Accountability entre os representantes de organizações civis que atuam nos Conselhos Gestores

AutorOlívia Cristina Perez
CargoProfessora titular da Universidade Paulista (UNIP/Santos). Doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (FFLCH/São Paulo), mestre em sociologia pela mesma instituição e graduada em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista 'Júlio de Mesquita Filho' (FCLAr/Araraquara)
Páginas45-81
Artigos
Política & Sociedade - Florianópolis - Volume 11 - Nº 21 - julho de 2012
45
45 – 81
Accountability entre os representantes
de organizações civis que atuam
nos Conselhos Gestores
Olívia Cristina Perez1
Resumo
Cada vez mais organizações civis assumem tarefas de representação,
expondo e defendendo causas e grupos sociais perante o Estado e outras
instituições. Contudo, as práticas de representação dos trabalhadores de
organizações civis, incluindo suas relações de accountability, ainda são pouco
conhecidas. Contribuindo com os estudos nessa área, examinamos neste
artigo aspectos das relações de accountability envolvidas nas práticas de
representantes de organizações civis que atuam nos Conselhos Gestores de
Políticas Públicas. Constatamos que não há acordos formais e instituições
capazes de impulsionar a accountability dos representantes, nos moldes
daqueles que existem nas arenas parlamentares. Contudo, novas relações
de accountability são estabelecidas pelos trabalhadores de organizações
civis que atuam nas áreas afetadas pelas decisões dos Conselhos.
Palavras-chave: Accountability. Representação. Organizações civis. Conselhos
Gestores.
1. Introdução
Nas últimas décadas a atuação de organizações civis vem ga-
nhando espaço nas esferas governamentais: projetos do go-
verno podem ser executados por meio do estabelecimento de
1 Professora titular da Universidade Paulista (UNIP/Santos). Doutora em Ciência Política
pela Universidade de São Paulo (FFLCH/São Paulo), mestre em sociologia pela mesma
instituição e graduada em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista “Júlio
de Mesquita Filho” (FCLAr/Araraquara).
http://dx.doi.org/10.5007/21757984.2012v11n21p45
Política & Sociedade - Florianópolis - Volume 11 - Nº 21 - julho de 2012
Accountability entre os representantes de organizações civis que atuam
nos Conselhos Gestores
Olívia Cristina Perez
46
45 – 81
convênios entre organizações civis e poder público e podem ser
formulados por trabalhadores de organizações civis que atuam em
instituições responsáveis pela deliberação de políticas públicas.
No Brasil, exemplos de instituições em que organizações
civis decidem os rumos das políticas públicas junto ao governo
são os Conselhos Gestores de Políticas Públicas. Os Conselhos
Gestores são instituições criadas para a discussão e formulação
de políticas públicas de modo compartilhado, na medida em que
representantes do governo e da sociedade civil ocupam o mesmo
número de assentos. Nessas instituições, representantes do gover-
no e da sociedade civil — chamados de conselheiros — discutem,
deliberam e fiscalizam políticas públicas em diversas áreas, tais
como: Saúde, Assistência Social e Educação. Os representantes do
governo são indicados pelas respectivas Secretarias, enquanto os
representantes da sociedade civil são escolhidos pelos próprios
membros da sociedade civil.
Estão incluídas na categoria legal/política “sociedade civil” as
associações formadas por cidadãos que não têm o lucro como obje-
tivo final. Cabe ressaltar, no entanto, que o termo carrega um sen-
tido preestabelecido, pois é utilizado nos espaços de discussão —
Conselhos, Fóruns e outras reuniões que contam com a atuação de
trabalhadores de organizações civis — como referência a um campo
homogêneo e virtuoso. Por isso, neste trabalho empregamos o ter-
mo “organizações civis” para nos referirmos às organizações sem
fins lucrativos com formatos distintos: ONGs, organizações pres-
tadoras de serviços, associações populares, movimentos sociais,
associações profissionais etc. Quando necessário, distinguimos
entre esses diferentes tipos de organizações. Por sua vez, o termo
“sociedade civil” é empregado quando retomamos as legislações e
expressões utilizadas nos Conselhos Gestores.
É grande o poder de decisão dos Conselhos Gestores.
Compete a essas instituições formular e fiscalizar políticas
públicas, decidir sobre a aplicação de recursos e ainda normatizar
e acompanhar o trabalho das organizações privadas ou civis que
atuam na área. Por exemplo, as organizações de assistência social
Artigos
Política & Sociedade - Florianópolis - Volume 11 - Nº 21 - julho de 2012
47
45 – 81
dependem da aprovação do Conselho de Assistência Social para
ter suas atividades regulamentadas. Só assim tais organizações
podem receber verbas públicas, além disso, as normas para suas
atividades são definidas pelos Conselhos.
Ao determinar que as organizações civis devam atuar com o
governo, os Conselhos Gestores incluem uma parcela da população
na confecção de políticas públicas, concretizando assim as orienta-
ções da Constituição de 1988, especificamente as definições sobre
a Saúde (Art. 198) e Assistência Social (Art. 204) que determinam a
participação da população ou da comunidade na formulação e no
controle das políticas públicas. Principalmente por esses motivos,
tais experiências são consideradas formas de se concretizar o ideal
da democratização da esfera pública, na medida em que os cida-
dãos podem participar da formulação de políticas governamentais
(cf. SANTOS, 2002).
Contudo, pesquisas recentes revelaram que os Conselhos
Gestores não são espaços de participação e sim de representação.
Os cidadãos não participam diretamente das discussões travadas
nos Conselhos, mas são representados por trabalhadores de orga-
nizações civis (cf. GURZA LAVALLE; HOUTZAGER; CASTELLO, 2006).
As práticas de representação exercida pelas organizações
civis têm sido chamadas de não eleitorais — non-electoral (CASTI-
GLIONE; WARREN, 2006), autoautorizadas — self-authorized (URBI-
NATI; WARREN, 2008) ou presuntivas (GURZA LAVALLE; HOUTZA-
GER; CASTELLO, 2006), pois os representantes não foram necessa-
riamente autorizados por meio do processo eleitoral consagrado.
Ou seja, nem os membros das organizações civis foram necessaria-
mente escolhidos pelos grupos que representam, nem as próprias
organizações passaram pelo processo consagrado de autorização,
qual seja: a eleição por um número significativo de votantes cir-
cunscritos geograficamente.
Logo, os critérios de legitimidade próprios à representação
eleitoral não são visíveis no universo dessas organizações, o que
desperta críticas em relação às atividades por elas desempenhadas.
Przeworski (2002), por exemplo, considera que as organizações

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT