despontando com a consolidação do Cristianismo (responsável pela construção de fortes alicerces morais sobre os quais se edificaram os direitos que derivam da individualidade e da personalidade humana).

Embora tenha havido esse reconhecimento no Período Medieval, foi somente com o Renascimento que se desenvolveu a doutrina do potestas in se epsum ou jus in corpus. Por ocasião da Revolução Francesa, os direitos da personalidade, ainda sem nomenclatura própria, passaram a ter mais força.

De todo modo, pode-se dizer que a partir deste século é que os direitos de personalidade efetivamente se afirmaram por obra da elaboração prática e teórica, levando-se em conta a valorização da pessoa humana. A efetiva evolução dos direitos da personalidade (a partir de 1950) pode ser considerada fruto do trabalho dos tribunais franceses.

No Brasil, apesar da parcial constitucionalização dos direitos da personalidade, não há a devida sistematização, que só será introduzida com a vigência da nova legislação civil, mas, ainda assim, de maneira tímida e insuficiente.

O Código Civil de 1916 não dispensava tratamento específico aos direitos da personalidade, podendo-se assim considerar uma inovação o regramento do tema na Lei nº 10.406/02 (BRASIL, 2002).

O Código Civil atual, por sua vez, inseriu disciplina autônoma desses direitos, com destaque para seus caracteres, defesa e proteção, limites à disposição do próprio corpo e submissão a tratamento médico ou intervenção cirúrgica, direito ao nome e pseudônimo, seu uso e proteção.

Os escritos, a palavra, a imagem e a intimidade das pessoas são protegidos contra atos prejudiciais ou não autorizados pelos titulares ou pela lei, com direito à indenização pelos danos decorrentes, inclusive honra, boa fama e respeitabilidade (arts. 11 a 21 da Lei nº 10.406/02) (BRASIL, 2002).

Percebe-se, assim, a importância e o reconhecimento da relevância dessa gama de prerrogativas devidamente conferida aos indivíduos no que tange aos seus aspectos pessoais, íntimos:

O personalismo coloca o ser humano no centro do sistema jurídico, retirando o patrimônio dessa posição de bem a ser primordialmente tutelado, ao contrário do que faz o individualismo proprietário. Propõe o autor a superação do individualismo por um solidarismo jurídico, que valoriza a coexistencialidade, exceto na dimensão abstrata do individualismo, que deve ser afastada. (FACHIN, 2001, p. 45).

Ademais, deve-se levar em conta que a evolução dos direitos da personalidade reflete-se em vários ramos do direito, mormente o direito civil, que regula os casos e hipóteses de reparação de danos decorrentes da violação dos mesmos.

2 O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana como Norteador da Proteção da Integridade Moral

Conforme Mello (1986, p. 230):

Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma.

A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais.

O princípio da dignidade da pessoa humana, insculpido no ordenamento brasileiro, mais especificamente no artigo 1º, deve ser utilizado como instrumento norteador da proteção da integridade moral.

De fato, a dignidade da pessoa humana é fundamento da República:

A pessoa humana não é, como dito antes, apenas um dado ontológico, mas traz encerrada em si uma série de valores que lhe são imanentes. A dignidade da pessoa humana é o centro de sua personalidade, e portanto merece a maior proteção possível. Aliás, a conjugação personalidade-dignidade é tão forte que boa parte dos autores que tratam do tema referem-se diretamente à proteção da dignidade do homem. Essa ligação é, assim, indissolúvel. (CORTIANO JUNIOR, 1998, p. 42).

O artigo 12 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, por sua vez, coloca:

Ninguém será sujeito à interferência na sua vida privada, na sua família, no seu lar, ou na sua correspondência, nem ataque a sua honra e reputação. Todo homem tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques. (DECLARAÇÃO..., 2003).

O conceito de dignidade da pessoa humana, como fim em si mesmo, há de ser enquadrado como ponto de partida e de chegada dentro de uma concepção liberal do Estado.

A dignidade da pessoa humana, considerada, ainda, na sua dupla dimensão, negativa e positiva, é o valor básico fundamentador dos direitos fundamentais, edificados, assim, em alicerces da ordem pública, pois possibilitam o desenvolvimento integral do ser humano, exigido por sua dignidade.

3 Direito à integridade moral

Os direitos da personalidade, por não terem conteúdo

Page 51

econômico imediato e não se destacarem da pessoa de seu titular, se distinguem dos direitos de ordem patrimonial. São inerentes à pessoa humana e sua existência tem sido proclamada pelo direito natural.

Segundo classificação de Maria Helena Diniz (1995), a categoria dos direitos de personalidade relacionada à integridade moral abrange a honra, o recato, o segredo profissional e doméstico, a identidade pessoal, familiar e social.

O Código Civil de 2002 dedicou um capítulo novo aos direitos da personalidade, enunciando poucas normas, ou seja, adotando-se o sistema de cláusulas gerais.

Conforme Samaniego (2000):

O direito à integridade moral corresponde à proteção pertinente à pessoa, no que diz respeito à sua honra, liberdade, recato, imagem e nome. Honra é a dignidade pessoal e a consideração que a pessoa desfruta no meio em que vive. É o conjunto de predicados que lhe conferem consideração social e estima própria. É a boa reputação.

3. 1 Direito à honra

De Cupis (1961), em sua...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT