Ação Civil Pública (PRT 2ª Região)

AutorElisiane dos Santos - Rafael Dias Marques
CargoProcuradora do Trabalho - Procurador do Trabalho
Páginas236-304

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Exmo.(a) Sr.(a) Dr.(a) Juiz(a) do Trabalho da Vara do Trabalho de São Paulo/SP

TRABALHO INFANTIL - PRIORIDADE ABSOLUTA

"Se não vejo na criança uma criança, é porque alguém a violentou antes, e o que eu vejo é o que sobrou de tudo que lhe foi tirado. Diante dela, o mundo deveria parar para começar um novo encontro, porque a criança é o princípio sem im e seu im é o im de todos nós." (Herbert de Souza)

"Os Estados-Partes reconhecem o direito da criança de estar protegida contra a exploração econômica e contra o desempenho de qualquer trabalho que possa ser perigoso ou interferir em sua educação, ou que seja nocivo para sua saúde ou para seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral ou social." (art. 32 da Convenção sobre os Direitos da Criança, ratiicada pelo Estado brasileiro em 24.9.1990)

MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO - PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 2ª REGIÃO, com inscrição no CNPJ sob n. 26.989.715/0033-90 e sede na Rua Cubatão n. 322 - São Paulo, pela Procuradora do Trabalho infrairmada, no uso de suas funções institucionais previstas nos arts. 129, CF, e 83 da LC n. 75/93, vem, respeitosamente, à presença de V. Exa., com apoio nos

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arts. 127 e 129, inc. III, CF; 83, inc. III, da LC n. 75/93 e 1º, inc. IV, Lei n. 7.347/85, e arts. 796 e seguintes propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO LIMINAR DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA em face de INFRAERO - EMPRESA BRASILEIRA DE INFRAESTRUTURA AEROPORTUÁRIA, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o n. 00.352.294/0001-10, com representação no Aeroporto de Congonhas, através da Superintendência do Aeroporto de Congonhas, na rua Washington Luís s/n, CEP 04626-911 e MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, pessoa jurídica de direito público interno, inscrito no CNPJ sob n. 46.379.400/0001-50, representado pelo Exmo. Prefeito Municipal Fernando Haddad, estabelecido no Viaduto do Chá n. 15, Centro, CEP 01002-900 e pela Procuradoria Geral do Município, situada na Rua Maria Paula, 270 - CEP 01319-000, pelas razões fáticas e jurídicas que passa a expor:

I - Dos fatos

A partir de comunicação encaminhada pelo Coordenador Nacional da Coordenadoria de Combate à Exploração do Trabalho de Crianças e Adolescentes do Ministério Público do Trabalho, no ano de 2012, a respeito de trabalho infantil ocorrido nas dependências do aeroporto de Cumbica (Guarulhos), foi autuado procedimento promocional, visando ao levantamento de dados acerca de trabalho infantil nos aeroportos, de forma geral, na circunscrição afeta à Procuradoria Regional do Trabalho da 2ª Região, dentre estes no Aeroporto de Congonhas, localizado no Município de São Paulo (doc. 1).

Requisitadas informações iniciais à Infraero, manifestou-se esta pela não ocorrência de situações de exploração de trabalho infantil no aeroporto de Congonhas, nos seguintes termos, quanto aos procedimentos adotados em caso de identiicação de trabalho infantil no aeroporto, "que não havendo identiicação dessa prática, não foi adotado nenhum procedimento" (doc. 2).

Foram prestadas informações pelo Conselho Tutelar de Santo Amaro, acompanhadas de relatório elaborado pelo Instituto Santa Lúcia (doc. 3), entidade conveniada à Secretaria de Assistência Social do Município, que desenvolve serviço de abordagem de rua, apontando que "no aeroporto icam algumas crianças com caixas de engraxates, com faixa etária por volta de 11 a 17 anos". O referido relatório apontou nove (9) crianças identiicadas, durante ações realizadas no aeroporto de Congonhas, com idades entre 8 e 13 anos, em situação de trabalho infantil.

No relatório, ainda, o Instituto Santa Lúcia descreveu as diiculdades en-contradas para o desenvolvimento das ações de assistência social às famílias das crianças identiicadas, indicando, a facilidade de permanência das crianças e adolescentes no local, estímulo do desenvolvimento da atividade de engraxate

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pela comunidade aeroportuária, quantidade insuiciente de assistentes sociais para atender a demanda, nos seguintes termos:

[...] outro agravante que é a fácil acessibilidade da entrada do público-alvo nas dependências do aeroporto, além do estímulo para a permanência no local praticando a mendicância e o trabalho infantil, através dos passageiros e dos próprios funcionários.

Deste modo, é necessário também ter uma maior conscientização social por parte dos estabelecimentos para a não manutenção desta situação.

Notamos, ainda, que o monitoramento do SEAS Santo Amaro não tem sido suiciente para alterar o quadro, pois a situação exige um monitoramento exclusivo e uma equipe maior de funcionários para poder atender a demanda do local.

Registre-se que o Conselho Tutelar da região informou que não realizou atendimento relativo a nenhuma das crianças então identiicadas pelo Instituto Santa Lúcia, pois não as localizou, conforme consta do ofício de encaminhamento do referido relatório.

Na data de 1º.7.2013, foi realizada inspeção no aeroporto de Congonhas, por equipe integrada pelo MPT, MTE e Instituto Santa Lúcia, tendo sido identiicadas durante a diligência, que ocorreu em horário noturno, das 19 h às 21h30min, sete crianças em situação de trabalho infantil, oferecendo serviços de engraxate nas dependências do aeroporto (doc. 4). Destaca-se:

"Chegando ao local às 19 h, na praça de alimentação localizada no 1º piso do Aeroporto foi lagrado um adolescente carregando uma caixa de engraxe, bem como outro menino realizando serviço de engraxate para uma senhora (fotos anexas).

Após observação e registro, sentamos próximas ao menino, que, de imediato, ofereceu serviços de engraxe de sapatos, pelo preço de R$ 7,00 (engraxe com cera) e R$ 3,00 (limpeza). Ficamos apenas conversando com este, a im de obter informações, sem nos identiicarmos como representantes do MPT e MPE, para não afastá-lo. Durante a conversa, o menino informou o nome

L. F. e idade 14 anos. Também informou que trabalha diariamente no período das 17 h às 22 h, que estuda no período da manhã, na 8ª série. Que o irmão também trabalha engraxando sapatos no aeroporto. Que tinha realizado até o momento três serviços de engraxe. Que 5ª e 6ª feira são os dias de maior movimento. Informou que os seguranças não impedem o trabalho dele e de outros adolescentes que costumam laborar no local. Normalmente, esperam que o serviço termine para não atrapalhar os "clientes". [...]

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Foram expedidas notiicações recomendatórias ao Município de São Paulo e Infraero (doc. 5), exigindo-se a adoção de providências imediatas quanto à identi-icação das crianças e adolescentes, encaminhamentos aos serviços de assistência social, desenvolvimento de políticas públicas afetas à educação, trabalho e renda na região, e designada audiência administrativa, para tentativa de realização de ações conjuntas e integradas pelos órgãos envolvidos, visando à eliminação da situação de trabalho infantil no local (v. procedimento promocional n. 6.482/2012).

Na referida audiência, em 2.8.2013, foi proposto acordo de cooperação mútua para a adoção de medidas efetivas de combate à exploração do trabalho infantil, com a realização de campanhas de sensibilização da população usuária do aeroporto, atendimento das crianças e famílias pela rede socioassistencial mediante plantão integrado no local, capacitação de agentes aeroportuários, dentre outras medidas (doc. 6). Na oportunidade, foram apresentados relatórios das ações de abordagem realizadas, pela Infraero e Município, através do Instituto Santa Lúcia. Desta feita, conforme novo relatório apresentado pela Secretaria Municipal de As-sistência Social foram identiicadas 16 crianças em situação de trabalho infantil, com idade entre 6 e 17 anos. Em que pesem as tentativas de encaminhamento destas crianças e famílias na rede de assistência social, o relatório aponta a necessidade de ações efetivas articuladas com os demais órgãos, bem como faz referência a permissibilidade da situação, nas dependências do aeroporto administrado pela Infraero (doc. 6-A). Destaca-se:

"[...] percebemos a fácil acessibilidade nas dependências do Aeroporto, além do estímulo para a permanência no local, praticando a mendicância e o trabalho infantil, ações estas aceitas e incentivadas por passageiros e por muitos funcionários da Infraero.

Salientamos que prosseguimos com o monitoramento e ressaltamos que no âmbito da Assistência Social, as providências são constantes e há necessi-dade de uma ação conjunta com demais órgãos bem como Conselho Tutelar e Infraero."

Na data de 20.9.2013, após discussões e tratativas junto à Infraero (Superintendência do Aeroporto de Congonhas) houve manifestação positiva quanto à assinatura do acordo de cooperação, com ajustes. Em razão da ausência do Município de São Paulo à audiência designada para tanto, foi instaurado procedimento investigatório, com vistas à atuação repressiva do órgão ministerial em face da municipalidade (doc. 7).

Ajustadas as ações a serem empreendidas, pela Infraero, no âmbito do aero-porto de Congonhas, visando à eliminação da...

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