Administrativo e constitucional

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EXPROPRIADO DEVE COMPROVAR PREJUÍZO EM IMÓVEL PARA IMPEDIR DESISTÊNCIA DE DESAPROPRIAÇÃO

Superior Tribunal de Justiça Recurso de Revista n. 1.368.773/MS Órgão Julgador: 2a. Turma

Fonte: DJ, 02.02.2017

Relator: Ministro Herman Benjamin

EMENTA

Administrativo. Sendo a desistência da desapropriação direito do expropriante, o ônus da prova da existência de fato impeditivo do seu exercício (impossibilidade de restauração do imóvel ao estado anterior) é do expropriado. Acórdão recorrido que não estabeleceu a existência de prova da impossibilidade da devolução do imóvel às suas condições originais. Não incidência da Súmula 7/STJ. Desistência que deve ser homologada. Recurso especial provido.

Histórico da demanda

  1. Com autorização dada pela ANEEL, a CESP ajuizou diversas ações de desapropriação de imóveis para formação do lago de usina hidrelétrica, entre as quais quatro relativas a imóveis da recorrida. Posteriormente, registra o acórdão recorrido, foram formulados pedidos de desistência das desapropriações, diante do fato de que, por imposição do IBAMA, a cota de inundação foi diminuída de 259m para 257m, de sorte que os imóveis foram excluídos da área a ser inundada pelo lago da Usina Hidrelétrica Sérgio Motta.

  2. Nos autos da ação de desapro-priação 021.00.020712-1 foi fixada indenização que hoje monta a cerca de 970 milhões de reais pela inclusão na reparação do direito de exploração mineral de sílex, areia industrial e cascalho.

    Relação entre os recursos especiais

  3. Existem dois recursos especiais oriundos dessa desapropriação. Este REsp 1.368.773 tem origem em agravo de instrumento oferecido contra decisão que não homologou pedido de desistência formulado em 1º grau, tendo o TJMS decidido que a desistência era, em tese, possível, mas "desde que o desistente com-prove que a inundação não afetou fisicamente o imóvel expropriando nem comprometeu a sua finalidade econômica, circunstância não ocorrida na espécie". O REsp 1.527.256, por sua vez, foi interposto nos autos da própria ação de desapropriação, discutindo questões ligadas à indenização fixada.

  4. Provido o REsp 1.368.773, com a consequente homologação do pedido de desistência formulado em 1º grau, o REsp 1.527.256 fica preju-dicado.

    É possível a desistência da desapropriação a qualquer tempo, desde que não seja impossível o imóvel ser utilizado como antes.

  5. A jurisprudência do STJ consolidou-se no sentido de que é possível a desistência da desapropriação, a qualquer tempo, mesmo após o trânsito em julgado, desde que ainda não tenha havido o pagamento integral do preço e o imóvel possa ser devolvido sem alteração substancial que impeça que seja utilizado como antes. En-tendimento fixado a partir do REsp 38.966/SP, rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, segunda turma, julgado em 21/2/1994.

    A desistência é direito do expropriante e a impossibilidade é fato impeditivo do seu exercício - questão jurídica - não incidência da súmula 7/STJ

  6. A alegada violação ao art. 267, VIII, do CPC/1973 é passível de conhecimento, não havendo óbice trazido pela súmula 7/STJ. O problema se resolve por uma questão de direito, pertinente ao ônus da prova.

  7. O acórdão recorrido imputou indevidamente à desapropriante o ônus de provar que o imóvel de cuja expropriação pretende desistir não foi afetado fisicamente ou em sua finali-dade econômica.

  8. Se a desapropriação se faz por utilidade pública ou interesse social, uma vez que o imóvel já não se mostre indispensável para o atingimento dessas finalidades, deve ser, em re-gra, possível a desistência da desapropriação, com a ressalva do direito do atingido à ação de perdas e danos. Essa desistência só não será possível se já tiver sido pago integralmente o preço, pois nessa hipótese já terá se consolidado a transferência da propriedade do expropriado para o expropriante, ou se tiverem sido feitas alterações de tal monta no imóvel que impeçam que ele possa ser utilizado como antes.

  9. A regra é a possibilidade de desistência da desapropriação. Contra essa, pode ser alegado fato impeditivo do direito de desistência, consistente na impossibilidade de o imóvel

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    ser devolvido como recebido ou com danos de pouca monta.

  10. Por ser fato impeditivo do direito de o expropriante desistir da desapropriação, é ônus do expropriado provar sua existência, por aplicação da regra que vinha consagrada no art. 333, II, do CPC/1973, hoje repetida no art. 373 do CPC/2015.

    O acórdão recorrido não estabeleceu a impossibilidade de restituição do imóvel ao seu estado anterior

  11. O acórdão recorrido não dispôs como fato que estava provado ser inviável restituir o imóvel como se encontrava antes. O que ele estabeleceu é que a CESP não tinha feito essa prova, tanto que deixou aberta a possibilidade de novo pedido de desistência no futuro, como se vê do trecho final do voto do relator: "ressalvo, contudo, que, em sendo comprovado, sem sombra de dúvidas, após a conclusão da fase de instrução processual, que real-mente não foram nem serão afetados os imóveis da requerida pelas diversas fases do represamento, obviamente que a desistência poderá ser requerida novamente, para que o processo não se transforme em meio de enriqueci-mento ilícito da exproprianda" (fis. 989-990).

    Ementa do acórdão recorrido já mostra a inversão indevida do ônus da prova

  12. A própria ementa do acórdão recorrido afirma que "é possível, dian-te do interesse público, a desistência de ação expropriatória de área localizada em região de alagamento de usina hidrelétrica, mesmo após a fase de contestação e reconvenção, ainda que já tenha sido levantado o depósito indenizatório prévio, mas desde que o desistente comprove que a inunda-ção não afetou fisicamente o imóvel expropriando nem comprometeu a sua finalidade econômica, circunstância não ocorrida na espécie" (?. 991).

    Das quatro desapropriações de áreas contíguas, o TJMS homologou a desistência de duas

  13. Eram quatro as ações de desapropriação ajuizadas pela CESP contra a mesma empresa. Além dos processos 021.00.020712-1 e 021.00.030741-0, ainda em curso, havia os processos 021.00.020711-3 e 021.00.000013-3, nos quais a desistência das desapropriações foi homologada pelo Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul.

  14. A homologação da desistência da desapropriação 021.00.000013-3 foi feita nos autos do Agravo 020.02.007781-0, que recebeu a ementa: "agravo de instrumento - ação de desapropriação - indeferimento do pedido de desistência da ação - desapropriação do imóvel que deixou de ser útil e necessária - prevalência do interesse público sobre o particular - recurso provido. Desaparecendo o interesse público em desapropriar certa área, em virtude da limitação da cota de operação e com o não-alcance do mesmo imóvel pelas águas da represa, deve ser deferido o pedido de desistência da ação, já que não se pode obrigar a agravante a adquirir um bem imóvel com dinheiro público e, tampouco, condená-la a pagar indenização por algo que não precisa nem deve integrar seu patrimônio, visto que prevalece o interesse coletivo sobre o particular".

  15. E do voto consta a observação: "... É de se estranhar o presente caso, já que diverso dos outros casos de desapropriação que chegam ao poder judiciário, neste o expropriado quer seja o bem adquirido pelo expropriante. Se a agravada valoriza tanto o bem e dele retira um quantum monetário que lhe interessa, através de exploração de minerais, deveria então estar sendo a favor da desistência".

    Obrigar o poder público a ficar com bem de que não precisa viola a constituição

  16. A constituição, no seu art. 5º...

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