Ação, ordem e cultura: fundamentos de um programa de pesquisa weberiano
Autor | Wolfgang Schluchter |
Cargo | Professor emérito da Rupert-Karl-Universität Heidelberg, na qual atuou como professor catedrático entre 1976 e 2006 |
Páginas | 19-55 |
DOI: https://doi.org/10.5007/175-7984.2020v19n45p19
1919 – 55
Direito autoral e licença de uso: Este artigo está licenciado sob uma Licença Creative
Commons. Com essa licença você pode compartilhar, adaptar, para qualquer m, desde que
atribua a autoria da obra, forneça um link para a licença, e indicar se foram feitas alterações.
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Ação, ordem e cultura:
fundamentos de um programa
de pesquisa weberiano1
Wolfgang Schluchter2
Resumo
Mais do que interpretar, é preciso desenvolver Max Weber. Partindo desta premissa, o artigo situa
o estado atual da discussão teórica atual em sociologia e apresenta dez pontos chaves para a
construção de um paradigma Weber ou um programa de pesquisa weberiano.
Palavras-chave: Max Weber, Paradigma Weber, Ação, Ordem, Cultura.
1 Observação preliminar
Existe um paradigma Weber? E, se ele existe, quais suas características?
Minhas observações sobre este tema estão divididas em duas partes. Come-
çarei com duas observações preliminares, seguidas pela explicação de dez
conceitos-chave a partir das quais devem car claros os fundamentos de
um programa de investigação weberiano, tal como traduzo o “paradigma
Weber”; também se poderia falar de uma sociologia compreensiva e empíri-
ca da ação, da ordem e da cultura. Em seguida, subdivido estes conceitos em
duas partes que correspondem à estrutura dos Soziologische Grundbegrie
1 Tradução realizada por Carlos Eduardo Sell, professor do departamento de Sociologia e Ciência Política da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
2 Professor emérito da Rupert-Karl-Universität Heidelberg, na qual atuou como professor catedrático entre 1976
e 2006. Realizou estudos superiores em Germanística, Filosoa e Sociologia entre 1957 e 1964 em Stuttgart,
Tübingen, Munique e na Universidade Livre de Berlim. Defendeu sua tese em 1967 na Universidade Livre de
Berlim e obteve a Habilitação em Sociologia em 1974 na Universidade de Mannheim. Foi professor visitante
em inúmeras universidades dos Estados Unidos, da Alemanha e da Ásia. Com inúmeras publicações dedicadas
ao pensamento de Max Weber e é um dos principais editores da coleção Max Weber Gesamtausgabe [Obras
completas de Max Weber).
Ação, ordem e cultura: fundamentos de um programa de pesquisa weberiano | Wolfgang Schluchter
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[Conceitos Sociológicos Fundamentais] de Max Weber: “I. Fundamentos
metodológicos, II. Conceitos de ação social”, como ali armado. Como é
conhecido, entre os parágrafos 2 a 17, Weber emprega o conceito de ação
social como ponto de partida para conduzir o leitor da ação e da ação social
até a organização, passando pela relação social e pela ordem, elaborando
conceitos especícos para cada um destes níveis de análise, estes que, por
sinal, não são desdobrados de modo genético, mas lógico. Não trato aqui
de sua arquitetura, exposta em Schluchter (2000), bem como renuncio à
tarefa de aprofundar com mais detalhes cada um destes conceitos. O que
busco é retomar sua linha argumentativa através dos conceitos de ação, or-
dem e cultura. Exponho, portanto, minha versão dos Soziologische Grund-
begrie que, não obstante, busca conectar-se com aquela de Weber. Os
Soziologische Grundbegrie de Max Weber são o resultado de sua dedicação
de mais de 20 anos aos problemas aqui mencionados. E, ainda que muitas
das formulações conceituais da segunda parte sejam novas se comparadas
com o artigo sobre as Categorias de 1913 ou com o artigo sobre Stammler
de 1907, também existe uma evidente continuidade de conteúdo entre eles
ou mesmo com outros escritos compostos anteriormente. De fato, desde
“Roscher e Knies e os problemas lógicos da economia política histórica” (de
1903 a 1906), passando por “A objetividade do conhecimento sócio-político e
cientíco-social” (1904), “Superação da concepção materialista da história por
parte de R. Stammler” (1907), “Objeções sobre a seleção e adaptação (eleição
prossional e destino prossional) dos operários da grande indústria” (1908),
“Teoria da utilidade marginal e a constituição psicofísica” (1908), até seu
primeiro manifesto público por uma sociologia compreensiva e empírica
no artigo sobre as categorias de 19133 (“Sobre algumas categorias da socio-
logia compreensiva”4), Weber fez um enorme esforço para aclarar os instru-
mentos conceituais de uma ciência da ação e da ordem, primeiramente
no campo da economia política; depois, progressivamente, no campo da
3 Como se sabe, o texto das categorias possui duas partes. A segunda parte foi escrita em 1913. Conferir os
detalhes em Schluchter (2000, p. 179 ss).
4 Com exceção da rhebung, todos os outros textos encontram-se na Gesammelte Aufsätze zur Wissenschafts-
lehre (doravante: WL) de Weber (1968). A compilação foi feita originalmente por Marianne Weber. O próprio
Weber, que planeja uma compilação de seus ensaios metodológicos, também incluiu ali as “Erhebungen” que
foram publicadas e comentadas em Schluchter (1995).
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 19 - Nº 45 - Mai./Ago. de 2020
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sociologia (incluindo a economia política). No campo da economia polí-
tica, este esforço já pode ser localizado no período anterior ao colapso da
saúde de Weber ou, para formular de modo mais neutro: ainda antes da
virada do século.5 Porém, somente a partir de 1903 este esforço adquire
contornos denidos. Portanto, o que visualizamos na primeira parte dos
Soziologische Grundbegrie, os “fundamentos metodológicos”, já se encon-
tra, ainda que de forma menos precisa, nos escritos acima mencionados.
Em diversas passagens, é o próprio Max Weber que nos chama a atenção
para este fato. Naturalmente, isto não signica que desde 1903 (publica-
ção do “Método histórico de Roscher”) até 1920 (publicação dos Soziologis-
che Grundbegrie) não se tenha produzido nenhum avanço, ainda que, do
ponto de vista metodológico e conceitual, tais modicações sejam menos
decisivas do que aquelas que vericamos em sua sociologia empírica, caso
de sua sociologia da religião, por exemplo.
Minha primeira observação preliminar se refere ao subtítulo de minha
contribuição: o que signica um “programa de pesquisa weberiano”?
O conceito de “programa de pesquisa” tem, na teoria pós-empirista
da ciência, um sentido preciso que foi desenvolvido na controvérsia en-
tre omas Kuhn, Karl Popper e Imre Lakatos6. Trata-se do problema da
relação entre teoria da ciência e história da ciência ou entre a lógica do
conhecimento e a psicologia e sociologia do conhecimento e, sobretudo,
da superação de um falsicacionismo ingênuo com sua representação de
uma instant rationality. Recorrendo à história das ciências naturais, Kuhn
buscou mostrar que o processo de investigação se desenvolvia de maneira
diferente daquela que Karl Popper, em sua Lógica da pesquisa cientíca,
prescrevia normativamente com seu falsicacionismo fundado em um rea-
lismo metafísico. O progresso cientíco, segundo Kuhn, acontece, “em
regra”, sob o domínio de um paradigma assegurado dogmaticamente que
busca subtrair-se de qualquer crítica fundamental e que é colocado em
5 Isso já ca demonstrado no curso de economia política geral que Weber ofereceu regularmente antes de seu
problema de saúde, o Grundriss zu den Vorlesungen über Allgemeine (“theoretische”) Nationalökonomie,
onde Weber (1990, p. 29 ss) parte do “tipo ocidental moderno de homem e de seu agir econômico “e con-
fronta o sujeito econômico construído – o homem não realista da teoria abstrata – com o homem empírico”.
6 Sobre esse tema, ver: Imre Lakatos e Alan Musgrave (1970).
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