PARA ADENTRAR O PORTAL DA DOR DO PARTO: CORPO, GÊNERO E SIGNIFICAÇÕES HETEROGÊNEAS EM CONTEXTOS DIVERSOS

AutorGiovana Acacia Tempesta, Rosamaria Giatti Carneiro
Páginas48-65
GÊNERO|Niterói|v.18|n.2|48 |1. sem.2018
PARA ADENTRAR O PORTAL DA DOR DO PARTO: CORPO, GÊNERO
E SIGNIFICAÇÕES HETEROGÊNEAS EM CONTEXTOS DIVERSOS
Giovana Acacia Tempesta1
Rosamaria Giatti Carneiro2
Resumo: O artigo visa estimular a reflexão sobre a multiplicidade semântica da
noção de “dor de parto” a partir do cotejamento de narrativas sobre situações
diferentes entre si. Esta noção vem sendo problematizada por atrizes engajadas no
movimento que foi chamado, no Brasil, de “humanização” do parto e do nascimento
(DINIZ, 2005), as quais defendem uma experiência de parto satisfatória, respeitosa
e até mesmo prazerosa. Por outro lado, segundo um outro conjunto de mulheres, a
dor experimentada não é a decorrente das contrações uterinas e sim do fato de não
poder viver o parto idealizado ou o “belo parto” (FONSECA, 2009).
Palavras-chave: parto; dor; narrativas de mulheres.
Abstract: The article aims to stimulate reflection on the semantic multiplicity of
the notion of childbirth pain from the comparison of narratives about dierent
situations. In Brazil, this notion has been problematized by actresses engaged in
the movement that has been called the “humanization” of childbirth and birth
(DINIZ, 2005), which advocate a satisfactory, respectful and even pleasurable
childbirth experience. On the other hand, according to another set of women,
the pain experienced is not due to uterine contractions but to the fact that they
cannot live the ideal delivery or the “beautiful childbirth” (FONSECA, 2009).
Keywords: childbirth; pain; women’s narratives.
Introdução
Dor de parto: um termo também polissêmico
Em nossas pesquisas sobre direitos sexuais e reprodutivos das mulheres,
1 Doutora em Antropologia pela Universidade de Brasília. Pós-doutoranda em Antropologia Social também pela
UnB. Email: giovana.tempesta@gmail.com
2 Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Professora Adjunta 3 da
UnB. Email: rosacarneiro@unb.br
p.048-065
GÊNERO|Niterói|v.18|n.2| 49|1. sem.2018
nos deparamos com diferentes concepções de dor que operam no ideário
da “humanização” do parto e do nascimento no Brasil. Esse é um movimento
social que tem como foco a reapropriação, pelas mulheres, da experiência do
parto, concebida como um evento holístico e potente. O desejo de ter um parto
satisfatório, “mais natural”, vem ganhando visibilidade desde os anos 1980,
predominantemente entre mulheres de classe média vivendo nos grandes centros
urbanos, e adquiriu os contornos de uma pauta de direitos humanos, na medida
em que as ativistas jogam luz sobre o contexto de violência institucional sistêmica
contra as mulheres – mais recentemente chamada de “violência obstétrica”
(DINIZ, 2005; MINAYO, 2006; DIAS e DESLANDES, 2006; CARNEIRO,
2014 e 2015; SENA, 2016).
Em um artigo de 2005, a médica feminista Simone Diniz refletiu sobre a
polissemia do termo “humanização” do parto. Segundo ela, a ideia de humanização
poderia ser lida como: a) humanização como legitimidade científica da medicina
ou assistência baseada em evidências científicas, indicada como padrão ouro
de assistência; b) humanização como legitimidade política de defesa dos direitos
das mulheres na assistência ao parto e ao nascimento; c) humanização referida
ao resultado do uso adequado de tecnologia no cuidado da saúde da população,
algo preconizado pela Organização Mundial de Saúde; d) humanização como
legitimidade profissional e de saberes, bem como do redirecionamento de papéis
na assistência, o que implica no reconhecimento de enfermeiras e outros
profissionais nas cenas de parto; e) humanização referida à legitimidade financeira
(sic) dos modelos de assistência, da racionalidade no uso dos recursos, que
questiona a relação entre mercado, planos de saúde e procedimentos cirúrgicos;
f) humanização referida à legitimidade da participação da parturiente nas decisões
sobre sua saúde, à melhora na relação médico-paciente ou enfermeira-paciente
– ênfase na importância do diálogo com a paciente, inclusão do pai no parto,
presença de doulas (acompanhantes de parto treinadas), alguma negociação nos
procedimentos de rotina, a necessidade da gentileza e da “boa educação” na relação
entre instituições e seus consumidores e g) humanização como direito ao alívio da
dor, da inclusão para pacientes do SUS no consumo de procedimentos tidos como
humanitários, antes restritos às pacientes de instituições privadas – como a analgesia
de parto (DINIZ, 2005, p. 633-635). Esse seu artigo foi um marco no que tange
p.048-065

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