Ação Rescisória

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Páginas2743-2926

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Seção I - Generalidades
Subseção I - Origem da ação rescisória

Conquanto a opinião doutrinária predominante seja de que a ação rescisória proveio da querella nullitatis romana, Pontes de Miranda adverte, com acerto, quanto ao equívoco desse entendimento. Para o notável jurista, a rescisória é oriunda da concepção romana da sentença, mais a concepção de sententia nulla, perante o juiz privado, recompostas pelos glosadores e canonistas do século XIII, mais a correção realizada pelo princípio germânico da força formal da sentença (Tratado da Ação Rescisória. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976. p. 92).

A ação rescisória também não deriva da querella nullitatis dos textos italianos da época (século XII). Essa querella está ligada ao desenvolvimento da atividade comercial das cidades italianas e é produto da “tendência de todo o processo estatutário a tornar célere a solução das controvérsias, para a segurança do direito no interesse do comércio” (CALAMANDREI, Piero. La Cassazione Civile. Milano, Roma: Fratelli Bocca Editori, 1920. v. I, p. 139). O instituto em exame apresentava, em muitos de seus aspectos, similitude com a apelação, pois tanto este quanto aquele eram interpostos a juiz superior ao que proferira a sentença; além disso, a exaustão do prazo para o oferecimento da querella fazia da sentença coisa absoluta e definitivamente julgada (CALAMANDREI, ibidem).

O processo medieval europeu, no que respeita à sanação dos vícios existentes nas sentenças, se sustentava em dois princípios: um, de origem romana, conforme o qual os erros procedimentais (errores in procedendo) acarretavam a nulidade (= inexistência) da decisão, ao passo que os erros de julgamento (errores in iudicando) deveriam ser corrigidos por meio de recurso; outro, transmitido pelo direito germânico, que afirmava somente ser corrigível pela via recursal a injustiça do julgado, proveniente de error in procedendo ou error in iudicando.

Subseção II - Natureza jurídica

No passado, juristas de nomeada chegaram a afirmar que a ação rescisória traduzia modalidade de recurso de natureza especial (Lopes da Costa, Cândido de Oliveira Filho, Costa Carvalho, Filadelfo Azevedo Pereira Braga). Já em 1916 - portanto, muito antes

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de entrar em vigor o primeiro Código de Processo Civil unitário do País -, contudo, Manoel Inácio Carvalho de Mendonça, com o peso de sua autoridade, advertia não haver “cousa mais frequente do que ouvir repetir que a rescisão dos julgados é um recurso. Nada entretanto é mais absurdo, uma vez que às verba juris, à técnica rigorosa, queiramos dar seu verdadeiro e legítimo sentido” (Da Ação Rescisória. 2. ed., n. 12, p. 328-332), concluindo ser essencial que “não se vulgarize a errada equiparação da ação rescisória com o recurso, que pode caber das sentenças e julgados. Como noção, é isto um erro gravíssimo; como simples imagem, é vulgar e indigna dos cultores do direito” (idem).

O máximo que se poderia transigir, no tocante ao tema que constitui objeto de nossa investigação, não iria além do reconhecimento quanto a ação rescisória possuir uma certa “alma” de recurso (Liebman), embora o seu corpo seja, fundamentalmente, de ação.

Com efeito, a corrente de opinião doutrinal que via nessa ação uma espécie de recurso especial fechava os olhos à particularidade expressiva de que a ação rescisória instaura uma nova relação processual, ao passo que a pretensão recursal, em regra, é exercida na mesma relação jurídica processual que deu origem ao pronunciamento jurisdicional impugnado. Assim o é porque enquanto a ação rescisória tem como objetivo desconstituir a coisa julgada material, o recurso somente é admissível das decisões que ainda não produziram a res iudicata.

Do ponto de vista estritamente objetivo, é inegável que a rescisória não se apresenta como recurso, pois o art. 496 do CPC não a inclui no elenco dos meios de impugnação às decisões judiciais, tratando-a como autêntica ação (arts. 485 a 495). Logo, o processo da ação rescisória se inicia por petição, que deve atender aos requisitos previstos no art. 482, sob pena de ser indeferida (art. 490); exige citação da parte contrária, em prazo variável (art. 491); e enseja a produção de todas as provas em Direito admitidas (art. 492).

Subseção III - Conceito

Sendo a rescisória uma ação, é elementar que o seu conceito não se afasta, em essência, daquele que assinala as ações judiciais em geral. Se levarmos em conta, todavia, também a finalidade da ação rescisória, veremos que a sua definição apresenta elementos particulares, que a individualizam no concerto das demais ações.

Antes de emitirmos um conceito pessoal dessa ação, vejamos como a doutrina vem se manifestando sobre o assunto: “é aquela que tem por objetivo declarar a nulidade da sentença que transitou em julgado” (Alcides de Mendonça Lima); “aquela que tem por objeto ajuizar pedido de anulação de sentença passada em julgado. Remédio por excelência para a anulação dos efeitos da sentença passada em julgado, a ação rescisória é de natureza constitutiva, uma vez que tem por fim extinguir a situação jurídica consubstanciada na decisão que se busca anular” (José Frederico Marques); “é a ação pela qual se pede a declaração da nulidade da sentença” (Luiz Eulálio de Bueno Vidigal); ação pela qual se

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pede a decretação de nulidade ou ilegalidade de uma sentença que extrinsecamente passou em julgado e, por via de consequência, o novo julgamento da espécie nela examinada” (Jorge Americano); “é a ação pela qual se pede a desconstituição de sentença trânsita em julgado, com eventual rejulgamento, a seguir, da matéria nela julgada” (José Carlos Barbosa Moreira).

Conquanto estejamos cientes da advertência que vem das fontes romanas, segundo a qual omnia definitio in iuris civilis...

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