Ações preferenciais exclusivamente com vantagens políticas

AutorLuiz Gastão Paes de Barros Leães
Páginas223-236

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1. Exposição e consulta

1.1 Os ilustres colegas, Doutores Car-men Sylvia Parkinson e Paulo Benedito Lazzareschi, na qualidade de advogados de ... acionistas de D, expõem a questão a seguir articulada, solicitando o nosso parecer.

1.2 A D foi constituída na década de 30 como sociedade por quotas, de responsabilidade limitada. Seu capital social foi sempre bastante pulverizado. Ao longo de toda a existência a D jamais teve um sócio majoritário. Por isso mesmo, ainda quando a revestia a forma de sociedade limitada, seus sócios entenderam necessário estabelecer uma rígida estrutura de poder, conferindo a oito grupos diversos de sócios o direito de eleger, em separado, cada grupo, um administrador da sociedade.

1.3 Quando em 1972 deliberaram transformar a D em sociedade por ações, os sócios, reproduzindo a referida estrutura de poder, criaram oito classes de ações preferenciais, conferindo a cada uma delas o direito de eleger, em separado, um membro do conselho de administração, assegurando-lhes, ainda, o pleno exercício do direito de voto em igualdade com as ações ordinárias.

1.4 Todavia, deixaram de atribuir a essas classes de ações preferenciais uma vantagem patrimonial qualquer dentre aquelas previstas em lei (artigo 10 do DL 2.627/40).

1.5 Logo após sua transformação em sociedade por ações, a D passou a ser sociedade de capital aberto, com ações negociadas em bolsa (registro junto ao Banco Central), sem que qualquer alteração com relação às preferenciais tenha sido providenciada.

1.6 As disposições estatutárias referentes à diversidade de classe de ações preferenciais igualmente não sofreram qualquer alteração quando da adaptação do estatuto com o advento das disposições da Lei n. 6.404, de 1976.

1.7 Em 1994 um lote significativo de ações da D foi adquirido por investidores

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institucionais (bancos, fundos e carteiras de investimentos). Desde então os principais acionistas discutem proposta deste novo grupo de acionistas para extinguir as ações preferenciais, convertendo-as em ações ordinárias, seguida de eliminação da vantagem política de eleger, em separado, um membro do conselho de administração.

1.8 Os clientes dos consulentes, que detêm mais de 20% do capital total, e são titulares de ações de todas as classes preferenciais e da maioria das ações da classe "E", insurgiram-se contra a proposta de eliminação das classes de ações e recusaram-se a firmar o Acordo de Acionistas que previa a conversão de preferenciais em ordinária, conforme minuta que nos foi presente.

1.9 Em 23.5.97 e 3.6.97 foram realizadas reuniões extraordinárias do Conselho de Administração para apreciar proposta de alteração do estatuto e eliminação das classes de ações preferenciais. Os Conselheiros eleitos pelo grupo de acionistas acima referido votaram contra a proposta, alertando para a flagrante violação da lei.

1.10 Por fim, no final de agosto, foi convocada assembleia geral extraordinária para apreciar proposta de alteração do estatuto social da D, cabendo ainda ressaltar a matéria constante da primeira ordem do dia:

"o reconhecimento como ordinárias e declaração como tal das ações preferenciais emitidas pela Companhia, em virtude das referidas ações preferenciais não atenderem aos requisitos da lei, com a consequência eliminação da referência às classes de ações preferenciais da Companhia, ficando o capital social, assim, dividido exclusivamente em ações ordinárias".

1.11 Na assembleia de 9.9.97 foi apresentada a seguinte justificativa para a proposta de extinção das classes de preferenciais:

"(a) as atuais ações preferenciais de emissão da Companhia não se enquadram na definição de ação preferencial contida na Lei n. 6.404, de 15.12.1976, sendo efe-tivamente ordinárias, tal como posição defendida em parecer sobre a situação acio-nária da Companhia elaborado pela Comissão de Valores Mobiliários em 17.1.1983; e

"(b) a Companhia, contemplando uma modificação em sua estrutura corporativa, optou por adaptar seu Estatuto Social aos padrões de mercado de capitais, com ações que realmente tenham liquidez."

1.12 A assembleia geral, por maioria, contra o voto de acionistas representando mais de 20% do capital total, aprovou a referida proposta, bem como a redução para apenas sete o número de membros do Conselho de Administração.

1.13 O Capital da D, antes das deliberações tomadas na assembleia do último dia 9 de setembro, estava dividido em 2.354.000 ações, sendo 1.211.224 ordinárias, representando 51,45%, e 1.142.776 preferenciais, representando 48,55% do capital social. As ações preferenciais, por sua vez, estavam divididas da seguinte forma:

228.801 da classe A 115.139 da classe B 140.012 da classe C 56.613 da classe D 121.434 da classe E 128.922 da classe F 240.185 da classe G 111.670 da classe H

1.140 Conselho de Administração era composto de, no mínimo, nove, e no máximo, onze membros efetivos e respectivos suplentes, cabendo às classes de preferenciais a eleição de oito membros e às ordinárias a eleição de um a três conselheiros.

1.15 Diante desses fatos, pergunta-se:

(a) Quais as consequências de não ter o estatuto da D, por mais de 25 anos, declarado as vantagens patrimoniais de suas várias classes de ações preferenciais?

(b) É possível suprimir, por alguma forma, o direito de cada classe de ações

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preferenciais eleger, em separado, um membro do Conselho de Administração sem a concordância expressa de cada titular desta espécie de ações?

(c) Se as ações preferenciais da D são, de fato e de direito, ações ordinárias, como deliberado na supra-referida assembleia geral, podem os acionistas, por simples maioria de votos, extinguir a diversidade de classe de ações ordinárias ou se aplicaria no caso o disposto no parágrafo único do artigo 16 da Lei n. 6.404/76?

1.16 Antes de responder aos quesitos que nos foram formulados, cumpre abordar três questões preliminares, a saber: (l9) é convicção do parecerista de que o privilégio do voto em separado era, no império do Decreto-lei n. 2.627, e continua sendo, até com maior dose de razão, no regime da Lei n. 6.404, elemento suficientemente idóneo para fundar, só por si, uma categoria preferencial de ações, sem a necessidade de correlatas vantagens patrimoniais; (29) desde 5 de junho de 1997, data da entrada em vigor da Lei n. 9.457, de 5 de maio de 1997, todas as ações preferenciais dispõem, por força de lei, de vantagem patrimonial, consistente no diferencial de 10% dos dividendos hauridos do lucro de exercício, maiores do que os atribuídos às ações ordinárias; (39) a conversão de ações preferenciais em ordinárias depende de expressa previsão estatutária, especificando as condições em que tal conversibilidade poderá ou deverá realizar-se, e se a opção será do acionista ou da sociedade, assim como depende do referendo da assembleia especial dos interessados, sendo certo, outrossim, que a eliminação de classes das ordinárias está subordinada à concordância de todos os titulares das ações atingidas.

2. As vantagens políticas são elementos suficientes para, só por si, caracterizarem as ações preferenciais

2.1 As ações, conforme a natureza dos direitos e vantagens que atribuam a seus titulares, são classificadas em categorias ou espécies diferentes. A lei brasileira consagra, há anos, três espécies de ações: ordinárias, preferenciais e de fruição. Às ações ordinárias, ou comuns, a lei confere um contingente de direitos considerados essenciais a todas as ações, de que não podem ser privadas nem pelo estatuto social, nem pela assembleia geral de acionistas (Lei n. 6.404, artigo 109). Às ações preferenciais, além desses direitos essenciais, podem ser conferidos outros direitos ou vantagens, desconhecidos das ações ordinárias, e que lhes emprestam essa natureza privilegiada ou preferencial, a que a sua denominação faz alusão (idem, artigos 17 e 18).

2.2 Segundo a tradição de nosso Direito, as prerrogativas e vantagens que, somadas aos direitos essenciais, comuns a todas as ações, levam a distinguir as preferenciais das ordinárias, são fundamentalmente de ordem económica. A essas vantagens e direitos, a Lei n. 6.404, de 1976, veio a adicionar vantagens de ordem política. Conforme dispõe o artigo 18 da lei, o estatuto pode, doravante, (a) assegurar a uma ou mais classes de ações preferenciais o direito de eleger, em votação em separado, um ou mais membros dos órgãos da administração e (b) subordinar as alterações estatutárias que especificar à aprovação, em assembleia especial, dos titulares de uma ou mais classes de ações preferenciais. A pergunta que se põe é a seguinte: Seriam essas vantagens políticas, por si só, suficientes para imprimir a condição de preferencial às ações delas dotadas? ou deveriam elas também incorporar alguma vantagem de índole patrimonial para adquirir essa condição?

2.3 Somos da opinião de que, mormente a partir da Lei n. 6.404, o direito de eleger em votação separada um ou mais membros dos órgãos da administração, ou o direito de subordinar as alterações estatutárias à assembleia especial dos titulares de ações preferenciais, são vantagens idóneas per se para criar essa categoria diferenciada de ações. Qualquer resistência a essa

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conclusão não encontra o menor apoio na lei em vigor, constituindo, na verdade, hábito ou preconceito gerado por anos de convivência com textos anteriores, que só previam, ao menos expressamente, vantagens e direitos de ordem patrimonial como elementos caracterizadores das ações preferenciais.

2.4 Como se sabe, até o ano...

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