Ação civil pública proposta pela procuradoria do trabalho no município de bauru/SP em face de tonon bioenergia S/A

AutorJosé Fernando Ruiz Maturana
CargoProcurador do Trabalho
Páginas13-42

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DA VARA DO TRABALHO DE JAÚ-SP

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO/PROCURADORIA DO TRABALHO NO MUNICÍPIO DE BAURU/SP, situado na Rua Júlio de Mesquita Filho, n. 10-31, — C3 —, Jd. Panorama, Bauru/SP, CEP 17011 -137, pelo Procurador do Trabalho que esta subscreve, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com esteio nos arts. 114 e 129, III, da Constituição Federal, no art. 83, III, da Lei Complementar n. 75/1993 e na Lei n. 7.347/1985 propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA, COM PEDIDO DE LIMINAR,

em face de Tonon BionergiaS/A, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob n. 07.914.230/0001 -05, com sede na Fazenda Santa Cândida, Rodovia Jaú —Araraquara, Km 129, CEP: 17.240-000, Bocaina/SP, pelos motivos de fato e de direito a seguir expostos.

I Dos fatos

Do fator climático e do calor na atividade de corte manual de cana

É fato notório que o corte manual de cana-de-açúcar — sintetizado como uma sequência ritmada de movimentos corporais que implica abraçar

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o maior número de colmos de cana, golpeá-los com o facão em sua base até o corte, movimentar o corpo em rotação para amontoamento do produto cortado na rua central e, finalmente, desponte do palmito (ponteiro) — em um repetitivo circuito que culmina com o corte médio de mais de 8 (oito) toneladas por dia —, constitui atividade fisicamente desgastante, havendo estudos científicos que a comparam a de um "maratonista".

A literatura científica nacional, ao abordar o tema Contribuição para a Discussão sobre as Políticas no Setor Sucroalcooleiro e as Repercussões sobre a Saúde dos Trabalhadores relata que:

O excesso de trabalho associado às longas jornadas, sob sol inclemente e a reposição inadequada resultam em distúrbios hidroeletro-líticos cujos episódios de gravidade crescente se manifestam da câimbra à morte por parada cardíaca. Quando as câimbras são fortes e frequentes, seguidas de tontura, dor de cabeça, vômito e convulsões, os trabalhadores denominam esta condição/situação de "Birola". O esforço para cortar mais e mais cana e aumentar os ganhos, provoca situações limites de desgaste, sendo constantes nos serviços de urgência e emergência: a presença de trabalhadores reclamando de câimbras e vomitando, após trabalho sob o sol e temperatura que pode chegar a 37 °C à sombra. Também contribui para isso, a própria roupa de trabalho, vestimenta pesada e fechada, que favorece o aumento da temperatura corporal, a perda de água e de sais minerais, levando à desidratação. Algumas usinas fornecem no campo bebidas reidra-tantes para a mão de obra suportar o desgaste. Porém, "no final da tarde e início da noite, principalmente nos dias mais quentes e secos, comuns durante o pico da safra de cana, é frequente que os ambulatórios desses hospitais fi quem repletos de cortadores de cana tomando soro". (ALVES, 2006).1

Igualmente conhecidos por toda a sociedade brasileira são os riscos e os cuidados que há de se ter com a prática de atividades físicas nos horários e dias de sol e calor intensos, mostrando-se bastante ilustrativas as recomendações para que as Escolas "peguem leve" nas aulas de educação física em decorrência do calor e o "atraso" do horário dos jogos do Campeonato Brasileiro em razão do "horário de verão", que apresenta "calor geralmente mais intenso no horário adiantado", amplamente noticiados no ano de 2009. (doc. n. 1)

As consequências da prática de exercícios físicos debaixo de muito calor e a explicação para tanta preocupação pode ser facilmente extraída

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de artigos publicados na rede mundial de computadores, todos com embasamento científico e em linguagem suficientemente acessível até para leigos, consoante se infere do texto abaixo.

Atividade física e calor

A produção de calor é benéfica quando você se exercita num ambiente frio. Ela auxilia a manter a temperatura corporal normal. No entanto, mesmo quando você se exercita num ambiente termoneutro, com uma temperatura entre 21 a 26 °C, a carga de calor metabólico sobrecarrega consideravel-mente os mecanismos que controlam a temperatura corporal.

Função cardiovascular

Quando a necessidade de regulação da temperatura corporal aumenta, o sistema cardiovascular pode tornar-se sobrecarregado durante o exercício no calor. O sistema circulatório transporta o calor produzido nos músculos para a superfície do corpo, onde o calor pode ser transferido para o meio ambiente. Para que isso seja obtido durante o exercício no calor, uma grande parte do débito cardíaco (volume de sangue bombeado pelo coração por minuto) deve ser compartilhada entre a pele e os músculos em atividade. Como o volume sanguíneo é limitado, o exercício apresenta um problema complexo: o aumento do fluxo sanguíneo para uma dessas áreas diminui automaticamente o fluxo sanguíneo para as outras.

O exercício aumenta a demanda de fluxo sanguíneo e de liberação de oxigênio para seus músculos. Ele também aumenta a produção metabólica de calor. Esse excesso de calor somente pode ser dissipado se o fluxo sanguíneo cutâneo aumentar, transferindo o calor para a sua superfície corporal.

Ao mesmo tempo, o seu centro termorregulador orienta o sistema cardiovascular para direcionar mais fluxo sanguíneo para a pele. Os vasos sanguíneos superficiais dilatam para levar mais sangue aquecido para a superfície corporal. Isso restringe a quantidade de sangue disponível para os seus músculos ativos, limitando sua capacidade de resistência. Por essa razão, as demandas cardiovasculares do exercício e aquelas da termorre-gulação competem pelo limitado suprimento de sangue.

Produção de energia

Estudos demonstraram que, além de elevar a temperatura corporal e a frequência cardíaca, o exercício no calor também aumenta o consumo de

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oxigênio, fazendo com que os músculos em atividade consumam mais glicogênio e produzam mais lactato em comparação com o exercício realizado no frio. Além disso, o aumento da produção de suor e a respiração exigem mais energia, a qual também requer um maior consumo de oxigênio.

Equilíbrio hídrico corporal: transpiração

Com o calor, torna-se a evaporação muito mais importante para a perda de calor pois a radiação, a convecção e a condução são menos eficazes quando a temperatura ambiente aumenta.

As glândulas sudoríparas são controladas pelo estímulo do hipotálamo. A temperatura elevada do sangue faz que o hipotálamo transmita impulsos através das fibras nervosas simpáticas para as milhões de glândulas sudoríparas de toda a superfície corporal.

Durante a transpiração leve, ocorre uma reabsorção quase total do sódio e cloreto. Entretanto, quando a taxa de transpiração aumenta durante o exercício, não há tempo suficiente para a reabsorção do sódio e cloreto.

Ao realizar exercício intenso num ambiente quente, o corpo pode perder mais de 1 litro de suor por hora por metro quadrado de superfície corporal. Isso significa que durante um esforço intenso num dia quente e úmido, um indivíduo de tamanho médio (50/75 kg) pode perder 1,5 a 3,5 litros de suor ou aproximadamente 2% a 4% do peso corporal por hora. Uma pessoa pode perder uma quantidade crítica de água corporal em apenas algumas horas de exercício nessas condições.

Portanto, procure sempre hidratar-se adequadamente durante ativi-dades físicas intensas e de longa duração para evitar uma possível desidratação.

Riscos à saúde durante o exercício no calor

Apesar das defesas do organismo contra o superaquecimento, a produção excessiva de calor pelos músculos ativos, o ganho calórico do meio ambiente e as condições que impedem a dissipação do excesso de calor corporal podem elevar a temperatura corporal a níveis que comprometem as funções celulares normais. Sob tais condições, os ganhos calóricos excessivos colocam em risco a saúde da pessoa.

A exposição à combinação do estresse pelo calor externo e a incapacidade de dissipação do calor produzido metabolicamente podem levar a três distúrbios relacionados ao calor:

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Cãibras pelo Calor: provavelmente é decorrente das perdas minerais e da desidratação que acompanham as taxas elevadas de transpiração.

Exaustão pelo calor: é tipicamente acompanhada por sintomas como a fadiga extrema, dificuldade respiratória, tontura, vômitos, desmaios, pele fria e úmida ou quente e seca, hipotensão arterial.

Causada pela incapacidade do sistema cardiovascular de suprir adequadamente as necessidades do organismo.

Intermação: é um distúrbio relacionado ao calor que pode ser letal e que exige atenção médica imediata. Caracterizada por:

  1. Um aumento da temperatura corporal interna a um valor superior a40°C

  2. Interrupção da transpiração

  3. Pele quente e seca

  4. Pulso e respiração rápidos

  5. Usualmente, hipertensão arterial

  6. Confusão

  7. Inconsciência

Portanto, fica o alerta para que ao se exercitar, procure horários onde a temperatura ambiente não esteja muito elevada, hidratar-se adequadamente, seguir um cronograma de treinamento para que na euforia não ultrapasse seus limites.2 (doc. n. 2 — grifos do MPT)

Notoriamente sabido, portanto, que o serviço de corte manual de cana--de-açúcar demanda elevado desforço físico e conhecidas até pela comunidade em geral as consequências do calor sobre o organismo humano, seria de se supor que os documentos técnicos de gestão de risco da ré Tonon Bionergia S/A (Usina Santa Cândida) — que por imposição constitucional e legal está obrigada a assegurar aos trabalhadores um meio

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ambiente do trabalho sadio —, contemplassem com maior rigor e profundidade técnico-científica os efeitos do calor sobre o organismo dos trabalhadores, o monitoramento das temperaturas nas áreas de corte e os mecanismos de prevenção à fadiga e...

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