Ação Civil Pública - Dia Brasil Sociedade Ltda. e Carrefour - Contratação Irregular de Trabalhadores - Terceirização em Atividade-Fim

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EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(A) DA.......VARA DO TRABALHO DE SÃO PAULO (SP)

"O empregador não pode transferir o risco do negócio aos empregados. A opção pelo lucro não pode deixar os empregados no desamparo, sem que os direitos básicos previstos na legislação trabalhista sejam observados, como é o caso dos autos..." (MM. 8ã VT/Guarulhos) (grifos nossos)

Trata-se de genuíno aliciamento de empregados sob a promessa de atividade de gerenciamento pois a reclamada admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços além de transferir ao empregado parte do risco de sua atividade econômica, dado que o trabalhador arca com praticamente todos os encargos do negócio. A reclamada elegeu um procedimento capcioso e lucrativo de angariar mão de obra, em autêntico retrocesso das relações sociais de trabalho, posto que toda a família passa a depender de uma única fonte de renda, e em vez de autonomia, subsiste um vínculo de profunda subordinação jurídica e econômica (TRTda 2a Região)

(pronunciamentos da Justiça do Trabalho a respeito da fraude objeto desta AÇÃO CIVIL PÚBLICA) (grifos nossos)

O Ministério Público do Trabalho — Procuradoria Regional do Trabalho da 2a Região, com endereço à Rua Aurora n. 955, São Paulo — SP, por seus Procuradores

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do Trabalho infra-assinados, vem, com amparo nos art. 127, caput e 129, III, da Constituição Federal; no art. 83, III, da Lei Complementar de n. 75, de 20 de maio de 1993; nos arts. 9e e 477 da Consolidação das Leis do Trabalho; no art. 273, caput, do Código de Processo Civil e no art. 1e, IV, da Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985, propor

AÇÃO CIVIL PÚBLICA, COM PEDIDO DE LIMINAR

em face de:

  1. Dia Brasil Ltda., inscrita no CNPJ n. 3.476.811/0001-51, situada na Avenida Dr. Cardoso de Melo n. 1855, Bloco 2, 1, 2 e 10e andares, Vila Olímpia, São Paulo--SP, Cep. 04548-005;

  2. Carrefour Comércio e Indústria Ltda., com sede na Rua George Eastman, 213, Vila Tramontano, Cep. 05690-905, São Paulo, inscrito no CNPJ/MF sob n. 45.543.915/0001 -81; pelos motivos de fato e de direito a seguir declinados:

I Dos fatos

Da instauração do Inquérito Civil n. 11.210/05 e das autuações da fiscalização do trabalho

O Ministério Público do Trabalho recebeu relatório do Ministério do Trabalho e Emprego, Subdelegacia (atual Superintendência) Regional do Trabalho em Santo André, produzido no processo de fiscalização n. 46262.000497/2005-07 (Doc. 1), informando que o Dia Brasil Sociedade Ltda., terceirizara sua atividade fim mediante imposição de contratos de prestação de serviços com pessoa jurídicapessoajurídica, contratos esses que serviram para encobrir relação de emprego de fato existente entre a empresa tomadora e os trabalhadores da pessoa jurídica contratada.

A fiscalização em questão foi empreendida para apurar denúncia do Sindicato dos Empregados no Comércio de Santo André, no sentido de que o Dia Brasil vinha, exaustivamente, cometendo crime contra a organização do trabalho.

O bem elaborado relatório de fiscalização citado no item precedente tem as seguintes conclusões, in verbis:

"Subedelegacia do Trabalho em Santo André Empregador: Dia Brasil Sociedade Ltda. CNPJ 03.476.811/0026-00 Auto de Infração: 1.184.556-2

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RELATÓRIO FISCAL Senhora Subdelegada:

Tendo diligenciado à sede da empresa epigrafada, à Estrada do Pedroso, 614, Vila Luzia, Santo André-SP, tenho a relatar que:

  1. Em visita ao estabelecimento acima verifiquei que a empresa utiliza mão de obra de trabalhadores vinculados à empresa prestadora de serviços Edicel Serv. Adm. e Gest. de Dados Ltda.;

  2. Observei, todavia, que o contrato de prestação de serviços firmado entre as empresas não atende aos requisitos legais, vez que a terceirização recai sobre a atividade fim do tomador;

  3. Também no aspecto comercial, o contrato reflete extrema desigualdade entre as partes, impondo obrigações ao prestador que o colocam em posição ainda mais frágil que a de empregado;

  4. Por outro lado, constatei que parte dos atuais funcionários da empresa prestadora de serviços e até mesmo seu sócio eram até março 2004 empregados regulares da empresa tomadora, consoante documentos anexos;

  5. Configurada a ausência dos requisitos formais e substanciais para a terceirização de serviços e considerando a presença de todos os caracteres da relação de emprego, nos termos do art. 3e da CLT, considerei violados os arts. 9e e 41 do texto Consolidado;

  6. Orientei insistentemente o Dia Brasil a regularizar a situação dos trabalhadores, mediante a formalização dos registros;

  7. Rejeitada a proposta, lavrei o Auto de Infração epigrafado, abarcando 7 (sete) trabalhadores;

  8. Considerando a gravidade da situação vertente e as informações prestadas pela própria autuada no sentido de que tal modalidade de trabalho está sendo utilizada em todas as suas filiais, proponho que se dê ciência ao sindicato da categoria e à ilustre Procuradoria Regional do Trabalho, conforme art. 2- da Portaria MTE n. 925/95. Anexo cartão de CNPJ da matriz.

Santo André, 15 de março de 2005. Oton Abreu Garcia. Auditor Fiscal do Trabalho"

Para melhor apurar as circunstanciadas comunicadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, instaurou-se no Ministério Público do Trabalho o procedimento preparatório n. 11210/05, posteriormente convertido no Inquérito Civil BNN. n. 11210/05.

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Nos autos do inquérito mencionado, instado pelo Parquet, trabalhador contratado através de "empresa" prestadora de serviços, protocolizou manifestação (Doc. 2), informando ao Ministério Público do Trabalho que: abrira a firma Edicel tão somente para prestar serviços ao Dia Brasil sendo que este último acabou por "ficar isento dos salários e encargos trabalhistas"; disse, ainda, o contratado, que "analisando os ganhos e as despesas, estamos trabalhando com ilusão, no final não temos resultados positivos e sim negativos, o que vem ocorrendo com diversas famílias sendo obrigadas a entregarem a loja". (grifos nossos)

Posteriormente, verificou-se, efetivamente, por diversos elementos colacionados aos autos do Inquérito Civil n. 11210/05, que a "ilusão" a que se referiu o trabalhador da Dia Brasil, de fato era real, pois a ré engendrara prática de fraude ao contrato de trabalho através de interposição de "pessoas jurídicas" entre ela e seus empregados, com enormes prejuízos patrimoniais e morais a estes últimos.

Confirmando os fatos relatos no relatório de fiscalização supratranscrito, vieram aos autos do IC n. 11.210/05, nova fiscalização, de autoridade diversa.

O Auto de Infração n. 012154903 (Doc. 3), lavrado contra a Dia Brasil Sociedade Ltda., pela Ilma. Sra. Auditora Fiscal do Trabalho Sandra Maria Argentino, também denunciou a manutenção de empregados sem o registro do contrato de trabalho na CPTS, mediante formação de "pessoa jurídica", dentro do "Projeto Família". Na referida fiscalização, a realidade de fraude constatada ficou expressa nos seguintes termos:

"A Empresa ora autuada inova em matéria de contratação de empregados sem arcar com encargos trabalhistas. Inventou o Projeto Família, induzindo os quatro primeiros empregados acima mencionados, que são pessoas da mesma família, mãe e três filhos, a constituir a empresa "Família Serra Administração & Planejamento Operacional Ltda. ME (contrato social anexo), mantendo com ela um contrato de gestão empresarial (contrato anexo). Examinando esse contrato, percebe-se claramente a subordinação. Diz a Cláusula 1.2 do mencionado contrato: 'A gestora compromete-se a administrar, explorar e prestar os serviços relativamente ao estabelecimento com estrita sujeição às instruções e diretrizes que lhe sejam comunicadas pela Dia Brasil...' Os mencionados empregados exercem todas as funções existentes no estabelecimento, inerentes à atividade fim do mesmo, como caixa, repositor, operador de loja, encarregado de loja, gerenciamento e administração, conforme declaração do empregado Fernando Cesar Serra. Em sendo as atividades dos mencionados empregados atividade--fim e de caráter não eventual, tais empregados devem fazer parte do quadro permanente de empregados da empresa autuada. O serviço é prestado de forma contínua, é uma necessidade habitual da empresa, o exige a manutenção desses trabalhadores de forma permanente, com o devido registro em livro ou fichas de registro de empregados e anotados nas respectivas CTPS. O Direito do Trabalho adota o princípio da 'primazia da realidade', assim sendo, prevalece a relação jurídica evidenciada pelos fatos e não uma realidade aparente, ainda que revestidas das formalidades legais. Portanto, não importa o 'nomen juris' atribuído formalmente à relação, não conta qualquer contrato civil, comercial ou o que seja, se firmado com o objetivo de fraudar as Leis de proteção ao trabalho (art. 9e da CLT), conforme brilhante artigo da Auditora Fiscal Dra. Maria Julieta Mendonça Viana. Configura-se no caso em tela todos os pressupostos da relação

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de emprego, como subordinação, pessoalidade, dependência econômica, atividades de caráter não eventual, conforme arts. 3e c/c 9e da CLT."

Das denúncias e provas recebidas da justiça do trabalho a respeito da fraude objeto desta ACP

A fraude de manter empregados sem o registro sob o manto de trabalho autônomo de fato inexistente, objeto desta ação civil pública, encontra-se provada não só pelos relatórios de fiscalização materializados no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego, mas também e, por denúncias e provas remetidas ao Parquet pela própria Justiça do Trabalho.

Efetivamente, a fraude em questão foi objeto de várias comunicações feitas ao Ministério Público do Trabalho por Magistrados de primeiro e segundo grau de jurisdição:

Assim é que a 88 Vara do Trabalho de Guarulhos encaminhou ao Ministério Público do Trabalho o Ofício n. 85/06, acompanhado de documentos (Doc. 4) solicitando as necessárias providências do Parquetem face de...

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