Acesso à justiça

AutorKeila Rodrigues Batista
Páginas21-63
Ca p í t u l o 1
acesso À Justiça
Desenvolvendo uma análise da sociedade a partir do perío-
do da história moderna, o ser humano, para que pudesse
ter uma relação de convivência mais ordenada, encontrou uma
forma organizativa, que é o Estado. Uma relação que ajudou na
segurança, mas com a condição de que o ser humano fizesse
parte do Estado como membro contribuinte. Como a sociedade
evoluiu desde então, permitiu-se a compreensão das mudanças
e dos fenômenos de massa e seus reflexos no Direito.
Não deve ficar fora dessa análise o fato de que contem-
poraneamente existam certos grupos sociais que não aceitam,
embora de maneira temporária, tal instrumentalização da liber-
dade em troca de segurança, como afirmou Horkheimer com a
sua conceituação de razão instrumental1, preferindo, por cau-
salidade ou motivação, se alienarem da sociedade, criando as-
sim suas próprias regras de regulação social em seus hábitats,
como no caso de moradores de algumas favelas situadas em
zonas metropolitanas e que se submetem a um tipo de “poder
paralelo”. É um estudo que tem como preocupação o acesso
que se deve dar à Justiça nesses lugares. Aliás, a discussão será
retomada mais adiante.2
1 Razão instrumental é utilizada como forma de domínio, para controlar os
seres humanos. É um termo que foi utilizado inicialmente por Horkheimer,
em sua Teoria Crítica (1989). Está ligada à alienação dos indivíduos na de-
terminação dos produtos, ou seja, como são operacionalizados racional-
mente mediante instrumentos (poder, dominação e exploração), por meio
da educação e da comunicação de massa.
2 Ver item 3.3, do Capítulo 3 – Localidades onde o Acesso à Justiça é Deficiente.
22 Keila Rodrigues Batista
A razão como categoria, encontrada ao longo da existência
humana, segundo Kant (2005), é alterada com o tempo, ten-
do em vista o desenvolvimento humano das sociedades. Por
exemplo, na sociedade brasileira atual, o poder é exercido em
nome da soberania popular. É o que reflete o parágrafo único,
do artigo 1o , da Constituição Federal: “Todo o poder emana
do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou
diretamente, nos termos desta Constituição.”
Ao Estado é reservado uma parte do monopólio da distribui-
ção da Justiça3, considerando que a sociedade civil tem sua parce-
la de responsabilidade. Isso pressupõe uma ordenação de poder,
ou seja, significa dizer que entre os integrantes da sociedade foi
convencionado que o Estado formularia o Direito, direito esse
que corresponde a um direcionamento como pressuposto de
imposição, mas também de consideração aos valores da socie-
dade. É nesse contexto que o acesso à Justiça4 do cidadão está
3 A palavra Justiça no contexto corresponde à igualdade dos cidadãos pe-
rante a lei, e designa conservar a ordem social por meio da salvaguarda
dos direitos em sua configuração legal (constitucionalidade das leis) ou no
seu bom emprego a casos peculiares (litígio). Desse modo, Rawls (2002, p.
XIII e XIV), em sua Teoria sobre Justiça, coloca em evidência a equidade da
Justiça entre os cidadãos, preceito essencial para uma democracia. Assim,
justifica no prefácio da sua obra: “Minha esperança é a de que a Justiça
como equidade pareça razoável e útil, mesmo que não seja totalmente
convincente, para uma grande gama de orientações políticas ponderadas,
e portanto expresse uma parte essencial do núcleo comum da tradição
democrática”. A Justiça também é concebida na figura de uma estátua fe-
minina, que tem os olhos vendados e com uma finalidade extrema: “todos
são iguais perante a lei e todos têm garantias legais, ou seja, todos têm
iguais direitos”. Simplificando, a Justiça apresenta como natureza essen-
cial a igualdade dos cidadãos. A Justiça significa a legalidade e a igualdade;
então, numa acepção total, justo é aquele que exerce os mandamentos da
lei e, numa acepção estrita, é aquele que exerce a igualdade.
4 Significa que o ser humano tem direito à Justiça, sendo ela transmitida a
ele de maneira legal e efetiva. Sua efetivação como princípio constitucio-
nal é fundamental em decorrência dos outros princípios e garantias. Se
ACESSO À JUSTIÇA - Instrumentos viabilizadores 23
compreendido, por meio de instrumentos viabilizadores com os
Juizados Especiais, o Balcão de Direitos, a Justiça Itinerante e a
Justiça Comunitária, a Arbitragem e outros.
Entretanto, o Poder Judiciário, atualmente, enfrenta uma
problemática: será que a Justiça acolhe num contorno satis-
fatório os interesses dos cidadãos? Nesse contexto, pode-se
afirmar com exatidão que tal problemática se insere de forma
negativa, visto que costumeiramente os cidadãos se deparam
com a morosidade processual. Desse modo, o Judiciário e a
sociedade civil brasileira têm buscado distintos métodos e for-
mas que auxiliam na prestação jurisdicional, dando aos que
dela se beneficiem a segurança jurídica5 e a certeza do direito6
com mais celeridade. É verdade que muito ainda tem que ser
feito; todavia, o alerta inicial já ocorreu.
Porém, antes de se adentrar o assunto, é imprescindível
aludir ao duplo significado do acesso à Justiça ou ao Judiciário.
No termo “acesso à Justiça” está embutido o acesso ao Judiciá-
rio, ou seja, à jurisdição, que é complementado pelo processo,
não for observado, como também concluído, os outros não serão aplicados
concretamente. É de se notar que a preocupação com a importância desse
tema em voga foi muito valorada por Mauro Cappelletti e Bryant Garth, na
presente obra: Acesso à Justiça, que decorre basicamente da evolução do
conceito de acesso à Justiça, os seus obstáculos e as suas soluções práti-
cas. Após o advento dessa obra, muitos agentes do Direito se inspiraram
e, com a preocupação do desacesso à justiça, escreveram a respeito do
assunto, de acordo com a realidade nacional deles; foram criados também,
por meio dessa obra, vários institutos, que contribuíram para a estrutura
judiciária e tornaram o acesso à Justiça mais célere aos cidadãos, como é o
exemplo do Brasil, como se verá no transcorrer da leitura.
5 Significa o direito objetivo a priori, ou seja, é formada por instituições do siste-
ma jurídico e as suas normas, que são firmadas por princípios constitucionais,
e sua aplicabilidade importa em reconhecer o Direito. Justificando o significa-
do, pode-se dizer que existe um compromisso entre o direito e a segurança,
ordo secundum justitiam, ideia essa proclamada por Tomás de Aquino (2003).
6 É a forma como as normas são aplicadas intelectivamente aos destinatá-
rios, ou seja, é a exigência do cumprimento das obrigações delas.

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